SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
terça-feira, 18 de janeiro de 2022
Colheita (Poesia)
Colheita
Este sombreado de
agorafoi da semente
que plantei um dia esta fruta madura
e gostosaé da árvore que
plantei um dia os pássaros
chegam cantandonas folhagens que
plantei um dia de uma semente
que vingoua imensidão que
acalanta o meu dia também plantei
sonhos e esperançase tudo floresceu
em paz em felicidade e é o que colho
ao amanhecerno pomar de cada
dia. Rangel Alves da
Costa
Palavra Solta – Cajueiro
*Rangel Alves da Costa
O frondoso cajueiro não existe mais, mas o arruado Cajueiro persistiu homenageando seu nome. Suas ribeiras altas, descendo em direção ao Velho Chico, acabam molhadas pelas águas serenas e azuladas, qual verdadeira piscina num leito que escorre de muito distante. Por toda a margem ribeirinha de Poço Redondo, certamente que Cajueiro possui o melhor banho, ainda que seu espaço não seja grande como o de Curralinho, por exemplo. Os bares são muitos, as comidas também, mas sempre o peixe sobressaindo. Do outro lado, avista-se Entremontes, povoado pertencente a Piranhas, nas Alagoas. Mas Cajueiro permanece viva pela força atrativa do rio, principalmente por suas águas convidativas. A povoação em si, em suas poucas ruas, já não mais abriga a largueza familiar de antigamente. Muitos moradores se bandearam para a cidade, para os assentamentos ou outros destinos. Grande parte das casas foi comprada por turistas, e estas transformadas em suntuosos aconchegos de fim de semana. Apenas umas poucas famílias e pessoas ali enraizadas permaneceram bebendo da seiva das memórias tantas. Lugar de grandeza histórica, de renomadas famílias sertanejas e ribeirinhas, de grandes coiteiros nos tempos cangaceiros (principalmente os da família Félix), de políticos e desbravadores do mundo. Mais adiante, nas entranhas de suas serras, fica a famosa Gruta do Angico, local onde o cangaço foi enterrado em 38. E no casarão abandonado do coiteiro Adauto Félix, sobressaindo-se em relegada beleza numa parte mais elevada do povoado, até hoje acontece coisas de arrepiar. Segundo dizem, de vez em quando as sombras de Lampião são avistadas por ali.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
segunda-feira, 17 de janeiro de 2022
ENTRE FLORES E ESPINHOS: SERTANEJO MUNDO
*Rangel Alves da Costa
Sertão é
mundo diferente. Não é todo mundo que suportaria ser sertanejo não. Precisaria
ser de pedra, de grão, de todo de pau, de espinho de xiquexique, de destemor.
Sertanejo
como terra seca, dura, petrificada. Sertanejo feito gente e bicho, feito
sorriso e tristeza numa só feição. Nem tudo mundo suportaria isso não. De sol e
de chuva, de morte e de vida.
Quanto
sofre o sertanejo! Muito já ouvi falar. E sofre mesmo, e muito mesmo. Só Deus
sabe o que esse povo - que é o meu povo - padece na sobrevivência do seu meio.
O homem da
cidade não entende nem o tiquinho do que realmente passa o homem das distâncias
matutas. Quando a seca vem braba, faminta, esturricando tudo, então tudo
desanda num desalento danado.
E não é
sofrimento pela terra seca, mas por toda a sequidão que passa a existir. O
corpo em magreza, o menino faminto, o bicho berrando, o entrar dia e sair dia
sem que nada chega como alento.
Mas então
as esperanças surgem como verdadeiro milagre ou como forma de suportar as dores
da vida. Quando o sertanejo se apega à fé, à prece, à promessa, à oração,
enfim, à certeza que o amanhã será melhor, então tudo muda.
E tudo
muda por que a fé se torna como um remédio contra os males que tanto afligem. E
na fé a esperança. Daí que muito se diz que tudo
Pelos
campos desalentados sertões adentro, nenhuma demora das chuvas consegue afastar
as esperanças.
O olhar do
sertanejo é um rosário tomado de esperanças. As mãos do sertanejo é um oratório
de esperançoso céu.
