SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Lá no meu sertão...



JOÃO MARCOS... Que bela idade a tua, que menino maravilhoso tu és. Encontro-te e abraço como se diante de um velho amigo estivesse, pois és carinhoso e uma doçura humana. Hoje, neste feliz dia de aniversário, eu não poderia deixar de dizê-lo: “Parabéns, meu menino, meu amigo, aquele que sempre vai onde estou, estende a mão com gesto afetuoso e sempre sorri perante minha presença. Que Deus ilumine teus passos, que ilumine tua estrada e te faça sonhar sonhos grandes e ter grandes conquistas a cada percurso de vida”.




Sem disfarce (Poesia)



Sem disfarce


Quero vinho não
não quero uísque
quero nada não

guarde seu veneno
sua taça de fel
não vou beber não

mesmo a saudade
não vai ser destruída
por qualquer ilusão

vou lembrar de você
como minha que era
como minha paixão.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - a fome atrás da porta



*Rangel Alves da Costa


Eu conheço uma comunidade interiorana que vive na mais absoluta miséria. Miséria mesmo, pois falta de tudo: farinha de milho, arroz, farinha, feijão, açúcar, ovos, pão, café... e muito mais. Não que nunca tenha, mas o que tem é muito pouco ou dá pra quase nada, talvez dois dias, no máximo. Famílias inteiras que vivem a dor e o sofrimento detrás da porta quase sempre fechada do barraco, da casinhola, da moradia. Passando pela rua, um monte de casas avizinhadas uma da outra. Quase todas de portas fechadas. Uma criança de pés no chão brincando ali e acolá, uma pessoa que abre ligeiramente a porta pra avistar o mundo, um cachorro que late, um gato magro que passa correndo. Passar e avistar as moradias não quer dizer muita coisa, pois normal que casas fiquem com suas portas fechadas. Contudo, o que dói é saber a realidade que há por detrás de cada porta. Meninos famintos, meninos chorando, panelas vazias, lágrimas e desalentos. O adulto ainda suporta a fome, ainda espera algo que possa chegar. O difícil é um pai ou uma mãe de família abrir a boca para dizer que não há nada que possa matar a fome do filho. A criança não compreende a penúria, a carência, a miséria, apenas quer um pedaço de pão. Mas o doloroso mesmo é um pai ou uma mãe de família abrir a boca para dizer que não há nada que possa matar a fome do filho.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

