Em Poço Redondo, buscando as raízes primeiras...
SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.
quinta-feira, 22 de junho de 2017
Em você (Poesia)
Em
você
Um céu
na boca
um mar
no olhar
uma nuvem
na pele
uma lua
no sexo
um paraíso
no prazer
em você
em você.
Rangel Alves da Costa
Palavra Solta - solidão em noite chuvosa e fria
*Rangel Alves da Costa
Quem dera o cobertor quentinho, um abraço
apertado, um colo, um umbro, um travesseiro grande, uma xícara fumegante de
chocolate, outro corpo ao lado. Mas nada disso se tem. Apenas a solidão em
noite chuvosa e fria. Quem dera deitar ao lado dela e junto ao seu corpo fazer
cobertor, roçar a pele na pele e a tudo esquentar, sentir a sua presença como
um calor de noturno sol. Mas nada disso acontece, pois nada disso se tem.
Apenas a solidão em noite chuvosa e fria. Quem dera um bom e velho vinho, uma
dose de rum, um conhaque, um uísque. Quem dera janelas e portas fechadas, cama
de panos grossos, travesseiro macio e a leveza de uma música clássica. Mas nada
disso se tem. Apenas a solidão em noite chuvosa e fria. Quem dera que a chuva
parasse, que o frio diminuísse e o frio sumisse aos poucos. Quem dera que os
pingos não gotejassem no olhar, o frio não estremecesse a alma e a solidão
fosse embora por um motivo maior. Mas continua apenas a solidão em noite
chuvosa e fria. E então tira a roupa, abre os braços e se deixa lançar sobre o
tapete da sala. E as lágrimas petrificam na mais fria solidão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
quarta-feira, 21 de junho de 2017
O CHEIRO DAS PRIQUITINHAS JUNINAS
*Rangel Alves da Costa
A cada ano, como uma diversa revoada, o
período que antecede os festejos juninos vem trazendo consigo o cheiro das
priquitinhas. Cheiro forte, marcante, bem característico de todo chinelo, sandália
ou alpercata de couro cru.
São as priquitinhas juninas que são trazidas
de outros estados - principalmente Bahia e Pernambuco - e passam a fazer parte
das paisagens aracajuanas, pois estão por todo lugar, em toda esquina, debaixo
de cada marquise.
Ainda são poucas pela cidade. Apenas num ou
noutro lugar é possível avistar algum vendedor carregando penca de priquitinhas
ou mesmo com elas expostas ao chão. Talvez seja a crise que também tenha
alcançado os produtores artesanais dessas chinelas tão apreciadas pela
população nordestina.
Mas a tradição do comércio dessas chinelas
deverá se acentuar nos próximos dias ou semanas. O São João já se aproxima, as
bandeirolas já enfeitam as lojas, os enfeites juninos já são avistados de banca
a banca. E uma coisa que não pode faltar é a priquitinha.
E não pode nem deve faltar por muitos
motivos. Não há São João, Santo Antônio ou São Pedro, sem priquitinha. Não tem
sentido algum arrastar os pés por algum salão forrozeiro sem que seja levando
consigo o cheiro da priquitinha. Todo nordestino que se preza faz da
priquitinha sua companhia de toda hora no período festivo.
As priquitinhas são inseparáveis das mais
autênticas quadrilhas juninas. Estão nos pés tanto dos dançadores como dos
tocadores de forró. Os turistas, principalmente estrangeiros, ficam encantados
quando se deparam com uma priquitinha nova, bem trabalhada, sedosa, com o seu
cheiro tão peculiar e atraente.
Como diz o outro, tem até gente que não
gosta, mas nunca houve nada melhor que ter uma priquitinha para usar nas
devidas ocasiões ou mesmo a qualquer momento do dia. Não há contraindicação,
somente proveito e prazer. Quando nova ou de pouco uso, a priquitinha é sempre
leve, um pouco apertada, mas logo amaciada pelo uso.
Tem gente que ansiosamente espera esse
período apenas para comprar seis ou mais priquitinhas e assim ter sempre
reserva para usar o ano todo. Quando perguntado o porquê de tanto gosto pela
chinelinha de couro cru, logo responde: Ora, se não tenha da outra, o jeito que
tem é usar dessa priquitinha mesmo. Ao menos o nome e o cheiro me fazem lembrar
alguma coisa.
Sem pretender erotizar a seriedade do texto,
a verdade é que não se pode negar que a denominação de priquitinha a esse tipo
de sandália de couro surgiu mesmo como referência à genitália feminina. Por
motivos que não exigem maiores esclarecimentos, diziam que o cheiro da sandália
nova era o mesmo da outra priquitinha em determinadas situações.