A chuva
não veio ainda, mas chegará no tempo certo. Assim diz o sertanejo. Tudo no
tempo de Deus. Assim confirma outro sertanejo.
Mas antes
que as chuvas cheguem, os campos áridos já espelham o quanto brota de
esperanças. Tudo seco ao redor, mas a catingueira floresce bela.
A flor da
catingueira, como um brinco dourado descendo rente a face magra da plante,
demonstra o quanto de esperança viva nasce e renasce a cada instante.
Pelas
estradas, enquanto os marrons e acinzentados entristecem ainda mais a murcheza
do mato, então surge o alaranjado-avermelhado da flor e do fruto da jurubeba.
Um encanto
aos olhos, mas também a certeza de que a seiva da esperança continua viva em
cada pedaço de chão, cada tufo de mato, em cada planta que entristece por falta
d’água.
Assim
também nas flores e nos frutos das cactáceas sertanejas. A palma definhando,
secando, morrendo na fornalha do sol, mas de repente avista-se uma vida
florando sobre seus espinhos.
O
mandacaru, o facheiro, o xiquexique, tudo comprova o quanto de vida vive quando
já se acredita que tudo já esteja sem vida.
As flores
surgem, as pétalas se abrem, os frutos tomam forma e cor, os bagos se adocicam,
as polpas se avolumam, as cores espantam entre os acinzentados ao redor.
A vida
sertaneja floresce assim. A vida sertaneja floresce nas esperanças tantas e que
nunca murcham completamente nas plantas e no homem.
A planta
floresce e frutifica pela invisível gota d’água do tempo. Aquele mesmo tempo de
Deus. O homem floresce e frutifica pela fé incontida no seu coração.
A fé santa
brotada de Deus. E pela prece, pela promessa, pela oração. Até que o olhar,
logo ao abrir a porta ao alvorecer, diga que vai chover.
E os
braços, como aqueles braços sempre abertos do mandacaru em direção aos céus, se
elevem para os sagrados agradecimentos e para receber chuva boa.
Uma
esperança nunca perdida. Nada teve fim, nada morreu perante o sertanejo. A fé
sertaneja sempre resguarda a esperança de que amanhã será bem melhor.
E talvez seja por isso mesmo, pela fé incontida que brota em esperança, que a vida sofrida é suportada. E que o sofrimento seja diminuído pelo remédio sagrado da fé.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Tudo (Poesia)
Tudo
Da fresta do
telhadoavisto a lua e o
céu estrelado o barco desce da
cumeeirae o mar escorre
em minha esteira não tenho cama
nem colchãomas uma nuvem
rente ao chão deito e adormeço
assimentre flores de
um jardim que me fazem
sonhar e vivertanta riqueza em
pouco ter. Rangel Alves da
Costa
Palavra Solta – canção molhada de amor
*Rangel Alves da Costa
Eu era ribeirinho, mesmo não tendo nascido nas beiradas do rio. Mas na minha veia escorria todo azul molhado das águas do Velho Chico. Eu era beiradeiro, mesmo não tendo vindo ao mundo junto ao leito remansoso das curvas do São Francisco. Mas minha geografia espiritual, entre serras e montes de minhas crenças, sentia o rio escorrendo por entre os rochedos da fé e as paredes úmidas da devoção. Eu era canoeiro, mesmo jamais tendo possuído um barco de vela ou canoa de fundo raso. Mas meu olhar se lançava nas águas e seguia remando até lançar a rede ou a tarrafa perante os cardumes de sóis ao entardecer. Eu era pescador, mesmo jamais tendo fisgado uma piaba ou peixinho qualquer. Mas meu anzol adentrava com tal firmeza em meio às águas que muitas vezes o rio inteiro era trazido na palma da mão. Eu era nego d’água, eu era carranca, eu era o desconhecido entre as panelas e pedras do Velho Chico. Eu era o encantamento e o misterioso, era a proteção e o afastar dos temores. Eu era a margem e o porto, o cais e o buquê de saudades nas mãos de quem tanto esperava. Eu era o lenço e o abraço, a lágrima caindo e o amor devotado. Eu era o rio. Eu era o Velho Chico. Eu era o rio. Mas como o amor não acabou, ainda sou o rio...