*Rangel Alves da Costa
Diferentemente das folhas mortas do outono,
que num sopro são levadas pela ventania, outras folhas existem que se
perpetuam. Ou quase.
Folhas de papel, páginas de papel, escritos
num papel. Ainda que não sejam para a eternidade, muito do que se rabisca ou se
escreve acaba permanecendo muito além daquele que escreveu.
Velhos álbuns guardados em baús, gavetas e
escurecidos empoeirados. Cadernos amarelados de tempo, livretos colados pela
importância das palavras ali escritas.
Mãos frágeis e trêmulas que insistem em
cuidadosamente rabiscar entre linhas. O aperto é tamanho no coração que os
escritos parecem dispersos em si mesmos.
O que dizer de uma saudade, de um amor
partido, de uma paixão desfeita, de um coração dilacerado? Talvez não haja
palavra que traduza o verdadeiro sentimento.
Letras que de repente parecem fugir do papel
ou que tomaram vida e forma sem mais atender aos desejos de quem as escreveu.
Ora, parecem soltas, desconexas, nuas, espantadas, querendo gritar de dor.
Em muitos papéis os corações desenhados. As
nuvens pintadas em azul e ao lado alguns pequenos dizeres de eu te amo, te amo,
te amo... E mais abaixo uma lágrima derramada por algum motivo.
Tanta folha molhada que nem o tempo consegue
enxugar a enxurrada de lágrimas. As águas já não estão escorrendo, mas basta
observar os embaçamentos para se ter a certeza de que oceanos por ali se
derramaram.
Numa folha de carta, escrita ao modo antigo,
onde os cumprimentos antecedem as agonias, as saudades e as aflições, pelos
cantos ainda os lábios avermelhados carimbados em batom. A nitidez dos lábios
mostra a juventude daquela boca.
“Meu amor, não consigo mais viver assim tão
distante de você. Não há um só minuto que o meu pensamento não esteja voando
nas alturas em busca de quem tanto amo. Acordo e anoiteço com um só pensamento,
e só penso em você...”.
“Minha vida, sofro demais pela sua ausência.
Eu queria entrar nessa cartinha para chegar bem juntinho a você e beijar sua
boca. Tenho sofrido muito desde sua partida e de tanto chorar já não sou mais a
mesma. Agora sou um rio de sofrimento...”.
“Zezinho, sou eu, sua Zefinha. Você está bem,
meu amor? Como você está, me diga? Eu não estou bem não. Não há como ter
qualquer contentamento se você não está aqui ao meu lado, bem pertinho de
mim...”.
Muitas vezes, são em folhas assim, de cartas
antigas, que se percebem as feições do amor do passado, o seu jeito próprio de
se expressar e toda a singeleza de quem as escrevia. São cartas perdidas no
tempo, já desgastadas na idade, mas que dizem muito de um romantismo que não
existe mais.
Já não existem cartinhas, já não existem
carteiros chegando e gritando pelo nome da mocinha chorosa à janela. Já não
existem os diários de amor nem as cartas apaixonadas. Os velhos álbuns restam
esquecidos pelos cantos mofados.
Somente pelos acasos, tais folhas perdidas
chegam aos olhares de agora. E nelas poemas tão bonitos que se imagina copiados
de um grande poeta. Mas não, apenas reflexos de um sentimentalismo que valoriza
a essência da alma, do amor, da verdade do coração.
Lá fora as folhas de outono voam sem direção.
Acaso as janelas estivessem abertas, talvez algum pássaro antigo levantasse voo
e de suas asas deixasse cair cartas, poemas, escritos antigos.
Talvez um coração amorosamente sofrido e
flechado caísse ao chão. E por cima uma lágrima desenhada em azul.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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