Deveras, peculiar é o cheiro da priquitinha
junina. Mas neste aspecto, também em situações diferentes, pois apresenta
cheiros diferenciados segundo seu estado de uso. Quando nova, intacta, a
sandália possui o cheiro forte e adocicado, levado ao odor de suor. O mesmo
cheiro sempre presente nas selas de couro cru, nos rolós, nos chapéus, nas
indumentárias feitas pelos artesãos do couro. Só que com menor acentuação,
menor exalação.
Com a constância do uso, a priquitinha vai
perdendo a estranheza do cheiro forte. Sequer é sentido qualquer fragrância
marcante. Apenas com o suor dos pés é que ela retoma um pouco de seu aroma
suarento. Contudo, tudo desanda quando ela é molhada. Então é um deus nos
acuda. E há até gente que diga que já não cheira mais a priquitinha, mas a
outra coisa no mesmo sentido.
Realmente, quando a priquitinha, já usada,
afadigada de tanto pisar, está molhada, passa a exalar um odor quase
insuportável. Todo o cheiro é redobrado, triplicado, tornado quase em
putrefação. Daí que muitas vezes os salões forrozeiros ficam empesteados da
mistura do suor e das sandálias de um couro ainda cru, molhado e ainda secando
ao sol.
Mas nada disso afasta o gosto e o prazer de
estar usando um desses chinelos de couro. É a aparência junina amoldada ao
conforto que ela proporciona. Igualmente se diga com relação à aparência
matuta, caipira, nordestina e sertaneja. E gente há que possui uma alma
nordestina tão grande que sempre usa chapéu de couro e alpercata de couro cru,
mesmo nas capitais.
Contudo, não se vista mais a quantidade de
vendedores de tempos atrás. No passado, essa época do ano era de ruas completamente
tomadas por pessoas carregando pencas de priquitinhas. Agora são em número bem
menor, mas oferecendo sempre, e a preço bom, o chinelo ao gosto da freguesia.
Será a feição junina em tempos novos que vem
diminuindo suas tradições tão próprias? Também. Exemplifica-se em muitas
situações, desde a ausência do autêntico forró à nudez das ruas outrora
enfeitadas de bandeirolas.
Os dias e as noites juninas não são mais
aquelas. As fogueiras foram praticamente esquecidas, as comidas típicas
escassearam. Os fogos já não passeiam mais nos céus como antigamente. Apenas um
mês. Um mês e suas priquitinhas para fazer relembrar.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Veneno de mel (Poesia)
Veneno
de mel
Teus lábios são como doce colmeia
de sabor de pétala molhada de mel
doçura derramada na pele macia
e que me devora e que me extasia
e eu assim completamente apaixonado
mais que paixão uma coisa tão louca
que perco o juízo e me vejo transtornado
tomando veneno pelo mel de sua boca
e envenenado pela doçura do lábio
já não sei quem sou e nem o que é o beijo
se é mesmo veneno no desejo e na ilusão
ou se é o sabor tão doce e mortal da paixão.
Rangel Alves da Costa
Palavra Solta - uma homenagem
*Rangel Alves da Costa
DONA MARISTELA, orgulho vivo da história de
Poço Redondo. Professora de um tempo onde o magistério era verdadeiramente
exercido como arte e devoção. Antiga professora de sala de aula, ensinando tudo
ao mesmo tempo, e de sala de mundo, de vida e de tudo. Uma verdadeira mestra
que ainda nos guarnece de tantas e tão importantes informações do nosso tão
rico e espantoso passado. Sua lucidez abrasa de tão vívida que ainda está. Sua
amizade abraça todo o sertão e vai além das ribeiras do Velho Chico.
Recentemente ouvi de sua boca, num documentário de Hermano Penna, algo que me
fez estremecido pela coragem dessa mulher, pois Dona Maristela disse, se
referindo àquela primeira eleição tomada a todo custo de Zé de Julião: “Zé de
Julião foi o eleito, foi o vitorioso, mas foram contando e recontando votos,
derrubando ao chão e pisando por cima, até que chegasse ao empate. E com o
empate o candidato mais velho seria eleito e Zé de Julião derrotado. Foi assim
que aconteceu”. E há poucos dias, encontrando-a na Avenida Alcino Alves Costa
(no mesmo local da fotografia abaixo), ela me abraçou e disse: “Encontrei uma
coisa e só me lembrei de você...”. E me prometeu brevemente presentear o
Memorial. Abraço-te agora e sempre, Dona Maristela. Que deus a conserve com
saúde, paz e essa lucidez grandiosa.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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