SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
segunda-feira, 17 de janeiro de 2022
Tudo (Poesia)
Tudo
Da fresta do
telhadoavisto a lua e o
céu estrelado o barco desce da
cumeeirae o mar escorre
em minha esteira não tenho cama
nem colchãomas uma nuvem
rente ao chão deito e adormeço
assimentre flores de
um jardim que me fazem
sonhar e vivertanta riqueza em
pouco ter. Rangel Alves da
Costa
Palavra Solta – canção molhada de amor
*Rangel Alves da Costa
Eu era ribeirinho, mesmo não tendo nascido nas beiradas do rio. Mas na minha veia escorria todo azul molhado das águas do Velho Chico. Eu era beiradeiro, mesmo não tendo vindo ao mundo junto ao leito remansoso das curvas do São Francisco. Mas minha geografia espiritual, entre serras e montes de minhas crenças, sentia o rio escorrendo por entre os rochedos da fé e as paredes úmidas da devoção. Eu era canoeiro, mesmo jamais tendo possuído um barco de vela ou canoa de fundo raso. Mas meu olhar se lançava nas águas e seguia remando até lançar a rede ou a tarrafa perante os cardumes de sóis ao entardecer. Eu era pescador, mesmo jamais tendo fisgado uma piaba ou peixinho qualquer. Mas meu anzol adentrava com tal firmeza em meio às águas que muitas vezes o rio inteiro era trazido na palma da mão. Eu era nego d’água, eu era carranca, eu era o desconhecido entre as panelas e pedras do Velho Chico. Eu era o encantamento e o misterioso, era a proteção e o afastar dos temores. Eu era a margem e o porto, o cais e o buquê de saudades nas mãos de quem tanto esperava. Eu era o lenço e o abraço, a lágrima caindo e o amor devotado. Eu era o rio. Eu era o Velho Chico. Eu era o rio. Mas como o amor não acabou, ainda sou o rio...
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
domingo, 3 de outubro de 2021
ÚLTIMAS NOTÍCIAS NA TERRA BRASILIS
*Rangel Alves da
Costa
Mesmo que
poucos percebam, o mundo segue em cega obediência aos preceitos do Eclesiastes,
o livro bíblico onde se tem que depois da chuva vem o sol, depois da tristeza
vem o sorriso, e por aí vai.
Está claro
em Eclesiastes que a inversão das coisas, dos fenômenos e das realidades, é
inevitável. Nada permanece da mesma forma além do tempo permitido. Por isso que
a noite chega após o dia, a morte chega após a vida.
Ao menos
se espera que assim seja. Contudo, inegável que a vida, o mundo, a existência,
parece se demorando demais no oposto negativo do livro bíblico referido, vez
que entra dia e sai dia e as angústias tomando o lugar das possíveis
felicidades.
Como uma
estação que inevitavelmente chega, já era tempo de os horizontes da vida humana
estarem abertos para a esperança, para o conforto da alma, até para o sorriso.
Mas não, pois as notícias que surgem são sempre de desalentos e incertezas.
A
realidade brasileira atual é exemplificação maior disso. Parece que a
felicidade do povo (ao menos da maior parcela da população) deixou de existir,
sumiu de vez. E o mais agravante é que a desesperadora situação, ao invés de se
reverter em dias melhores, vai sendo acrescida de mais tormentos.
Fila para
implorar ossos, famintos recolhendo restos nos lixos da burguesia, infinitas
mãos estendidas pelas calçadas, a miséria absoluta onde antes havia café e pão.
Remédio caro, a conta da energia chegando com valores absurdos, gás de cozinha
e gasolina com preços difíceis de serem suportados.
Manchetes
diárias dando conta das rachadinhas, das corrupções, dos abusos de poder, do balcão
de negócios comandados pela primeira-dama, das atitudes tirânicas e animalescas
do presidente, das milícias comandadas através do poder político, dos
inquéritos enlameados e dos defensores do indefensável.

Desemprego,
miséria e fome. Eis a realidade de um país cujo crescimento se resume exatamente
em desemprego, miséria e fome. Desenvolveu a carência, o negacionismo da vida
humana, a humilhação e a sordidez, mas a esperança não. O amanhã é apenas uma
consequência do nada do ontem e do hoje.
