SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 22 de março de 2015

NO BILHAR DE ANGELINO


Rangel Alves da Costa*


Angelino foi uma das figuras mais tradicionais de Poço Redondo e ainda pujantemente viva na memória de muitos. Pertencente à família Francelino, uma das maiores e mais respeitadas de toda a região sertaneja, abdicou de seu ofício de mestre de obras, como exímio pedreiro, para se tornar dono de salão de jogos. A fachada era de bilhar, mas funcionava também como cafua para diversos jogos de azar. Ali se jogava desde cartela de marcar ao dominó.
Quem tem mais de vinte anos e é do alto sertão sergipano, certamente já ouviu falar no bilhar de Angelino. E aqueles de mais idade tiveram a oportunidade de conhecer aquele insuspeitável ambiente. No seu auge, o salão do bilhar ficava localizado na Rua Prefeito João Rodrigues, ao lado da casa do Cabo Antônio e Dona Adalgisa, quase vizinho aonde funcionava o bar de Delino, e bem defronte ao mercadinho de Eraldo e da antiga casa de Dona Bilinha.
Angelino era uma figura franzina, pacata, calmo demais para suportar todo tipo de gente e de bêbado que chagava ao seu ambiente. E também com maestria suficiente para acalmar aqueles mais exaltados com as perdas no baralho. Não só no baralho como no bilhar e nas demais jogatinas. E vez por outra tinha que correr perigo entrando no meio de valentões para evitar o pior. Mas o efeito surtido se dava apenas pelo grande respeito que todos tinham por ele.
Chegado a um chapéu, antigo boêmio e fumador inveterado, já havia deixado seus vícios quando decidiu pela vida de crupiê sertanejo. E faleceu ainda na força da idade, deixado em Poço Redondo e no sertão inteiro um imenso vazio, não só pelo seu salão sempre cheio de jogadores e fofoqueiros, mas também pela singela figura humana que representava. Era casado com Joelina e de sua cria vieram ao mundo Barrinhos, Bibi, Deúta, os nomes que recordo agora.
Mas o bilhar de Angelino não era ambiente somente de jogos, pois funcionava também como local de propagação de tudo o que houvesse na cidade e na região. Ali se falava em política, na vida alheia, em seca, nas tragédias humanas, nas alegrias e desditas da vida. Qualquer fato novo surgido acabava chegando ali e depois, logicamente, era disseminado com muitos acrescimentos. Entre uma tacada e outra, uma cartada e outra, havia sempre uma conversa paralela que satisfazia em cheio os ouvidos ávidos de fofocas. E muita gente havia, de velho a novo, que ficava ali quase o dia inteiro só para ouvir as novidades que chegavam a cada segundo.
O salão de Angelino – que não era dele – era dividido numa parte da frente, onde funcionava o bilhar e eram colocadas mesas para outros jogos, e numa dependência ao fundo, aonde corria solto o carteado. E as apostas eram altas no buraco, no relancinho, vinte e um, três sete, dentre outros. Quando as apostas eram altas e as mesas eram formadas por jogadores como Cabo Antônio, Bonfim de Canindé, Gilvan de Sítios Novos e outros, então a peruada rodeava o ambiente com tal interesse que só faltava cantar a jogada. Mais atrás ficava o malcheiroso banheiro de chão e pé de muro.
Mas dependendo da qualidade dos jogadores, era no bilhar onde se dava a assistência maior. Quando, diante da imensa mesa de pano verde, se enfrentavam os grandes mestres das três bolas, então se formavam verdadeiras torcidas organizadas. Os maiores jogadores de bilhar sempre foram Messias de Lídia, Alcino, Gerino, Vadinho de Mané Joaquim, Telê, Zé de Valter e alguns outros nomes agora esquecidos. De vez em quando, na disputa ferrenha entre Messias e Alcino, o salão se enchia para ver tacadas de trinta, cinquenta, setenta pontos ou mais. Era mesmo de tirar o fôlego.
Jogadores de menor habilidade também marcavam presença constante. Eram disputas para passar o tempo, com um dando dez ou vinte pontos ao outro, e só para pelo prazer do momento. E assim eram avistados Odon, Mariano, Zé Leno, o próprio Angelino, Seu Ermerindo, Né Cirilo, Barbante, Praxedes, Zezé de Zé Carreiro, Seu Wilson, Manezinho França, Pedrinho de Ermerindo, além de uma leva de sertanejos que ali fazia parada para um instante de descontração.
Quando o saudoso Cabo Antônio chegava era uma festa à parte. Conversador inveterado, logo vinha com alguma mentira descarada ou piada deslavada. E certa feita disse que quando morava em Canindé pescou um peixe tão grande que ao puxá-lo deixou o rio completamente vazio. Talvez seja por causa dele que o Velho Chico continua assim.
Era apenas um salão de bilhar, uma casa de jogos, mas por ali passou grande parte da história de Poço Redondo. E que saudade que dá.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Nenhum comentário: