São Francisco, o rio da aldeia...
SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.
segunda-feira, 3 de junho de 2019
Meu coração é teu (Poesia)
Meu coração é teu
Meu coração é teu
é meu não
mas se não quiser
devolva então
dei-me todo e mais
e por devoção
entreguei-me inteiro
assim como paixão
se não quiser mais
não me crie ilusão
me devolva pra mim
a melhor decisão
posso viver comigo
sem sentir solidão
posso amar novamente
e sem ingratidão.
Rangel Alves da
Costa
Palavra Solta - a estranha morte de Osmundo H.
*Rangel Alves da Costa
Osmundo H. era um bom vivant, como se diz.
Rico, solteiro, namorador, homem de viagens e de passeios. Um dia disse a si
mesmo, e a quem o quisesse ouvir, que já tinha vivido tudo e vivido demais, e
que agora só queria morrer. Então, colocou uma cadeira espreguiçadeira debaixo
de um sombreado de laranjeira e ali ficou. Quando uma visita chegava, era ali
que era recebida. Dormia ali, ali se alimentava, tudo fazia. Por mais que os
amigos insistissem para que voltasse à normalidade da vida mais ele repetia que
não, pois já era tempo de morrer e ali morreria. Passaram-se dois, três anos, e
nada de a morte chegar. Mas ele se mostrava contente, confortado, sem qualquer
alteração no ânimo e no humor. Já estava com oitenta anos quando olhou para o
alto e avistou uma laranja graúda, amarelinha, já em tempo de cair. Então
imaginou que se ela fosse maior e caísse sobre sua cabeça, certamente que a
morte chegaria no mesmo instante. Então ordenou que sua cadeira fosse levada
pra debaixo de um pé de uma jaqueira. E um dia, lá de riba, uma jaca mole
despencou e caiu bem no seu peito. Mas nada de causar maiores danos. Preocupado
com a morte que não havia chegado daquela vez, sentiu a fome maior do mundo.
Então comeu a jaca inteira. E não deu outra: morreu.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
domingo, 2 de junho de 2019
CARRANCAS DO VELHO CHICO
*Rangel Alves da Costa
Carranca é cara feia. É bicho feio da peia.
Na embarcação vem na proa como bandeira que hasteia, mas sua intenção
verdadeira é espantar o perigo que alardeia.
Protegendo a embarcação vem a carranca
assombrosa, com a cara grande feiosa, com assombração não quer prosa, só quer
que o barco navegue livre da água ruidosa.
Os dentes grandes da carranca, o nariz imenso
que atravanca, a língua avermelhada é do tamanho de tamanca, e logo faz
espantar o assombro n’água e da barranca.
A história da carranca é tão velha quanto o
rio. Num tempo de água muita, navegar com desafio, vencendo as profundezas e o
de causar arrepio, mistérios e assombrações, em tudo o calafrio.
As águas possuem beleza, mas também muita
afoiteza. Imagina a mansidão, mas logo vem a correnteza. E navegar desprotegido
é desafiar os desconhecidos da natureza, é pensar fazer o certo quando tudo é
incerteza.
Nos áureos do São Francisco, grandes
embarcações navegavam, nas águas se enfileiravam com destinos ribeirinhos e até
no rio pernoitavam. Então surgiam os mistérios que nas águas espanavam.
Seres desconhecidos surgidos das profundezas,
coisas estranhas demais com fúria e com brabezas, fazendo o navegante temer naquelas
águas de incertezas. E foram buscar proteção numa cara de rudeza, na carranca
mais feiosa e seu jeito de malvadeza.
Dum tronco grosso de madeira, o artesão foi
moldando, com sua arte cortando e a carranca criando. Um misto de gente e
bicho, com os olhos esbugalhando, o nariz se achatando, a língua se avolumando
e os dentes ponteando.
Quem avista uma carranca logo começa a temer,
pois a cara enfurecida faz a pessoa tremer, por medo que ela avance e queira a
pessoa comer. Foi com essa intenção, para a embarcação proteger, que a carranca
vai na frente espantando o que na frente aparecer.
Tendo à frente a carrancuda com sua cara
horrenda, não há ser que não se ofenda e que não fuja da senda. Os maus
espíritos do rio surgidos de cada fenda, logo somem ao avistar a cara de pouca
prenda, com seus dentes afiados e sua língua tremenda.
Não há navegante que não saiba dos perigos de
um rio. Basta entrar nas águas e é lançado o desafio, e quanto mais distancia
mais perde a chama o pavio, do nada o inesperado, no corpo o arrepio. Mas com a
carranca na proa o percurso é macio, pois a cara feia espanta tudo e das águas
faz senhorio.
A carranca é como escudo contra o
desconhecido que vem, das profundezas e além e das beiradas também, afastando
todo mal que o mistério detém, fazendo sumir das águas o mal que faz vai-e-vem.
A carranca é como arma para vencer o inimigo,
para afastar o perigo e para livrar a embarcação de um possível castigo. Basta
que sua imagem, com cara de pouco amigo, surja na curva do rio que o caudal se
faz amigo.
As carrancas do Velho Chico não existem mais
como outrora, com o tempo foram embora, desfeitas de hora em hora. Uma ali
outra acolá, como se o rio em nada mais apavora, com sua magreza de água que
faz sofrer e que chora.
Quando avistar uma carranca, pois não tenha
medo não. Na cara feia a proteção, do Velho Chico o seu pendão, uma arte na
história e um fazer de tradição, num tempo em que o homem navegava em profusão.
Imagino aquelas águas e a carranca chegando.
Barcos grandes e pequenos pelo Velho Chico passando. Ribeirinho no seu mundo e
o mundo inteiro remando. Saudade que vem chorando, lágrima que vai secando.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Dádiva de amar (Poesia)
Dádiva de amar
Por mais amor sentido
eu não me reconhecia assim
pelo amor agora tão agradecido
como um desejo de querer sem fim
o meu amor é moça bela
ela estava naquele sonho meu
um dia sonhada feito uma Cinderela
que ao meu coração tão linda apareceu
hoje do amor que dela me alimento
como seiva regando o canto da vida
com ela divido cada instante e momento
e por isso a existência por tudo agradecida.
Rangel Alves da
Costa
Palavra Solta - meu sertão
*Rangel Alves da Costa
Estava no sertão e voltei agora. Trouxe num
olhar uma lágrima de saudade. Trouxe no coração um amor compromissado de
retornar. Trouxe no desejo a certeza de que o mundo sertanejo sempre haverei de
amar. Pegar a estrada e sentir a diferença, cortar as distâncias e sentir a
alegria esvair, deixar para trás o contentamento e a felicidade. Por lá ficaram
as coisas boas da vida. Naquelas distâncias ficaram a ternura e singeleza. Uma
mão humilde apertando a sua, uma face enrugada agradecida pela presença, um
sorriso escondido querendo gritar de felicidade. Deixei atrás as estradas nuas,
os caminhos de terra, as flores do campo. Deixai no sertão a aurora
passarinheira e o por do sol do candeeiro, deixei a flor do mandacaru e o
pássaro cantando pertinho no pé de pau. Deixei o cuscuz, o bolo, o pão
quentinho, o arroz-doce, o mungunzá. Deixei o doce de leite com bola e a cocada
de fazer lamber os beiços. Deixei a ruazinha de casas singelas, as cadeiras
pelas calçadas, as amigas em proseado. Deixei tudo isso por lá. Mas logo
voltarei. Vou voltar. Meu amor está lá. Minha amada está lá. Vou voltar.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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