Sala de espera, hora do embarque...
Rangel Alves da Costa*
Até que poderia ser num vão qualquer de um terminal rodoviário, numa antessala de aeroporto, na brisa de um cais do porto, numa gare de estação de trem, numa beira de estrada esperando condução ou na soleira da porta pronto pra seguir mundo afora, mas não, estamos na vida, ou melhor, na sala da nossa existência, até que o tempo vá passando e nos levando, até que sejamos chamados a embarcar.
Conheci pessoas muito apressadas, correndo em tudo na vida e que tiveram que partir muito cedo, embarcaram sem despedir de ninguém e de repente não estavam mais. Conheci pessoas que também embarcaram muito cedo simplesmente porque acharam que não tinha mais nenhum sentido continuar na sala de espera da vida. Conheci pessoas que se atrasaram para o embarque por estarem dando significado às suas existências e fazendo o bem na vida e pela vida. Conheço pessoas que nunca conseguem embarcar porque o trem só vai passar daqui a muitos e muitos anos. Ouvi falar de pessoas que nem conseguiram chegar, pois os pais egoisticamente acharam que a vida somente deveria ser vivida por eles. Conheci pessoas que adoeceram na sala de espera e tristemente tiveram a viagem antecipada, e embarcaram com lenços brancos dando adeus aos que ficavam. Conheci pessoas que amei e amo e lutei para não partirem, e mesmo assim embarcaram enquanto eu estava orando para que ficassem. Conheço pessoas que nem imaginam que estão na sala de espera, e de repente...
Dizem que somente uma pessoa conduz todas essas embarcações. Naves, aeronaves, navios, canoas, automóveis, motocicletas, bicicletas, animais e outros, são meios de locomoção que podem ser conduzidos por qualquer indivíduo. Contudo, as embarcações que partem da sala de espera da vida só podem ser conduzidas especialmente por uma pessoa. E dizem que é esse mesmo condutor que escolhe e que já sabe, há muito, quem vai partir em cada viagem, quem não vai conseguir embarcar, quem o destino fez desistir de viajar naquele momento, quem vai partir sem avisar a ninguém, quem tomará a embarcação com destino incerto. É que a embarcação tem dois pontos de parada na ida. Os que possuem destino incerto descem na primeira estação e ninguém mais sabe aonde vão. Os que seguem adiante serão guiados no seu destino pelo próprio condutor. E dizem que chegam a lugares maravilhosos.
Sempre imaginei a vida como um destino onde chegamos para construir tijolo a tijolo um morada para proteção. E agimos assim, aos poucos vamos construindo o que dá validade, ou não, às nossas existências. A solidez dos nossos atos será a medida da solidez do que construímos. As coisas desmoronam assim, por ações fragilizadas. Contudo, queiramos ou não, na verdade o que estamos sempre construindo não é o que nos guarda com conforto e proteção, mas sim uma grande sala para esperar o embarque a qualquer momento. E que embarque é este, senão a vida de viagem, senão a efemeridade de nossa passagem por aqui? A morte é bilhete de viagem que já compramos ao nascer, é bom lembrar. O momento de partir ainda está em branco.
Esqueci meu bilhete de passagem em algum lugar. Pouco importa, pois o condutor saberá meu instante de partir, viajar. Mas, como será o nome desse condutor, meu Deus?
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Coração (Poesia)
Coração
Coração quis ficar
E partiu
Coração viajou
E voltou
Coração quis amar
E amou
Coração quis paixão
E se deu
Coração acreditou
E sofreu
Coração insistiu
E perdeu
Coração fez a guerra
E sangrou
Coração viu você
E curou
Se coração tá feliz
Eu estou.
Rangel Alves da Costa
Coração quis ficar
E partiu
Coração viajou
E voltou
Coração quis amar
E amou
Coração quis paixão
E se deu
Coração acreditou
E sofreu
Coração insistiu
E perdeu
Coração fez a guerra
E sangrou
Coração viu você
E curou
Se coração tá feliz
Eu estou.
Rangel Alves da Costa
NO REINO DO REI MENINO – VI
NO REINO DO REI MENINO – VI
Rangel Alves da Costa*
Após aquele encontro com a família real de Oninem, Bernal, que desde algum já vinha se inteirando dos fatos através dos astros e dos seus poderes mágicos e sobrenaturais, decidiu agir por conta própria para encontrar uma solução rápida para a crise que silenciosamente se abatia sobre o reino, colocando em perigo até mesmo o seu futuro.
