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sábado, 21 de março de 2015

A DUPLA VIDA DE CADA UM


Rangel Alves da Costa*


Por favor, não se chateie com o que vou dizer: Você tem vida dupla. Há outro ser dentro de você. Sempre mostra uma face, mas há outra feição que se mantém escondida. Por mais que procure ser apenas o que se mostra, não pode fugir da outra pessoa que está no seu âmago, no seu íntimo. Quer dizer, você é frente e verso de um mesmo espelho, e com os dois lados reluzindo igualmente. Só que um lado só você pode sentir, avistar, conhecer.
Não se chateie porque assim também acontece comigo e com todo ser humano existente sobre a terra. Eu tenho vida dupla, ela tem vida dupla, todo mundo tem vida dupla. E por isso mesmo que você tem vida dupla. Mas não se aborreça porque explicarei o por quê. Mas antes disso deixe-me recordar uma frase: “Quem olha dentro de si mesmo acaba enxergando a outra metade que lhe completa. Quem se mostra com a outra metade, acaba revelando apenas uma parte do todo”.
As pessoas possuem determinadas características que acabam determinando como são conhecidas. Umas são vistas como singelas, meigas, bondosas, pacientes, brincalhonas, alegres, persistentes, cativantes, e assim por diante. Outras são vistas como arrogantes, presunçosas, egoístas, invejosas, ciumentas, falsas, brutas, insuportáveis, além de outras invirtudes. Há ainda outras que são reconhecidas pelo temperamento difícil, pela repentina mudança de comportamento ou pelas incertezas nas atitudes.
Tais aspectos, contudo, nem sempre representam a essencialidade da pessoa, pois dependem da própria visão que o terceiro tem sobre o outro. E por mais fidedigna que seja, ainda assim não representará a realidade. Esta, a pessoa em si com suas características positivas e negativas, só é conhecida e revelada pelo próprio sujeito. O resto será apenas suposições. Contudo, a verdade que nem a própria pessoa se revela por inteiro, se deixa conhecer completamente.
Talvez aí esteja um dos maiores mistérios do ser humano: o seu caráter dúbio. Aquele que se mostra e aquele que se esconde, aquele que se revela e aquele que se guarda em segredo, aquele que deseja ser caracterizado por alguns aspectos e aquele que tudo faz para que ninguém conheça o seu outro lado. Mas qual seria esse outro lado, essa outra face desconhecida?
Vamos ao exemplo. Ninguém encomenda uma biografia para que o biografado seja revelado em toda sua inteireza. Alguns aspectos pessoais devem ser ocultados, determinadas qualidades não podem ser publicadas de jeito nenhum. Por isso mesmo que tantos artistas brigam na justiça para que os biógrafos não esmiúcem retalhos passados, controvérsias de personalidade e vícios da fama. Contudo, se a biografia serve como glorificação ou endeusamento, então não haverá problema algum. Então resta uma pergunta: E a outra feição deve permanecer oculta?
E é essa outra feição existente em cada um que o torna um ser de vida dupla. Não apenas pelo que não deseja que seja conhecido, mas também pelo que tudo faz para não revelar. E assim porque todo mundo tem dentro de si um arquivo confidencial, cujas chaves estão nos sentimentos e que nem a própria pessoa tem sempre acesso. Há segredos na alma, há desejos íntimos, há escondidos que nenhuma outra pessoa sequer imagina que possam existir.
Vamos novamente aos exemplos. Saudades, desgostos, sensações, vontades, ódios, prazeres, revoltas, renúncias, desejos e tudo o mais que permanece guardado no íntimo da pessoa. Quem conhece as características externas dessa pessoa nem supõe quanta vivacidade há no seu interior, no outro lado que não é conhecido nem revelado. Acontece sempre com o sorriso. O sorriso pode ser apenas uma máscara encobrindo um turbilhão de dolorosos sentimentos.
Então fique sabendo que você sempre é e sempre estará dividido. Você é dois. Você perante os outros e você dentro de si mesmo. E o lado mais verdadeiro você também já sabe qual é.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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