Nada de
pessimismo. Na verdade não cabe pessimismo, mas apenas refletir a realidade.
Alguns certamente dirão que está tudo bem, às mil maravilhas, que nunca se viu
tanto crescimento como no momento atual. Um discurso típico de política mentirosa.
Somente a beleza do tapete é visível, pois o que se esconde logo abaixo é de
enojar.
Em tais
aspectos, o Eclesiastes está demorando demais a surtir efeito na terra
brasilis. Ora, onde se proclamava o fim da miséria, agora se avista a miséria
absoluta, a pobreza desenfreada, as mortes por falta de pão. Fogões de lenha
para panelas vazias, mão estendida esperando que outro pobre venha em socorro.
O Brasil
nunca passou por situação tão desesperadora. Desse modo, tem-se como ilusório,
fantasioso e mentiroso, todo argumento afirmando que o país está em franca recuperação
econômica. Onde mesmo? A carestia pontua por todo lugar, a cada novo dia um
novo preço para o mesmo produto. Até quando?
Daí que
não são nada animadoras as últimas notícias na terra brasilis. Neste desvão de
vida, o que restar de vida daqui em diante já se terá como sorte grande. E como
dito, o pior é que não se vê nenhuma esperança de melhoria.
Para
exemplificar, o presidente exonerou o anterior presidente da Petrobras sob a
alegação de que não aceitava as políticas praticadas no aumento dos preços dos
combustíveis. Colocou outro, mas tudo continuou do mesmo jeito, com aumentos
quase diários.
Então o
presidente disse que não pode fazer mais nada quanto a isso, quanto a evitar os
aumentos. Quer dizer, deixou a população ao deus dará. Como entregue às
baratas, ou à manipulação dos mercados, todos os setores do País. E, conforme o
presidente, nada poderá ser feito para mudar tal situação.
Escritor
Mulher de barro (Poesia)
Mulher de barro
Em minha solidãofui juntando barroe fiz uma mulherpara ser só minha um amor de visgoum corpo morenoum beijo grudentona mulher de barro na argila do tempofui apaixonandoe bebo da moringae me sacio do pote da mulher de barro. Rangel Alves da
Costa
Palavra Solta – filho das águas
*Rangel Alves da Costa
Há um silêncio estranho nele. Quase sem palavra, seus olhos passeiam desde a curva do rio aos caminhos molhados de mais adiante. Avista os montes e as serras, as casas do outro lado e os bichos que passeiam nas margens. Parece morar ali, no rio, na beira do rio. Sua casa parece ser o seu barco. E é. Sua moradia parece ser também o rio. E é. Do rio-casa tudo conhece. Transborda de contentamento com as águas muitas, com as enchentes. Entristece e quase definha quando sua casa-rio parece também definhar, numa magrez de causar dó e sofrimento. Não usa carranca na sua proa. Não precisa. As estranhezas do rio não assustam mais. Tornou-se amigo do Nego-d’água, da pedra que fala e da correnteza que assovia. Não é de muita leitura, mas todo dia lê um imenso livro. Quando não tem nenhum visitante que queira fazer um passeio pelos arredores, então abre o seu imenso e vai folheando cada escrito de vida. Seu livro é o rio, o Livro do Rio, sua grande leitura é feita no Livro das Águas, mas estranhamente encontra o mesmo escrito a cada página que vai passando: “Sou o Francisco, sou o Rio. Sou o Velho, o Velho Chico do Rio. Sou aquele que vem e que passa, sou aquele que sofre por não mais poder alimentar o filho do rio como antigamente fazia. Sou o Pai desse povo e dessa ribeira-vida, sou o Pai e filho de um Pai Maior que me acalanta e diz: Seu filho padece, mas não findará. O rio padece, mas não findará...”. Pescador, um pescador do São Francisco. Ou simplesmente canoeiro, vez que as hidrelétricas espantaram os peixes do rio, e agora ele apenas leva um e outro a passeio pelo que resta do leito. Não importa o seu nome. Um filho das águas. Apenas.
Escritor