Como já assinalado, os poderes mágicos de Bernal eram fruto de uma longa herança familiar, cujos conhecimentos ritualísticos vinham sendo repassados de geração a geração. Nessa sua condição de iniciado nos segredos ocultos, a sua presença desde muito jovem no castelo real talvez não tivesse sido obra do acaso. Errante pelo mundo, um dia simplesmente chegou às portas do castelo, foi entrando sorrateiramente até se tornar, como naqueles momentos, em elemento vital para a sobrevivência daquela famosa herdade dos povos confiáveis.
Decidido, pois, a se aprofundar na busca de uma fórmula que pacificasse as coisas, vez que boa parte do futuro do reino ele já tinha conhecimento, buscou nos elementos mágicos da natureza o seu cenário ritualístico. Assim, durante oito meses, dividindo esse período pelos quatro elementos do templo da natureza, que são o ar, o fogo, a terra e o ar, ritualizando cada dois meses com cada um destes elementos, foi construindo o mosaico onde as respostas poderiam ser visualizadas mentalmente.
Bernal, esse feiticeiro do bem, agia com a certeza de que tudo que existe no mundo só era possível com a ação de cada um destes elementos, cuja junção, abrindo a grande porta do santuário do mundo, revelaria as verdades existentes sobre o que havia sido ritualizado. Como conseqüência, o elemento água revelaria as condições de poder no sangue da família real, o fogo indicaria a ação e o movimento que davam sustentação ao reino, a terra mostraria a força existente no rei, na rainha e no seu filho, e o ar diria sobre a sobrevivência do próprio reino. No confronto, na junção e na filtragem dos quatro elementos seria possível se obter uma visão geral do reino, mesmo que confusamente, porém somente após o iniciado colocar em ordem cada uma das peças que desordenadamente viriam à sua mente.
Tais foram os procedimentos ritualísticos levados a efeito por Bernal, tendo iniciado num mês de janeiro e terminado num mês de agosto. Ao fim desse cansativo trabalho, no nono mês, setembro, preparou a última cerimônia para que os resultados que precisava pudessem ser alcançados. Em jejum de dois dias, em pé, de olhos fechados e braços abertos dentro de um riacho de água limpa e de vagarosa correnteza, esperou a resposta do que os elementos haviam interpretado e esta chegou numa rapidez impressionante. Não haviam peças desordenadas, apenas duas, uma grande e uma pequena, e nem precisou juntá-las para saber o seu significado: era a imagem turva de um reino e a figura nítida de um menino sorrindo. O menino era o pequeno Gustavo, o herdeiro do trono de Oninem. O reino sobreviveria, concluiu Bernal mais animado, porém totalmente exausto.
Sobre esse longo ritual por ele praticado, numa cerimônia que durou mais de oito meses, nem sobre o que pôde ver como desfecho, Bernal jamais disse à família real uma palavra sequer. Já estava ciente do futuro e esperando somente o surgimento de algum fato que, tragédia e dor ao mesmo tempo, fosse o ponto de partida para um novo tempo. Sobre isso, acerca do fato gerador nada sabia; suas forças mágicas sempre lhe negaram tal conhecimento. E esperou muito tempo, uns seis a sete anos, até que o trágico chegasse feito um vendaval.
O rei varou a noite numa reunião interminável com os comandantes das tropas do reino. Queria saber os motivos de as tropas guerreiras não estarem firme e constantemente guardando as fronteiras de norte a sul, principalmente quando informações chegavam dando conta de que cavalarias de uma legião inimiga foram vistas no outro lado das últimas montanhas do reino.
As alegações dos comandantes para tal situação não foram novidade alguma. Era o que já se sabia e esperava: sem receber os salários a que tinham direito, se negavam ferozmente a subir nos cavalos, preparar os canhões, entricheirar na floresta, erguer as bandeiras e as armas, enfim, se negavam a dar um passo sequer em defesa do reino.
Logo ao alvorecer, trombetas de alerta soaram. Os guerreiros de um reino inimigo avançavam nas terras de Oninem.
continua...
Advogado e poeta
rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Rangel Alves da Costa*
Após aquele encontro com a família real de Oninem, Bernal, que desde algum já vinha se inteirando dos fatos através dos astros e dos seus poderes mágicos e sobrenaturais, decidiu agir por conta própria para encontrar uma solução rápida para a crise que silenciosamente se abatia sobre o reino, colocando em perigo até mesmo o seu futuro.
