SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

MARIA SEM JUÍZO


Rangel Alves da Costa*


Maria era uma daquelas que não ouvia conselhos, não ouvia ninguém. Ela saía e voltava quando queria. Ela fumava, ela bebia. E a mãe dizia toma juízo Maria.
Era uma danada a moça, tomando a rédea que queria. Quando tudo se acovardava, era onde ela mais insistia. E por isso o que se ouvia é que toma juízo Maria.
Montava em cavalo brabo, amansava boi valente, era a pura valentia. Desandava sem destino e por onde ninguém sabia. Assim que retornava ouvia que toma juízo Maria.
Andava descalça, por cima de pedra e espinho, e era o que mais fazia. Debaixo do sol ou da chuva, tempo ruim não sentia. E o povo repetindo que toma juízo Maria.
Bebia aguardente, fumava charuto, e quanto mais bebia mais queria. Mas nunca cambaleou, nunca falou besteira, sequer ressaca sentia. Mas todo mundo repetia que toma juízo Maria.
De ferro e aço parecia a Maria. Nunca foi vista chorosa nem lorotando alegria, ninguém ao certo sabia o que ela sempre sentia. Mas ainda assim se dizia que toma juízo Maria.
Quase não conversava com gente, preferindo dialogar com os bichos no dia a dia. Por dentro da mataria se alegrava e até sorria. E para muita gente, assim ela enlouquecia. E viviam repetindo que toma juízo Maria.
Era bonita a danada, bela flor que contagia. Sertaneja de jambo na pele, um terno verniz que irradia. Despertando muito olhar, tanto coração que a queria. Mas sempre se ouvia que toma juízo Maria.
Colocava flor no cabelo, vestido de chita vestia. Mas toda banhada de sol, no seu afazer de tanta correria, quase nenhum perfume se sentia. Mas era cheirosa a danada, de aroma que apetecia. E logo a má língua dizia que toma juízo Maria.
O que dela não sabia logo se inventava. E um monte de coisa se dizia a respeito de Maria. O que não tinha e o que não fazia. E ainda por cima a voz que sempre insistia com o toma juízo Maria.
A fofoca era tanta a respeito de Maria que um dizia ser homem que de mulher se travestia. Outro duvidava até que ela existia. E ainda outra repetia que toma juízo Maria.
Falava às suas costas, mas pela frente não dizia. A sua reação violenta todo mundo conhecia e por isso tanto medo da mulher que assim agia. Mas o que se fazia era dizer baixinho toma juízo Maria.
Maria subiu à montanha, coisa que nunca fazia, e lá se ajoelhou em silêncio na fé que seu peito sentia. Todo mundo estranhou assim que ela descia, pois na face um sorriso, no peito tanta alegria. Ainda assim alguém disse toma juízo Maria.
Depois disso ela sumiu, nem sombra dela existia. Todo mundo se perguntava onde estava Maria, pois tanta falta a danada já fazia. E na preocupação, o que mais se repetia era toma juízo Maria.
Um mês sem qualquer notícia, mas tudo mudou um dia. Na missa dominical eis que aparece Maria, quase irreconhecível no véu que seu rosto encobria. Na mão levava uma Bíblia para acompanhar a eucaristia. E de todo canto se ouvia que toma juízo Maria.
Desde muito tempo que ela já sabia do dizer se alastrando toma juízo Maria. E durante a santa missa resolveu acabar com toda aquela falastria. Pediu licença ao padre enquanto de tudo despia. Nua como veio ao mundo, causou aflição e agonia. Sem saber o que fazia, o vigário apenas disse toma juízo Maria.
Nua saiu da igreja e subiu num cavalo com pose e galhardia. Mas antes de sair cavalgando se virou pra quem assistia e gritou com ousadia: Já que tomaram o meu juízo sou a doida da Maria.
Dona Flosina à janela, que a tudo via e ouvia, deu-se a se benzer e gritar “Toma juízo Maria!”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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