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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

ARTIGO DE ALCINO (Chico de Miguel - a queda de um gigante)

Chico de Miguel - A queda de um gigante

Texto: Alcino Alves Costa (O Caipira de Poço Redondo)

Em pleno Natal de 2007 teve fim o natal da vida terrena de Francisco Teles de Mendonça, o celebrado Chico de Miguel de Itabaiana. Com este gigante do agreste de Sergipe está se indo o que nos resta da verdadeira dinastia cabocla do interior sergipano. Chico de Miguel pertencia a uma remota geração que desde muito entrou em extinção. Os novos costumes, as novas eras, não permitem que homens das qualidades e da estirpe desse afamado agresteiro continuassem florescendo nas terras interioranas de Sergipe e do Brasil.

Acabou a linhagem daqueles homens que não precisavam de documentos para realizar negócios e transações. Bastava e era suficiente apenas a sua palavra, o fio de cabelo de sua barba, verdadeiros documentos que valiam muito mais do que qualquer tipo de papel ou registro.

Era assim que agia Chico de Miguel. As suas decisões eram pautadas pelo cuidado e muito apego a palavra empenhada. Em seu código de vida julgava que todo homem devia ser assim. Palavra empenhada tinha mais valor do que um documento escrito, o penhor maior da honra e do cavalheirismo.

Esse proceder caiu em desuso. A sociedade vive uma tremenda inversão de valores. Os homens que sabiam ser homem se tornaram raridades. Morreram ou envelheceram estes velhos troncos. Apenas um ou outro ainda teima em existir. Só nos resta o resto daqueles que prezava acima de tudo a sua palavra, a sua hombridade e o seu sagrado dever de por toda encosta de suas vidas jamais descumprir com a palavra empenhada.

Chico de Miguel era um desses titãs. Possuía extremada lealdade para com os amigos e tinha especial zelo e deveres para com o povo. Tinha imensa satisfação e orgulho em jamais fraquejar em defesa daqueles que nele depositava a sua fé e a sua esperança. Eu mesmo, nos idos do passado, pude comprovar pessoalmente o quando Chico de Miguel era daqueles que depois de penhorar a sua palavra não existia força humana que o fizesse recuar e desmerecer a confiança nele depositada.

O velho jequitibá de Itabaiana passou por muitas provações. Em todas elas mostrou o seu imensurável valor e a sua grandiosa força de saber enfrentar as glórias e também as adversidades da vida e mostrar que estava muito além das derrotas, das desditas, das vitórias e dos êxitos políticos.

Homem de uma época. Produto humano de um tempo. Soube ser grande, corajoso e destemido na luta pelos seus ideais. Obstinado, foi senhor de memoráveis campanhas eleitorais que delas germinaram célebres medições de forças e com elas algumas seqüelas que vararam os anos.

Todavia, as grandes vitórias, os tão ambicionados cargos dos quais ele e seus filhos foram detentores, e todos eles através da vontade soberana de sua legião de amigos e eleitores, não eram maiores do que o seu sentimento de amizade e companheirismo para aqueles que pertenciam ao seu círculo imenso de amizade.

Uma das maiores virtudes deste gigantesco homem de Itabaiana estava no seu cuidado e na sua força prodigiosa de jamais dobrar o seu joelho para covardemente se tornar um subserviente, um fantoche, um reles pau-mandado dos que por circunstâncias tinham o poder de mando do Estado em suas mãos. Quando os percalços apareciam a sua frente, como por exemplo, a cassação de seu mandato de deputado estadual, jamais se ajoelhou ou implorou compaixão aos que pisavam com força desmedida nos destinos de Sergipe.

Eu fico a me perguntar: Por onde anda o mundo de Chico Miguel? Aquele mundo em que os homens não precisavam usar documentos como nos dias atuais; aquele mundo em que um homem jamais voltava atrás com sua palavra; aquele mundo em que homens da grandeza de Chico Miguel sabiam honrar o seu nome e com desmedida coragem tinham forças para arrostar todas as provações que lhe aparecesse pela frente, mesmo que esses transtornos e essas dificuldades fossem causas de riscos fatais até para a sua própria vida.

Era assim Chico de Miguel. Em seu diário caboclo não constava nem traição, nem covardia e nem falsidade. Homem de vida comum, mas de temperamento forte, que soube enfrentar com dignidade e coragem todas as intempéries da vida, sem nunca esmorecer e sem nunca se maldizer.

Reverenciar Chico de Miguel é reverenciar uma época em que os homens carregavam em seus ombros e em suas vidas a força notável de seu caráter e de sua dignidade. Era aquele tempo, o tempo de Chico de Miguel, o tempo em que um homem podia ser verdadeiramente chamado de homem.

Fica a lição e o exemplo da força espiritual de um homem que com o seu poderoso carisma se fez considerado por toda elite política de Sergipe, consequentemente respeitado pelos maiores e mais notáveis representantes da sociedade sergipana. Portanto, é uma constatação real e verdadeira, se dizer que Chico de Miguel, com sua extraordinária firmeza de ação e coragem, sobrepujou todos os critérios, alguns deles escusos, que se usava – e se usa – com freqüência na esfera política de nosso chão pátrio.

O velho patriarca escolheu os festejos juninos para realizar a sua última viagem. Deixou seus familiares, seus amigos, a sua Itabaiana, e se mudou para o Além. Foi viver ao lado do Grande Mestre e fazer a sua moradia no descampado azul do infinito.

É de lá, de sua nova e gloriosa morada, ao lado de velhos amigos, que este nosso herói ficará orando pelos seus que na terra ficaram. Lá, nos campos serenos da extensão misteriosa e infinda do paraíso celeste, o nosso gigante de Itabaiana terá piedade de todos nós.

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