Como já assinalado, os poderes mágicos de Bernal eram fruto de uma longa herança familiar, cujos conhecimentos ritualísticos vinham sendo repassados de geração a geração. Nessa sua condição de iniciado nos segredos ocultos, a sua presença desde muito jovem no castelo real talvez não tivesse sido obra do acaso. Errante pelo mundo, um dia simplesmente chegou às portas do castelo, foi entrando sorrateiramente até se tornar, como naqueles momentos, em elemento vital para a sobrevivência daquela famosa herdade dos povos confiáveis.
Decidido, pois, a se aprofundar na busca de uma fórmula que pacificasse as coisas, vez que boa parte do futuro do reino ele já tinha conhecimento, buscou nos elementos mágicos da natureza o seu cenário ritualístico. Assim, durante oito meses, dividindo esse período pelos quatro elementos do templo da natureza, que são o ar, o fogo, a terra e o ar, ritualizando cada dois meses com cada um destes elementos, foi construindo o mosaico onde as respostas poderiam ser visualizadas mentalmente.
Bernal, esse feiticeiro do bem, agia com a certeza de que tudo que existe no mundo só era possível com a ação de cada um destes elementos, cuja junção, abrindo a grande porta do santuário do mundo, revelaria as verdades existentes sobre o que havia sido ritualizado. Como conseqüência, o elemento água revelaria as condições de poder no sangue da família real, o fogo indicaria a ação e o movimento que davam sustentação ao reino, a terra mostraria a força existente no rei, na rainha e no seu filho, e o ar diria sobre a sobrevivência do próprio reino. No confronto, na junção e na filtragem dos quatro elementos seria possível se obter uma visão geral do reino, mesmo que confusamente, porém somente após o iniciado colocar em ordem cada uma das peças que desordenadamente viriam à sua mente.
Tais foram os procedimentos ritualísticos levados a efeito por Bernal, tendo iniciado num mês de janeiro e terminado num mês de agosto. Ao fim desse cansativo trabalho, no nono mês, setembro, preparou a última cerimônia para que os resultados que precisava pudessem ser alcançados. Em jejum de dois dias, em pé, de olhos fechados e braços abertos dentro de um riacho de água limpa e de vagarosa correnteza, esperou a resposta do que os elementos haviam interpretado e esta chegou numa rapidez impressionante. Não haviam peças desordenadas, apenas duas, uma grande e uma pequena, e nem precisou juntá-las para saber o seu significado: era a imagem turva de um reino e a figura nítida de um menino sorrindo. O menino era o pequeno Gustavo, o herdeiro do trono de Oninem. O reino sobreviveria, concluiu Bernal mais animado, porém totalmente exausto.
Sobre esse longo ritual por ele praticado, numa cerimônia que durou mais de oito meses, nem sobre o que pôde ver como desfecho, Bernal jamais disse à família real uma palavra sequer. Já estava ciente do futuro e esperando somente o surgimento de algum fato que, tragédia e dor ao mesmo tempo, fosse o ponto de partida para um novo tempo. Sobre isso, acerca do fato gerador nada sabia; suas forças mágicas sempre lhe negaram tal conhecimento. E esperou muito tempo, uns seis a sete anos, até que o trágico chegasse feito um vendaval.
O rei varou a noite numa reunião interminável com os comandantes das tropas do reino. Queria saber os motivos de as tropas guerreiras não estarem firme e constantemente guardando as fronteiras de norte a sul, principalmente quando informações chegavam dando conta de que cavalarias de uma legião inimiga foram vistas no outro lado das últimas montanhas do reino.
As alegações dos comandantes para tal situação não foram novidade alguma. Era o que já se sabia e esperava: sem receber os salários a que tinham direito, se negavam ferozmente a subir nos cavalos, preparar os canhões, entricheirar na floresta, erguer as bandeiras e as armas, enfim, se negavam a dar um passo sequer em defesa do reino.
Logo ao alvorecer, trombetas de alerta soaram. Os guerreiros de um reino inimigo avançavam nas terras de Oninem.
continua...
