SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Lá no meu sertão...


Pouca chuva...



Linda (Poesia)



Linda

Ela é linda
negros cabelos
sorriso acanhado
nudez perfumada
que começa
e não finda
ela é linda

ela me olhou
o olhar me chamou
e assim de repente
o melhor presente
de um amor voraz
que não finda
e ela é linda.

Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - respeito aos cultos, religiões e igrejas



*Rangel Alves da Costa


A minha religião possui um coração como igreja e um Deus nos céus do meu espírito, de minha alma e da minha mente. A minha crença não possui matiz religiosa, ainda que o catolicismo em mim tenha sido enraizado na força das gerações familiares. Minhas avós e minha mãe eram profundamente católicas e na religião cristã fui ensinar a caminhar desde criança. Contudo, não significa que somente ao catolicismo eu deva respeitar, cumprir minhas obrigações de fé e partilhar de seus ensinamentos. Respeito toda crença, todo culto, toda feição religiosa, todo templo e toda manifestação. Convidado, já compareci a diversos cultos, já estive em diversas igrejas, e sou amigos tanto de padres como de pastores, tanto de mães-de-santo como de profetas e messiânicos. Ouço as pregações, demonstro absoluto respeito pelos livros sagrados, pelos afazeres próprios de cada religião, culto ou crença, porém no distanciamento necessário para que não tenha minha presença como um novo membro do templo ou do terreiro, por exemplo. E assim vou dividindo minhas crenças, ainda que no meu coração, no meu âmago, esteja a minha igreja e o meu pedestal sagrado. E o meu Deus!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

sábado, 1 de fevereiro de 2020

PASSARINHOS CANGACEIROS DE POÇO REDONDO



*Rangel Alves da Costa


Difícil de imaginar um pássaro levando no bico um punhal, um mosquetão, uma faca afiada, um rifle, uma cartucheira repleta de balas cuspideiras de fogo. Realmente difícil imaginar a ave escondida entre as folhagens e ramarias e num instante fazer espanar adiante o grito, a dor e o sangue. Qual passarinho seria capaz de fazer assim, tão humanamente agindo e mais parecendo um bombardeiro em meios às catingueiras e carrascais?
Mas assim acontecia. Assim acontecia nos tempos do cangaço, onde cada integrante do bando passava a ostentar um nome de guerra, alcunha ou apelido. Quem era Timóteo, por exemplo, na vida cangaceira passava a ser Perfumado, Cabriola ou Estrangeiro, dentre muitos outros nomes. Denominações até poéticas, exóticas, inocentes, cordiais, mas apenas para ocultar a verdadeira feição destemida, a voracidade em pessoa, o barbarismo em forma de gente. Ao invés de Besta-Fera, escolhia-se Querubim. Mas nada de anjo. Apenas a fera de sangue no olho e ferro nos dentes.
Por escolha do próprio Virgulino Ferreira da Silva, o Capitão Lampião, vez que este - em sua maestria de estrategista até repetia velhos apelidos em novos cangaceiros, de modo que as baixas fossem menos percebidas e a sensação de unidade de grupo tivesse continuidade -, procurava amenizar as durezas da vida cangaceira a partir de apelidos singelos e até contrastantes com a realidade. E assim foram surgindo as alcunhas, e hoje mais famosas que os próprios nomes.
A povoação sergipana e sertaneja de Poço Redondo teve nada menos que 34 filhos seguindo as veredas de Lampião. Foi igualmente fecunda tanto no fornecimento de rapazes e mocinhas ao bando como em apelidos sublimes demais para o destino escolhido. Numa ligeira observação, os filhos cangaceiros de Poço Redondo formaram fauna, flora, higienização e muito mais. De Sabiá a Cajarana, de Cravo Roxo a Sabonete, tudo é de Poço Redondo. Mas por que Delicado ser nome de um feroz cangaceiro? Cabia delicadeza no cangaço? Supõe-se que Zumbi não era dos mais simpáticos.
Fora os nomes de pássaros que logo adiante citarei, vejam que salada de apelidos que adornaram aqueles filhos de Poço Redondo: Delicado (João Mulatinho, irmão da cangaceira Adília) Demudado (Zé Neco), Coidado (Augusto), Cajazeira (José Francisco do Nascimento, o Zé de Julião), Novo Tempo (Du, irmão de Sila), Marinheiro (Antônio, também irmão de Sila), Elétrico, Penedinho (Teodomiro), Bom de Vera (Luís Caibreiro), Moeda (João Rosa), Alecrim (Zé Rosa), Moeda (João da Guia), Sabonete (Manoel Rosa), Borboleta (João Rosa), Quina-Quina (Jonas da Guia), Ponto Fino (José da Guia), Zumbi (Angelino), Cravo Roxo (Serapião), Cajarana (Francisco Inácio), e Santa Cruz. E ainda outros.
Mais de perto, interessei-me pelos nomes de passarinhos dados àqueles jovens sertanejos. Sabiá (João Preto), filho de Zé Bié e Dona Antônia; Canário (Bernardino Rocha), filho de Dona Virgem e Cante; Zabelê (Manoel Marques da Silva), filho de Antônio Marques da Silva e Maria Madalena de Santana; Mergulhão (Gumercindo, filho de Paulo Braz São Mateus e irmão de Sila); Lavandeira (filho de Virgem de Pemba); Beija Flor (Alfredo Quirino), filho de Quirino da Lagoa do Boi; e Azulão (Luís Maurício da Silva). E ainda houve um Borboleta (João Rosa). Borboleta, um lindo e multicolorido inseto, dando nome a uma fúria humana.
Como visto, um bando, uma revoada de passarinhos, uma ninhada de voejantes cortando os céus catingueiros e nordestinos. Vai um Sabiá, vai um Canário. Segue um Zabelê e logo ao lado um Mergulhão. Voando vai Lavandeira e bem à frente o Beija Flor. E também o Azulão. Tudo pássaro, tudo passarinho. Uma lindeza de avoantes, a mais linda das revoadas. Assim seria se em cada pássaro não estivesse um homem aprisionado em seu destino de luta, de guerra e de sangue. Maldosos e perversos sim, mas também pelo instinto de sobrevivência. Muito mais a luta pela sobrevivência do que a esperanças de dignas conquistas.
Canário, por exemplo, é passarinho bonito, de penas amareladas, de canto belo e voo plangente. Simboliza o ouro, a vitória, a conquista. Já o outro Canário, o cangaceiro, era tido como carrancudo e um dos mais feios do bando de Lampião. Ao invés da suavidade e singeleza do pássaro, este possuía ilimitada ferocidade e transformava suas poucas palavras em atitudes brutais. O Canário cangaceiro foi derrubado de seu voo na mata em 1938. Seu algoz, o também cangaceiro Penedinho, não usou badoque ou peteca baleadeira. Ao invés disso, lançou mão de arma de fogo e, atirando pelas costas, fez espanar sem pena as penas passarinheiras.
Já Zabelê, meu tio-avô Manoel Marques da Silva, possuiu história e destino muito parecido com o do pássaro de igual nome. O passarinho Zabelê, como se sabe, é ave de terno canto, um tanto recluso, tido até como poeta das aves. Bem assim o Zabelê cangaceiro, pois tido como versejador, romântico e reservado. Estava na Gruta do Angico em 1938 quando ocorreu a chacina. Salvou-se, contudo. E salvou-se, talvez em voo passarinheiro e para local tão distante que nunca mais apareceu em Poço Redondo, seu berço familiar.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Retrato



