*Rangel Alves da Costa
As novas discussões, suposições e
invencionices, que surgem a cada dia, servem apenas para demonstrar o quanto
impossível é contextualizá-lo de forma progressiva, através das ocorrências.
Surgem tantos absurdos, mentiras e conversas sem pé nem cabeça, que o
despreparado no tema logo entrará num turbilhão de descrenças.
Mas algumas verdades podem ser ditas sobre o
Cangaço. Alguns contextos podem ser visualizados no Cangaço que jamais poderão
ser negados, vez que extraídos não dos acontecimentos em si, mas do todo que
serviu de base à sua existência. Então vejamos.
O Cangaço
não é página histórica bonita nem feia, é testemunho do passado que precisa ser
estudado e compreendido. O Cangaço não está numa balança para saber se pende
mais para o lado do heroísmo ou do mero banditismo, pois seu peso está no
contexto histórico, e não na conveniência da opinião de cada um.
O Cangaço
não é filme imaginário, de cenas mirabolantes, encenações grandiosas nem de
cenários ilusórios, mas uma realidade tão viva, apavorante e perigosa, que cada
personagem de sua história temia o que poderia acontecer no passo seguinte. O
Cangaço existiu dentro de uma teia de covardias, de mentiras e traições, mas
principalmente num contexto de valentes, destemidos e desassombrados.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkjfC8k9I74DuuAn-tvBOenP9LTcVf1Rtw4d1My9OYXGJHN5mj5VOg0Vxaj59Ub0W7y5OFLd7CbswDw1H_umjQk-da7ZxGuFN8R2JetALeyXm-Xp7mcKRhdIDd5BsML7rpKKuvpqeMBrnZ/w400-h236/download.jpg)
O Cangaço
não existiu somente no mato, em meio aos catingueirais, coitos e veredas
espinhentas, mas também nos palácios, nos centros de poder, nos casarões
coronelistas, pois chamou para si a atenção de todos e, de certa forma, alargou
o conceito de coiteiros poderosos.
O Cangaço
teve em muitos sua força de existência. Não apenas o cangaceiro sustentou no
ombro o peso da vida tão dura e de sacrifícios. O sertanejo comum, aquele
mateiro ou lavrador, logo denominado coiteiro, também suportou dores e aflições
em nome daqueles foragidos das matas. Muitas vezes, o pobre sertanejo era
torturado para dizer o que não sabia sobre o paradeiro do bando.
O Cangaço
se sustentou no medo, no temor, na violência, no sangue derramado. Mas o rastro
de sangue deixado vinha de uma vítima maior: o sertão. Foi o sertão quem mais
sofreu com a existência do cangaço e das volantes, com os embates e as
perseguições, com as caçadas e as estadias. Não havia nem sossego nem paz. O
Cangaço amedrontava, mas a volante aterrorizava.
O Cangaço,
e há de se reconhecer, foi forte demais para existir e resistir por tanto
tempo. Mas houve um tempo de luta justificada contra a opressão, outro tempo de
confrontos e lutas renhidas em nome da sobrevivência, e ainda outro tempo onde
nada mais se justificava, a não ser a busca de se defender. Não havia mais
bandeira de luta nem nada que justificasse a permanência no sacrifício.
O Cangaço
não existiu nem sobreviveu por tanto tempo com suas próprias forças, pois
dependeu de gente muito poderosa para alimentar seu império de luta. O Cangaço
nasceu como centro de arregimentação de renegados, perseguidos e bandidos
comuns, para depois se transformar no Cangaço de Lampião: um escudo contra as
injustiças e opressões, mas para depois transmudar em mero confronto às forças
estatais de perseguição.
O Cangaço
de Lampião representou uma oposição ao status
quo da política, dos poderes e dos latifúndios, ainda que para sobreviver
dependesse de muito daquilo que dizia combater. O Cangaço pode ser visto como
um partido político, cujo comandante buscava atrair opositores pela força,
tecia alianças para garantir sobrevida, impunha terror aos desafetos, porém sem
perspectiva de vitória alguma.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgty7ILbU5MhrLO1kdzABN2J9QNFvP0GB__LzcR4CpYvsOG0gFt3ckbpmDk_upgCuh2565emQUTmTc9qZE1fuWizA_O3JNI86px5KR9iRmfDJgHArn3pgVSGHIR-4uVBnDhk0P02myhhU2_/w400-h225/lampiao_e_maria_bonita_capa_widexl.jpeg)
Qual vitória
poderia obter o Cangaço? Continuar apenas existindo, mesmo já reconhecendo suas
fragilidades, seus desânimos à luta, sua sangria por dentro. O Cangaço já não
estava tão vivo quando morreu. Seus sopros de vida já estavam esvaídos. A
continuidade da luta era muito mais por teimosia do que pela valia de alguma
coisa.
Os que
continuavam na luta já estavam sendo sacrificados demais e talvez esperando
somente a tão esperada decisão de Lampião: depor as armas, fugir ou se
entregar. Se não fosse o episódio cinematográfico da Chacina de Angico, talvez
o Cangaço nem tivesse alcançado tamanha repercussão histórica.
Mas a chacina daqueles onze na trágica manhã de julho de 38, antecipando um fim que já tão próximo, acabou colocando nos epitáfios o que ainda sustenta a história: O Cangaço não morreu!
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