Advogado e poeta
rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Amor de criança (Poesia)
Amor de criança
Ao meu amor eu disse
Quero te beijar pedi
E o meu amor me disse
Apenas um beijo agora
Porque quero guardar
Todos os beijos
Pra quando a gente crescer
E ao meu amor eu disse
Que tudo bem eu esperava
Porque bombom também é gostoso
E o meu amor me deu a mão
E corremos para o parque
E lá no parque eu disse
Que queria namorar
E o meu amor me disse
Que brincar também era gostoso
E brincamos até o entardecer
E o meu amor me disse
Que estava cansada
De ser criança
E foi quando namoramos.
Rangel Alves da Costa
Ao meu amor eu disse
Quero te beijar pedi
E o meu amor me disse
Apenas um beijo agora
Porque quero guardar
Todos os beijos
Pra quando a gente crescer
E ao meu amor eu disse
Que tudo bem eu esperava
Porque bombom também é gostoso
E o meu amor me deu a mão
E corremos para o parque
E lá no parque eu disse
Que queria namorar
E o meu amor me disse
Que brincar também era gostoso
E brincamos até o entardecer
E o meu amor me disse
Que estava cansada
De ser criança
E foi quando namoramos.
Rangel Alves da Costa
NO REINO DO REI MENINO – V
NO REINO DO REI MENINO – V
Rangel Alves da Costa*
Não obstante os muitos problemas que o rei teria que resolver, a chegada daquele escrito às suas mãos constituiu-se num verdadeiro drama. Acreditava em presságios, superstições, mistérios. Ademais, o momento de dificuldades que o reino passava fazia aumentar ainda mais o seu temor. No seu pensamento, bastava fazer uma simples relação entre os termos “um reino fragilizado”, “um rei amedrontado”, “surgirá um menino para salvar”, “o rei nasceu” e “o reinado poderá morrer”, para se ter a noção da imensa gravidade da situação. Se antes dessa novidade pressagiosa o reino já estava a perigo, agora é que tudo se complicaria mais ainda, pensava temerosamente o rei.
Conhecedora de toda aquela realidade, mesmo assim a esposa real não deixou transparecer nenhuma preocupação a mais. Era forte, e tal característica era plenamente visível nas suas ações, sempre calma, cautelosa e segura, mesmo que por dentro estivesse desmoronando. Disse ao rei que seria de bom alvitre que ouvissem alguém sobre aquela situação, mas para tal o soberano teria que expor toda a realidade do reino, afirmar dos seus temores com relação à mensagem encontrada e, o que era de suma importância, indagar sobre o que motivaria a citação do seu filho naquela mensagem e a sua colocação como suposto salvador do reino.
O rei acatou as palavras da esposa. Ele mesmo já havia pensado em buscar aconselhamento sobre o caso. Mas qual seria, neste momento, a pessoa mais indicada para compartilhar com o casal todo aquele emaranhado de fatos e coisas? O escolhido não foi outro senão Bernal, um ainda jovem e humilde servidor da família real, mas cujo conhecimento aprofundado dos elementos enigmáticos da vida, dos mistérios e das coisas indecifráveis, possibilitaria, ao menos, entender melhor aquilo tudo.
De fato, Bernal não trazia consigo somente poderes mágicos elevados, e até sobrenaturais, como alguns diziam, mas sim um poder superior de interferir no curso normal da realidade. Era uma herança familiar, uma genética sobrenatural nas suas veias. Desse modo, não era à toa que lhe chamavam feiticeiro do bem, pois sempre que teve que demonstrar suas habilidades – através da manipulação de forças para obtenção de fenômenos irrealizáveis por pessoas comuns, da utilização de rituais e processos mágicos para lidar com o presente e conhecer o futuro e da utilização de amuletos e talismãs para a obtenção dos efeitos desejados – sempre o fez em nome de boas causas, objetivando algo que fosse de utilidade.
