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domingo, 31 de janeiro de 2010

NO REINO DO REI MENINO - IV

NO REINO DO REI MENINO – IV

Rangel Alves da Costa*


Os mais antigos gostam de afirmar que quando a brisa do tempo sopra por períodos demasiadamente longos e nada de novo parece surgir pelos ares, é sinal de que mudanças bruscas poderão acontecer a qualquer momento, seja na natureza, no estado normal das coisas ou na vida das pessoas.
No Reino de Oninem a situação não era diferente. Tudo estava tranqüilo demais, nenhum fato novo preocupante há muito que não surgia, os ventos que sopravam pareciam sempre de calma e tranqüilidade, ademais quando todo o reino ainda celebrava em regozijo, mesmo alguns meses depois, o nascimento do futuro herdeiro do reino.
Contudo, nas muitas vezes que se trancava na sua sala de ordens para refletir, meditar sobre a chegada e o desenvolvimento do filho, sobre sua própria vida e a situação do reino, o rei Lucius transmudava-se completamente. Aquilo que era o vigor em pessoa, a disposição e a alegria, cedia lugar a um homem triste e angustiado, tecendo mil idéias no pensamento e buscando respostas para o que somente ele sabia. Não eram raras as vezes que sentia um fio de lágrima escorrendo pelo rosto. O rei com sua íntima aflição.
Sua esposa, fazendo valer os pressentimentos que somente a mulher que ama sabe ter, percebia ocasionais mudanças no humor do soberano companheiro. Ela mesma sentia algo diferente lhe afligindo o espírito, como a dizer que precisaria urgentemente saber o que estava se passando no íntimo do rei. Relutou muito, porém numa noite de intenso temporal perguntou-lhe:
- Confesse-me, meu esposo, o que sentes que o deixa tão amargurado?
Sem saída, e talvez necessitando mesmo de desabafar junto a ela, se aproximou da janela e, de costas, começou a falar:
- Os campos que foram cultivados produziram muito menos do que esperávamos, e isso já vem ocorrendo há algum tempo, mais precisamente três anos. Não sei o que poderemos fazer mais tarde para alimentar toda essa população. Os cofres do reino há muito que não recebe moeda excedente, e o que tem vai se consumindo com as despesas. E também não sei até quando suportaremos tal situação. Nossos soldados reclamam da qualidade da alimentação e dos salários atrasados; do mesmo modo os comandantes, que além disso reclamam cada vez mais das armas ultrapassadas e da falta de treinamento dos seus homens. No exército está totalmente fragilizado, é o que insistem em dizer. Quanto a isso, também ainda não sei o que fazer. O povo, que é o que faz o reino existir, ainda não sabe de todos esses problemas, ainda nem imagina o que poderá lhes acontecer no futuro...
- E o que poderá acontecer, meu rei? – Indagou a esposa assustada.
- Como diz o ditado, daria um reino para saber o que acontecerá no futuro. Contudo, por enquanto é bom que tudo pareça normal, que os outros reinos nem imaginem que temos problemas, que o povo viva em paz e tranqüilidade, mesmo que isto possa ser passageiro. Quanto a nós, não se preocupe, pois o que mais penso é em reservar um grande futuro para o nosso filho. Todos nós estaremos a salvo, isso eu garanto. Afinal, dizem também que um rei nunca deve perder a majestade. Farei de tudo para reverter toda essa situação que ameaça a vida e a dignidade do reino.
Após esse diálogo tortuoso, silenciosamente deitaram e, mesmo de olhos fechados, certamente que não dormiram naquela noite. Os pensamentos tinham os mesmos efeitos da tempestade lá fora: inquietação e desordem.
Na manhã seguinte, enquanto se preparava para um encontro com auxiliares, o rei recebe a visita inesperada de seu ajudante-de-ordem, o sempre espirituoso e amigo Bernal, também chamado feiticeiro do bem, que entrou quase correndo na sala.
- Meu senhor, meu senhor, só o bom Deus sabe como isto chegou às minhas mãos, mas veja o que está escrito, tanto num lado como no outro.
Sem demora, e demonstrando espanto e muita curiosidade, o rei segurou a folha já amarrotada e desgastada de papel e leu as duas frases escritas. Primeiro, “Debaixo do sol, de norte a sul desse lugar, num reino fragilizado e com um rei amedrontado, surgirá um menino para salvar o rei, o reino e o seu povo”; e depois, “O rei nasceu, mas o reinado poderá morrer”.
O rei Lucius enrubesceu, estremeceu, seus olhos brilharam. Era um aviso, com certeza aquelas palavras eram um aviso, concluiu apressadamente. Mas por que, de quem partiu e como chegou ali? O rei precisava imediatamente obter a resposta para tais indagações.

continua...


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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