domingo, 1 de dezembro de 2019

BACAMARTES E ESTAMPIDOS



*Rangel Alves da Costa


“Faça o negócio bem feito. Num quero saber que ficou nem um tiquinho de veneno naquela jararaca. Deixe o coisa ruim estirado pra comida de urubu. E vá logo. Vou cuspir e antes do cuspe secar quero que me chegue com a notícia”. Sentença dada pelo coronel Queró da Biribeira. Sentença dada, a pena seria a morte do coronel desafeto, inimigo escolhido para não mais viver.
Tocaia feita. A mata silenciava amedrontada, talvez tremesse ante a presença do jagunço escondido por dentro do tudo de mato. Cigarro de palha descendo num canto da boca, saliva de cachaça e olhos cegos de brutalidade, ou de covardia. Chapéu seboso descendo na testa, já na altura dos olhos, uma sisudez de velório. Na mão arma faminta e sedenta de sangue. Com a arma levantada, fazia mira pra curva da estrada. Por ali o coronel Jerome Limoeiro logo passaria.
Arma em mira. Dedo no gatilho e ávido por açoitar. Aquela mão e aqueles dedos já haviam derrubado mais de vinte, ou mais. Matar mais um tanto fazia. Jagunço cujo único serviço na vida era servir à maldade, ceifando vidas a mando do coronelismo. E certamente não pensaria duas vezes pra matar seu atual patrão, o coronel Queró, bastando que se bandeasse pro outro lado e sua morte fosse igualmente encomendada. Basta matar, e pronto. Assim os dias nas entranhas do impiedoso sertão.
Ouviu o barulhar das patas de um cavalo. O coronel chegava, o tiro seria certeiro, a morte certa. Apertou o olho para divisar melhor, aprumou o bacamarte na exta direção, e esperou só um instante. Assim que divisou o cavaleiro, disse a si mesmo: É agora! Esperou o cavalo se aproximar mais, passar bem em frente aonde se mantinha escondido, para o tiro ser mais certeiro, a morte e o baque do corpo caindo ao chão. O cavalo foi se aproximando, mais e mais, mas quando já quase na sua mira, o jagunço quase grita de espanto.
Ouviu um tiro e viu o coronel, aquele mesmo que seria sua vítima, soltando um urro medonho e tombando do cavalo, já acertado por um disparo. Sem acreditar no que via, até espantado com o acontecido, o jagunço não entendia o que tinha acontecido. O disparo não havia sido feito por ele, aquele tiro não havia saído de sua arma, como poderia ter acontecido aquilo? Indagou dentro de si. Mas do outro lado viu quando um tufo de mato se mexeu e as sombras de alguém fugindo em disparada. Então compreendeu: outro jagunço já havia se adiantado e matado o coronel Jerome.
Mas quem havia mandado matar o homem, foi que também se perguntou. Mas nem precisava saber. Nada disso adiantava saber. Naqueles sertões a vida valia nada mais que uma bala, que uma munição, que um apertar gatilho, que uma mira e um açoite de bala. Naqueles sertões, a vida e a morte viviam traiçoeiramente de braços dados. Naquele mesma estrada, e coisa que não era de muita distância, nada mais dez pessoas já haviam sido vítimas de tocaias, emboscadas, de morte medonha. E tudo a mando. Coronel mandando matar coronel, coronel mandando derrubar qualquer que se fizesse mal visto.
Um mundo de bacamartes e estampidos, de espingardas e balas de fogo, de clavinote e chumbos vorazes, de jagunços sanguinários e feições embrutecidas pelo ódio. As folhagens sendo cortadas pelo açoite das balas, os troncos marcados pelos chumbos perdidos, um eterno fumaceiro pela cuspida de fogo dos canos das armas. Estradas marcadas pelo sangue jorrado, chão endurecido pelo sangue repisado. Cruzes, marcas de medo, epitáfios sem nada a dizer, apenas que morreu de morte matada, de tocaia, de emboscada.
No breve instante do silenciar dos bacamartes, os ecos fantasmagóricos dos estampidos. Nos horizontes, a festa das carnicentas, das agourentas, dos bicos querendo sugar a vermelhidão da morte. Terra de homens, de homens valentes. Mas também de covardes, de assassinos, de carcarás e urubus.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


No sertão de meu Deus...



Hoje não tem flor (Poesia)



Hoje não tem flor


Hoje não tem flor
o jardim não amanheceu
a pétala não desabrochou
o jardineiro não veio
o beija-flor não beijou
hoje não teve flor

ela é só saudade
e no jardim não tem flor
e ela não volta mais
nunca mais nenhuma flor.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – portas fechadas



*Rangel Alves da Costa


O sertão é belo e tão triste. Pelos seus caminhos não é difícil avistar casinholas, casebres de barro e cipó e mesmo residências mais portentosas, mas sempre com aquele aspecto sertanejo tão peculiar às suas vastidões ressequidas: casas que sempre parecem tristes, solitárias, fechadas pelas ausências, esquecidas num mundo de esquecimentos e desolações. Nem sempre assim, mas geralmente encontros que mais parecem em meio ao deserto e ao abandonado. Verdade que os sertanejos costumam manter suas portas fechadas em todos os instantes do dia. Somente ao entardecer, quando uma cadeira é colocada diante da porta ou quando o dono da casa se assenta num tamborete para ouvir seu radinho de pilha é que surgem sinais de vida, de presença daqueles moradores. Ao invés da porta da frente, é a porta dos fundos, que dá para o quintal ou cercados, que é utilizada como entrada e saída. Quanto muito, apenas um bicho de cria arreliando de canta a outro. Pelos sertões o que se encontra, assim, são casas tristes, de feições abandonadas, de portas fechadas, de malhadas solitárias, num quase sem vida. Muito se avista assim. E também dá uma tristeza dana avistar assim.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com