- Meu rei, minha rainha, ficarei grato por toda vida em poder ajudá-los, mas quem sou eu, pequeno filho do dragão, para dar uma posição em assunto tão melindroso. Mas fiquem sabendo de uma coisa e prestem atenção no que vou dizer. As estrelas há algum tempo que não iluminam mais o reino com a luz que ele tanto necessita; os deuses da fortuna, das colheitas e do progresso parecem que estão fazendo descaso para conosco; somente um deus passou a fazer moradia aqui, que foi o da sorte, mas ainda não está agindo com os seus plenos poderes. Falo dos deuses que povoam a nossa mente e não do Deus que povoa a nossa fé. Este sempre age com exatidão, e se estamos passando por dificuldades é porque há um tempo para todas as coisas, como diz o Eclesiastes do livro bíblico. Sei e sinto que a situação não é das mais positivas. Quando entreguei aquele escrito a Vossa Majestade minha aflição maior não foi pelo que continha a mensagem, mas da forma como chegou até o reino e da impossibilidade de poder decifrar de onde ela é proveniente. Que veio de uma força poderosa não tenham dúvidas. Lembrem que as mensagens não foram escritas ao mesmo tempo, mas primeiro uma, a que foi encontrada pelo velho, e depois outra, surgida pelos ares. Mas a verdade é que nos chegou completa e de um modo que ainda não podemos decifrar bem. Mas temos, mesmo que isto possa causar temor e transtornos, que acreditar na mensagem, pois o mistério só deixa de ser mistério quando descobrimos a sua verdade. E a única verdade que temos agora é que temos de trabalhar com maior afinco ainda para resolver o que humanamente possamos fazer, que é trazer novamente a fartura e o sossego para o reino, e esperar que os mistérios se resolvam com o aparecimento dos bons sinais...
- E sobre o nosso filho, por que ele é citado nos escritos? – Perguntou a rainha.
E Bernal, o feiticeiro do bem, prontamente respondeu:
- Ele será nosso rei e salvará nosso reino, está escrito e assim será. E isto acontecerá muito mais rapidamente do que possa predizer o maior dos magos, com todas as armas da magia.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Rangel Alves da Costa*
Não obstante os muitos problemas que o rei teria que resolver, a chegada daquele escrito às suas mãos constituiu-se num verdadeiro drama. Acreditava em presságios, superstições, mistérios. Ademais, o momento de dificuldades que o reino passava fazia aumentar ainda mais o seu temor. No seu pensamento, bastava fazer uma simples relação entre os termos “um reino fragilizado”, “um rei amedrontado”, “surgirá um menino para salvar”, “o rei nasceu” e “o reinado poderá morrer”, para se ter a noção da imensa gravidade da situação. Se antes dessa novidade pressagiosa o reino já estava a perigo, agora é que tudo se complicaria mais ainda, pensava temerosamente o rei.
Conhecedora de toda aquela realidade, mesmo assim a esposa real não deixou transparecer nenhuma preocupação a mais. Era forte, e tal característica era plenamente visível nas suas ações, sempre calma, cautelosa e segura, mesmo que por dentro estivesse desmoronando. Disse ao rei que seria de bom alvitre que ouvissem alguém sobre aquela situação, mas para tal o soberano teria que expor toda a realidade do reino, afirmar dos seus temores com relação à mensagem encontrada e, o que era de suma importância, indagar sobre o que motivaria a citação do seu filho naquela mensagem e a sua colocação como suposto salvador do reino.
O rei acatou as palavras da esposa. Ele mesmo já havia pensado em buscar aconselhamento sobre o caso. Mas qual seria, neste momento, a pessoa mais indicada para compartilhar com o casal todo aquele emaranhado de fatos e coisas? O escolhido não foi outro senão Bernal, um ainda jovem e humilde servidor da família real, mas cujo conhecimento aprofundado dos elementos enigmáticos da vida, dos mistérios e das coisas indecifráveis, possibilitaria, ao menos, entender melhor aquilo tudo.
De fato, Bernal não trazia consigo somente poderes mágicos elevados, e até sobrenaturais, como alguns diziam, mas sim um poder superior de interferir no curso normal da realidade. Era uma herança familiar, uma genética sobrenatural nas suas veias. Desse modo, não era à toa que lhe chamavam feiticeiro do bem, pois sempre que teve que demonstrar suas habilidades – através da manipulação de forças para obtenção de fenômenos irrealizáveis por pessoas comuns, da utilização de rituais e processos mágicos para lidar com o presente e conhecer o futuro e da utilização de amuletos e talismãs para a obtenção dos efeitos desejados – sempre o fez em nome de boas causas, objetivando algo que fosse de utilidade.
