
SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
domingo, 7 de fevereiro de 2021
Entre jardins e retratos (Poesia)
Entre jardins e retratos
como um retrato
emolduradodo amor apenas
restouos inocentes
brilhos no olharsorrisos que não
conheciam a dorcores
envelhecidas buscando luz como um amor
agora desamadoagora apenas um
jardim sem floresum retrato que
tristemente envelhecepoemas esquecidos
dentro de cadernossilêncios que
clamam por saber por que?por que? Rangel Alves da
Costa
Palavra Solta - a menina do beco
*Rangel Alves da Costa
Sempre ouvia que tivesse muito cuidado com aquele beco. Era muito estreito, era muito escuro, era perigoso demais. E também sempre ouvia que seus pais somente moravam ali por não ter outro lugar pra servir como moradia. A menina morava ali, naquele beco. Ao saírem, seus pais pediam por tudo que ela não abrisse a porta nem a janela, que não atendesse se alguém chegasse batendo, e que nem pensasse em sair sozinha por aquele perigoso labirinto. Mas a menina, pela idade ou por curiosidade, aos poucos foi desobedecendo. Abria janela, abria a porta, metia a cabeça do lado de fora e ficava olhando se algo estranho acontecia. Mas certa feita olhou para um dos cantos do beco e imaginou estar vendo olhos mirando em sua direção. Noutra feita, percebeu que mãos acenavam chamando. Depois achava, porém, que era só imaginação sua. E de repente passou a avistar mais olhos, mais mãos acenando, e também vozes chamando seu nome. Tinha apenas treze anos. Aqueles olhos, aquelas mãos e aquelas vozes, no passo seguinte já estavam lhe oferecendo drogas. E aos poucos ela foi aceitando. Não durou muito e passou a ser abusada sexualmente. E ela foi deixando. Os pais chegavam da luta e não encontravam mais ela em casa. Quando muito, era avistada pelas sombras do beco. E não quis mais voltar ao lar. E foi seguindo de beco em beco, de escuridão em escuridão, até desaparecer nos caminhos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021
DAS VIOLÊNCIAS DO CANGAÇO - UMA CRIANÇA NA MIRA DE AZULÃO
*Rangel Alves da Costa
Na chacina
comandada pelo cangaceiro Gato, tendo ao lado Suspeita, Azulão, Medalha e
Cajueiro, sete sertanejos foram mortos (Antônio Monteiro, o menino Galdino,
Alfredo, Clemente, Doroteu, Zé Bonitinho e João de Clemente) na perversa e
sangrenta investida. Mataram dois, depois mais três e mais dois, numa
aterrorizante sequência de derramamento de sangue inocente.
Sim, pois
todos que foram mortos eram completamente inocentes, nada tinham a ver com a ira
de Lampião pelo sumiço de selas e arreios que haviam sido enterradas na região
do Couro (na divisa de Poço Redondo com a baiana Serra Negra) e foram encontradas
por Temístocles de Mané José, e depois levadas para a delegacia de Serra Negra
e entregues ao delegado João Batista, irmão do coronel João Maria e do
comandante de volante Liberato de Carvalho.
Mas foram
inocentes sertanejos, moradores de fazendas pelos arredores, que sofreram,
foram torturados e sete acabaram perdendo a vida pela fúria insana de Gato.
Ora, que se imagine um perverso e frio cangaceiro recebendo ordens de Lampião
para matar. Só que as ordens recebidas visavam outros sertanejos, e não os que
foram mortos. Como não encontrou aqueles que deveriam ser executados, então a
cangaceirama comandada foi fria e cruelmente matando quem encontrou pela
frente.

E por
pouco Odilon, com apenas seis meses de vida, não entrou para a terrível
estatística. Não teve a mesma sorte o menino Galdino, que contava com apenas
sete anos quando foi morto. Talvez tivesse sido os sorrisos e os gestuais tão
próprios das crianças que livram da morte Odilon.
Quando os
cangaceiros chegaram à casa de seu avô Antônio Monteiro, sua avó e sua mãe logo
foram amarradas. Monteiro, o patriarca, seria levado como troféu. Dona Maria,
avó de Odilon, foi amarrada sentada ao chão e presa junto à madeira da cama. Já
sua filha Olímpia, mãe da criancinha, foi amarrada, e por apenas um braço, no
cadilho da rede onde seu filho estava deitado.
Em recente
conversa com Odilon, o mesmo confessou que depois ouviu dizer ter sido salvo
pelo milagre que protege toda criança, pois uma arma chegou a ser apontada em
sua direção. Deitada na rede, sorrindo, esperneando, gesticulando feliz como
toda criança faz, Odilon nem de longe imaginava a tragédia ao redor nem o
significado daquelas feras humanas olhando em sua direção.
Mas quando Azulão apontou em sua direção, antes de apertar o gatilho outro cangaceiro apressou-se a dizer que se matassem uma criança daquela nunca mais seriam nada, o pior destino estaria logo adiante. Então Azulão retrocedeu e a cangaceirama saiu da moradia levando amarrado Monteiro, o avô da criança. E para logo ser morto.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Feliz (Poesia)
Feliz
o amor em sinão tem culpade minha tristezaminha solidãoele me quer
amandoe fazer feliz o
coração por isso feliz eu
souno amor o amor se
resguardapara amar de
verdademesmo sofrendomesmo desalentadomas sabe que um
diaenfim será amado por isso eu soufeliz no amor. Rangel Alves da Costa
Palavra Solta - do visgo da terra
*Rangel Alves da Costa
Não sou nada além que um sonhador, passarinho avoador, contador de histórias do que passou. Minha sabedoria é de barro, da lama do tanque, do visgo da terra, como moringa e pote que Dona Benvinda moldou. Pele de croatá, cabelos de raspa de umburana, buscando ninho como faz Fogo-Pagô. Nas mãos o couro forjado por Brasilino, no vestir o que Zé de Bela costurou, no coração um sino de igreja que Seu Galego Ferreiro inventou, benzido e protegido no ramo que Dona Zefa passou. Avoante Quero-Quero, Tem-Tem que desencantou, passaredo passarinho que do sertão não arribou. Assim que sou, como sou. Um filho da terra crua, debaixo do sol e da lua, como Dona Peta gestou e Seu Alcino ensinou...