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sexta-feira, 27 de junho de 2014

ASSIM COMO OS POMBOS


Rangel Alves da Costa*


Não há simbologia mais contraditória que a existente nos pombos. Mas não que as aves sejam culpadas de serem inversamente transgredidas nos seus significados. A culpa é do homem, que as simbolizam de um modo e as tratam de forma totalmente diferente. Talvez como o próprio ser humano, que se expressa de um jeito e sempre age pelo avesso.
Não é difícil constatar o que afirmo. Os livros e outros escritos - principalmente bíblicos - não deixam mentir, pois neles se contem diversas faces simbólicas com relação ao pombo. E todas de forma sublime, angelical, de um humanismo tal que mais parece ave sagrada ou com laços divinais.
Aliás, quem assistiu a abertura da Copa do Mundo pôde observar que antes do início da partida três crianças entraram em campo levando três pombas brancas. E foram soltas bem no meio do circulo formado pelos jogadores das duas seleções. Representavam a paz, a ideia de que é necessário um convívio harmonioso não só no futebol como em todas as relações da vida.
Assim o pombo está na paz, na sacralidade, no matrimônio, em tudo que envolva pureza e inocência. Mas também está no seu inverso, eis que igualmente rejeitada pela sociedade como um verdadeiro mal que deva ser duramente combatido. E a ele é reputado uma série de problemas que o afasta de vez daquele sentimento de candura existente na outra face. Mas por que assim acontece?
No catolicismo, a pomba branca simboliza a paz. Noé viu que as águas haviam baixado e a paz havia retornado após soltar um pombo e este retornar trazendo no bico um ramo de oliveira:  E a pomba voltou a ele à tarde; e eis, arrancada, uma folha de oliveira no seu bico; e conheceu Noé que as águas tinham minguado de sobre a terra (Gênesis 8:11). Era sinal que o castigo de Deus havia terminado e a paz voltava a reinar.
Segundo o Novo Testamento, o pombo também simboliza o batismo. Após o batismo de Jesus, uma pomba desceu sobre ele como simbologia da presença do Espírito de Deus: E, sendo Jesus batizado, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo sobre ele (Mateus 3:16).
Na Santíssima Trindade também se observa a pomba simbolizando o próprio Espírito Santo. Acima do Pai e do Filho a pomba branca, que é o mesmo simbólico Espírito de Deus como surgido após o batismo de Jesus. Ademais, na Bíblia pomba representa também o perdão de Deus sobre a terra.
Nos enlaces matrimoniais o pombo passa a ter dupla representatividade, não só como comunhão de amor e paz como na união havida entre os dois pombinhos: o noivo e a noiva, ou esposo e esposa. Eis que se pressupõe a união conjugal como entrelaçamento entre os dois pombinhos que viverão eternamente enlaçados num ninho de amor. Logicamente muito mais fantasia que realidade.
A pomba ou o pombo também está estampado nas bandeiras e emblemas de uma infinidade de instituições assistenciais, de órgãos de caridade e onde se pretenda representar ações humanitárias. E é tão forte e representativo tal símbolo que se expressa pela própria imagem, não necessitando de nenhuma palavra que a defina. Basta que se aviste a pomba branca tremulando e ali estará uma expressão de bondade.
Contudo, o mesmo pombo, ou a mesma pomba da paz, de repente parece transmudada em algo abjeto, repugnante, detestável. E por que assim acontece, vez que não se justifica odiar aquilo que tanto se preza e se respeita? Assim acontece porque o ser humano acostumou a desrespeitar todas as simbologias perante as situações reais.
E com o pombinho não é diferente. Se numa praça existir uma bandeira com uma pomba estampada, quem passe adiante compreenderá  seu significado, mas aquela simbologia se transformará em rancor, em algo detestável, se por acaso alguma pombinha de verdade tentar se aproximar. Eis que diferentemente do símbolo, a ave representará a proximidade de doenças, de uma infinidade de parasitas.
É difícil compreender, mas a pomba da paz, do amor e da solidariedade, das passagens bíblicas, logo é vista como potencial assassina, como hospedeira de doenças terríveis e verdadeira ameaça para a humanidade. Tida como mais perigosa que arsenais de guerra, não raro é afligida por armas e pedradas e ali mesmo deixa seu sangue escorrer. O sangue e a morte na pomba, nesta que simboliza a candura da vida.
É verdadeiro o perigo que representa, e desde suas fezes à carícia nas penugens. Em cada uma há potencial ameaça à saúde do ser humano. Mas será mais fácil o homem destruir todas as bandeiras de paz que dizimá-la completamente. A poesia não deixaria, eis que também representa a perfeição singela do verso.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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