- Meu rei, minha rainha, ficarei grato por toda vida em poder ajudá-los, mas quem sou eu, pequeno filho do dragão, para dar uma posição em assunto tão melindroso. Mas fiquem sabendo de uma coisa e prestem atenção no que vou dizer. As estrelas há algum tempo que não iluminam mais o reino com a luz que ele tanto necessita; os deuses da fortuna, das colheitas e do progresso parecem que estão fazendo descaso para conosco; somente um deus passou a fazer moradia aqui, que foi o da sorte, mas ainda não está agindo com os seus plenos poderes. Falo dos deuses que povoam a nossa mente e não do Deus que povoa a nossa fé. Este sempre age com exatidão, e se estamos passando por dificuldades é porque há um tempo para todas as coisas, como diz o Eclesiastes do livro bíblico. Sei e sinto que a situação não é das mais positivas. Quando entreguei aquele escrito a Vossa Majestade minha aflição maior não foi pelo que continha a mensagem, mas da forma como chegou até o reino e da impossibilidade de poder decifrar de onde ela é proveniente. Que veio de uma força poderosa não tenham dúvidas. Lembrem que as mensagens não foram escritas ao mesmo tempo, mas primeiro uma, a que foi encontrada pelo velho, e depois outra, surgida pelos ares. Mas a verdade é que nos chegou completa e de um modo que ainda não podemos decifrar bem. Mas temos, mesmo que isto possa causar temor e transtornos, que acreditar na mensagem, pois o mistério só deixa de ser mistério quando descobrimos a sua verdade. E a única verdade que temos agora é que temos de trabalhar com maior afinco ainda para resolver o que humanamente possamos fazer, que é trazer novamente a fartura e o sossego para o reino, e esperar que os mistérios se resolvam com o aparecimento dos bons sinais...
- E sobre o nosso filho, por que ele é citado nos escritos? – Perguntou a rainha.
E Bernal, o feiticeiro do bem, prontamente respondeu:
- Ele será nosso rei e salvará nosso reino, está escrito e assim será. E isto acontecerá muito mais rapidamente do que possa predizer o maior dos magos, com todas as armas da magia.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
SERTÃO/CIDADE E ALGUMAS VERDADES
SERTÃO/CIDADE E ALGUMAS VERDADES
Rangel Alves da Costa*
Sou sertanejo de sangue, de herança matuta, de raiz. Nasci no sertão sergipano do São Francisco, num município que é o maior do estado, pela vastidão de suas terras, mas ao mesmo tempo não é nada, pela pobreza infinda que ali se instala, machuca e destroi. Seu nome é Poço Redondo, mas bem poderia ser Vila dos Confins, Mundaréu, Distância ou qualquer coisa que o valha. Foi lá que morreu Lampião, no ano de 38, na Gruta do Angico; foi lá que plantaram a esperança e nasceu aquele sol gigante, que queima o ano inteiro, esturrica a planta e mata o bicho, e que tem por companheira uma mulher ingrata chamada seca.
Vim para a cidade grande ainda molecote, com cerca de onze anos, estudar e “ser alguém na vida”, como diziam os meus, pressupondo que se ficasse lá seria apenas mais um sertanejo. Melhor seria, talvez. Foi assim que vim, vi e venci, como disse o romano depois da difícil batalha. Minha vitória, contudo, foi muito maior, por ter conseguido apenas o suficiente para viver e ser feliz na minha profissão, nos versos e prosas que escrevo, nas telas que pinto e nos desenhos que faço, além desse dom infinito de gostar daquilo que muitos não dão nenhum valor: ouvir um Strauss, um Vivaldi, acordar cedinho e abraçar o humor da natureza, fazer minhas orações e ler meus Salmos, acender incensos e cumprir o ritual que o pensador antigo ensinou: nenhum dia sem uma nova linha. Criar, recriar, escrever sempre, é o que faço todos os dias.
Outro dia, no final de 2008, cumprindo a sina das incertezas da vida, pensei que estava bem num instante e no outro já estava em coma induzido. Foram treze dias pairando pelos horizontes fronteiriços e talvez me perguntando se teria que ir ou voltar. Mais sete dias passei no hospital ainda sem saber o que realmente teria ocorrido comigo. Pressão talvez, impressões não sei. O que realmente sei é que saí do leito hospitalar como alguém que precisa correr para reconstruir, para fazer e fazer como se tudo feito até aquele momento ainda não tivesse significado algum. Fazer e me refazer, viver e reviver os erros para mudar, amar cada vez mais a vida e fazê-la sempre revivida. Ora, alguém disse levanta e vai, vai ser menino ainda, vai ser sonhador ainda, você ainda é jovem, você pode ser muito mais útil na vida do que ser somente uma saudade para alguns. E é sempre bom ouvir o bom conselho, até mesmo porque quem aconselha vive eternamente ao meu lado, guiando os meus passos, não deixando ultrapassar aquele horizonte cedo demais.