Novo amor (Poesia)



Novo amor


Um dia
após o outro
traz a folha
que o vento levou
e esperança
de um novo amor

e depois
do que foi perdido
brota pequena flor
e um jardim assim
num amor que vingou
e sem pensar em fim.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – para a eternidade



*Rangel Alves da Costa


Muita gente passa por situações na vida, principalmente pela perda de alguém amado, que de repente vai mudando seu jeito de pensar e enfrentar as realidades da vida, mas também da morte. Difícil de imaginar, mas é precisamente o relacionamento com a perda, com o enfrentamento de uma terrível dor pelo adeus de um ser amado, que faz o ser vivente muito mais consciente da realidade da vida. Daí em diante, desde o momento de despedida, passa a ser tomado de uma aura onde os limites do céu e da terra já não estavam ocultados. Passa a compreender que a mão erguida da terra pode, sim, ser tocada pela mão repousada no etéreo. Passa a perceber que os laços não se desenlaçam quando a vida e a morte se distanciam, eis que o amor continua unindo as distâncias. Passa a compreender que vida e morte são limites inexistentes, e assim por que o sopro maior que une os seres permanece vivo e ativo entre os que se reconhecem e se amam. Passa, acima de tudo, a lançar o olhar por horizontes que vão além das nuvens e alçam a moradia celestial. Passa a dialogar com a grande questão: a morte é o fim ou uma continuidade? Difícil saber a resposta exata sobre isso, mas certamente bastará um curto instante ao lado para saber do que guarda em si como resposta: Os que são amados permanecem naqueles que sabem amar. Os que amam sempre reencontram aqueles que deles nunca se separaram. Espiritismo? Apenas a certeza que no espírito está a estrada que aproxima pelo amor e distancia pela descrença e pelo esquecimento.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com