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quarta-feira, 18 de junho de 2014

VIOLÊNCIA DE VALENTIA E VIOLÊNCIA DE COVARDIA


Rangel Alves da Costa*


Em texto anterior, quando cuidei da irreconhecibilidade do sertão de hoje perante aquele de antigamente, acabei fazendo a seguinte afirmação:  Sim, o sertão sempre foi violento, mas de uma violência de valentia e não de covardia. Houve um tempo de confrontos sangrentos, verdadeiramente insidiosos, mas não nessa brutalidade gratuita e motivada apenas pelo prazer da ilicitude e da transgressão à lei.
Pois bem, as expressões violência de valentia e violência de covardia, requerem uma maior digressão para o seu exato entendimento. De início, se tenha que o termo violência não se modifica em quaisquer das situações citadas, continuando como comportamento agressivo, brutal, causando danos na pessoa agredida. Contudo, a situação se modifica quando o ato violento é fruto de valentia ou de covardia.
Os dicionários ensinam que valentia significa vigor, bravura, a atitude tomada pela pessoa valente. E este o corajoso, o intrépido, o bravo e decidido. Por sua vez, covardia, como oposto da valentia, remete àquele que pratica violência contra indefeso, que agride sem justa motivação ou pelo simples prazer de violar a integridade do próximo.
Nas relações humanas, no convívio social, logicamente que nenhum tipo de violência se justifica. Até mesmo a chamada legítima defesa, quando a vítima legitimamente reage à violência contra si praticada, sem que isto constitua ilícito penal, deve ser considerada dentro de parâmetros que não configurem revide com maior brutalidade. Entretanto, imperioso reconhecer que as violências fazem parte do próprio cotidiano humano.
Atualmente se torna mais difícil delimitar os tipos de violência, eis que o mundo moderno fez alastrar sobre si as mais diversas espécies de agressões e brutalidades, verdadeiras selvagerias. Mas num olhar ao passado se torna mais fácil avistar a fronteira entre a violência de valentia e violência de covardia, considerando-se sempre que esta última se alastrou de tal modo que se tornou prática corriqueira.
Nos idos mais antigos, quando a honra pessoal ou familiar era valorizada como a própria a vida, muitas vinditas de sangue ganharam contornos até históricos. As rixas entre os vizinhos, os ódios entre famílias, as disputas por terras ou pelo nome de uma mocinha da família que havia sido desonrado pelo rapaz da outra família, chegavam às raias de verdadeiras guerras particulares.
Do mesmo modo, as disputas pelo poder entre coronéis nordestinos e que provocavam verdadeiros rios de sangue, ainda assim estavam balizadas na honra, na força do mando, na demonstração de quem possuía maior poder de sustentar uma guerra. Neste caso, a valentia estava no enfrentamento em si, em não se deixar submeter pelas ameaças e ataques do outro coronel. Mas não era valentia quando o mesmo coronel utilizava de jagunços para mandar emboscar e matar, sem direito de defesa, aqueles que contrariavam seus interesses.
As lutas travadas entre cangaceiros e volantes eram de uma valentia sem tamanho, mas o mesmo não ocorria quando se tratava das ações perpetradas pessoalmente por alguns bandoleiros e também por soldados. Tantas vezes, aqueles mesmos que mostravam valentia descomunal no meio do mato, atacando vorazmente seus inimigos, se transformavam em covardes em outras situações.
O cangaceiro Zé Baiano, por exemplo, de reconhecida valentia na sua lide bandoleira, foi de uma covardia indescritível ao marcar com ferro em brasa as faces daquelas mocinhas de Canindé. A maioria dos soldados da volante sempre agia com covardia perante o sertanejo humilde e trabalhador. Como não conseguia seus intentos de dar cabo aos cangaceiros, lançava suas iras naqueles que não mereciam. E há relatos de supostos coiteiros que foram torturados até a morte e de humildes sertanejos que foram sangrados porque insistiam em afirmar que não sabiam do paradeiro do bando de Lampião.
Como afirmado, atualmente o que mais impera é a violência fruto da mera covardia. Os assaltos à mão armada onde pessoas acabam sendo feridas ou perdem suas vidas, os estupros de jovens inocentes, as arrogâncias que acabam vitimando pessoas humildes, tudo isso faz parte do contexto da violência covarde, abjeta. E também a ação da polícia diante de qualquer um que seja negro e pobre e que lhe pareça bandido. Tudo covardia.
Foi-se o tempo da luta pela honra, do embate sangrento por causa justa. O valoroso e destemido homem não é mais avistado com facilidade. Hoje todos parecendo tornados vítimas de uma bandidagem sem trégua e suas violências covardes e desmedidas.  


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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