Outro dia ainda, em meados do ano passado, minha mãe foi chamada por Deus a ir morar ao seu lado. Morreu ainda jovem, aos 65 anos, um destes vivido na dor da doença que se alastrava. Pensava que era forte, porém esmoreceu muito quando fui hospitalizado. E quando voltei para casa, aquela imensa alegria não escondia a tristeza que sentia por sentir-se cada vez mais enfraquecida. Ela sabia que ia partir. E partiu na véspera da festa de São João, com aquele foguetório todo iluminando os céus e uma vela acesa dizendo adeus. É a festa nordestina do brincar ou chorar.
Por essas e outras, anteontem, ontem, hoje e amanhã, foram e serão momentos que ritualizo a cada entardecer e anoitecer. Depois dos ofícios da vida, das petições e dos códigos, tenho que ter tempo para ver o sol se escondendo, para ouvir o barulho da chuva, para mirar a lua que surge distante, para o encantamento com as nuvens cor de fogo no entardecer, para sentar lá no fundo da casa e relembrar as boas e todas as coisas da vida, para refletir sobre o realizado, o realizável e o sonho. E se escurece mais, que me venha a lua inteira, as estrelas e o vento, os sopros da noite e as ventanias, as alegrias e as tristezas, a saudade e a poesia com o nome dela, da mulher persistente no coração. Queria uma fotografia chorando, pra não ter que revelar um dia certas tristezas guardadas.
Estou ainda por aqui e sou assim, mas gostaria de ser muito mais o menino sertanejo que ficou distante. Quem dera subir no umbuzeiro e balançar seus galhos, roubar cajus do quintal do valentão, catar araçá no meio do mato, tomar banho de riacho, jogar bola descalço no chão cortante, brincar de pião, de bola de gude e de pega de boi, caçar passarinhos com peteca baleadeira, ter uma fazenda repleta de pontas de boi e ser rico com o dinheiro feito de papel de carteira de cigarro. Tinha um amigo que comprou o sertão inteiro, e depois perdeu o que tinha numa aposta para ver quem corria mais. Além disso, tomou uma surra quando chegou em casa.
Tudo que lembrei de dizer foi dito pela metade. O que está completo em mim é somente os 46 anos de minha idade. O restante será sempre metade porque nada do que fazemos é completamente construído e tudo que pretendemos fazer é marcado pela imperfeição dos que deviam saber que é sempre possível fazer melhor. Eis a vida ou o que parece ser. Me disseram que é e é assim mesmo.
Advogado e poeta
Rangel Alves da Costa*
Sou sertanejo de sangue, de herança matuta, de raiz. Nasci no sertão sergipano do São Francisco, num município que é o maior do estado, pela vastidão de suas terras, mas ao mesmo tempo não é nada, pela pobreza infinda que ali se instala, machuca e destroi. Seu nome é Poço Redondo, mas bem poderia ser Vila dos Confins, Mundaréu, Distância ou qualquer coisa que o valha. Foi lá que morreu Lampião, no ano de 38, na Gruta do Angico; foi lá que plantaram a esperança e nasceu aquele sol gigante, que queima o ano inteiro, esturrica a planta e mata o bicho, e que tem por companheira uma mulher ingrata chamada seca.
Vim para a cidade grande ainda molecote, com cerca de onze anos, estudar e “ser alguém na vida”, como diziam os meus, pressupondo que se ficasse lá seria apenas mais um sertanejo. Melhor seria, talvez. Foi assim que vim, vi e venci, como disse o romano depois da difícil batalha. Minha vitória, contudo, foi muito maior, por ter conseguido apenas o suficiente para viver e ser feliz na minha profissão, nos versos e prosas que escrevo, nas telas que pinto e nos desenhos que faço, além desse dom infinito de gostar daquilo que muitos não dão nenhum valor: ouvir um Strauss, um Vivaldi, acordar cedinho e abraçar o humor da natureza, fazer minhas orações e ler meus Salmos, acender incensos e cumprir o ritual que o pensador antigo ensinou: nenhum dia sem uma nova linha. Criar, recriar, escrever sempre, é o que faço todos os dias.
Outro dia, no final de 2008, cumprindo a sina das incertezas da vida, pensei que estava bem num instante e no outro já estava em coma induzido. Foram treze dias pairando pelos horizontes fronteiriços e talvez me perguntando se teria que ir ou voltar. Mais sete dias passei no hospital ainda sem saber o que realmente teria ocorrido comigo. Pressão talvez, impressões não sei. O que realmente sei é que saí do leito hospitalar como alguém que precisa correr para reconstruir, para fazer e fazer como se tudo feito até aquele momento ainda não tivesse significado algum. Fazer e me refazer, viver e reviver os erros para mudar, amar cada vez mais a vida e fazê-la sempre revivida. Ora, alguém disse levanta e vai, vai ser menino ainda, vai ser sonhador ainda, você ainda é jovem, você pode ser muito mais útil na vida do que ser somente uma saudade para alguns. E é sempre bom ouvir o bom conselho, até mesmo porque quem aconselha vive eternamente ao meu lado, guiando os meus passos, não deixando ultrapassar aquele horizonte cedo demais.
Outro dia ainda, em meados do ano passado, minha mãe foi chamada por Deus a ir morar ao seu lado. Morreu ainda jovem, aos 65 anos, um destes vivido na dor da doença que se alastrava. Pensava que era forte, porém esmoreceu muito quando fui hospitalizado. E quando voltei para casa, aquela imensa alegria não escondia a tristeza que sentia por sentir-se cada vez mais enfraquecida. Ela sabia que ia partir. E partiu na véspera da festa de São João, com aquele foguetório todo iluminando os céus e uma vela acesa dizendo adeus. É a festa nordestina do brincar ou chorar.
Por essas e outras, anteontem, ontem, hoje e amanhã, foram e serão momentos que ritualizo a cada entardecer e anoitecer. Depois dos ofícios da vida, das petições e dos códigos, tenho que ter tempo para ver o sol se escondendo, para ouvir o barulho da chuva, para mirar a lua que surge distante, para o encantamento com as nuvens cor de fogo no entardecer, para sentar lá no fundo da casa e relembrar as boas e todas as coisas da vida, para refletir sobre o realizado, o realizável e o sonho. E se escurece mais, que me venha a lua inteira, as estrelas e o vento, os sopros da noite e as ventanias, as alegrias e as tristezas, a saudade e a poesia com o nome dela, da mulher persistente no coração. Queria uma fotografia chorando, pra não ter que revelar um dia certas tristezas guardadas.
Estou ainda por aqui e sou assim, mas gostaria de ser muito mais o menino sertanejo que ficou distante. Quem dera subir no umbuzeiro e balançar seus galhos, roubar cajus do quintal do valentão, catar araçá no meio do mato, tomar banho de riacho, jogar bola descalço no chão cortante, brincar de pião, de bola de gude e de pega de boi, caçar passarinhos com peteca baleadeira, ter uma fazenda repleta de pontas de boi e ser rico com o dinheiro feito de papel de carteira de cigarro. Tinha um amigo que comprou o sertão inteiro, e depois perdeu o que tinha numa aposta para ver quem corria mais. Além disso, tomou uma surra quando chegou em casa.
Tudo que lembrei de dizer foi dito pela metade. O que está completo em mim é somente os 46 anos de minha idade. O restante será sempre metade porque nada do que fazemos é completamente construído e tudo que pretendemos fazer é marcado pela imperfeição dos que deviam saber que é sempre possível fazer melhor. Eis a vida ou o que parece ser. Me disseram que é e é assim mesmo.
Advogado e poeta
Retorno (Poesia)
Retorno
Com feição
De deserto e sede
Marcado pelo sol
De azul e estiagem
Sentindo no corpo
O vazio e a dor
Cheguei na tua estrada
De destino e direção
Alcancei o teu jardim
De folhas e de chão
Bati na tua porta
De vontade e de resposta
Esperei na tua porta
De aflição e de silêncio
Sentei na tua porta
De temor e abandono
Dormi na tua porta
De pesadelo e certeza
Que era sonho retornar.
Rangel Alves da Costa
Com feição
De deserto e sede
Marcado pelo sol
De azul e estiagem
Sentindo no corpo
O vazio e a dor
Cheguei na tua estrada
De destino e direção
Alcancei o teu jardim
De folhas e de chão
Bati na tua porta
De vontade e de resposta
Esperei na tua porta
De aflição e de silêncio
Sentei na tua porta
De temor e abandono
Dormi na tua porta
De pesadelo e certeza
Que era sonho retornar.
Rangel Alves da Costa
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