SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 20 de outubro de 2010

SE ME CONTAR DIGO QUE É MENTIRA (Crônica)

SE ME CONTAR DIGO QUE É MENTIRA

Rangel Alves da Costa*


Existem coisas que por mais que venham nos contar com feição de seriedade e até jurando por tudo na vida, de tão estapafúrdias, aberrantes e descomunais que são, temos que dizer que só podem ser mentiras.
Muitas vezes chegam para nos dizer a mais pura verdade, o que realmente existe aos olhos de todos, mas ainda assim não queremos acreditar. E não queremos aceitar aquilo como verdade porque seria o mesmo que dizer, como dizem, que é fim de mundo.
Fim de mundo porque não é mais possível viver e conviver com tanta safadeza, tanta devassidão, tanta luxúria, tanto pecado, tanta covardia, tanta mentira, tanta traição, tanto tudo. E tudo o que há de pior.
Por isso, ninguém venha me dizer coisas desse tipo que cito a seguir que eu digo na cara que é mentira, não podem ser, que é fim de mundo.
Casaram ontem e hoje já estão brigando, com ela o chamando de corno safado, e ele qualificando-a de prostituta barata. Vão entrar na justiça por causa de um fogão e uma geladeira.
A filha de dezesseis anos chega a hora que quer em casa e ainda leva a tiracolo amiguinhos para dormir em casa, no mesmo quarto e na mesma cama. E os pais não dizem nada porque a filhinha está em idade de autoafirmação.
Os amigos e parentes já haviam alertado aos pais que o garotão andava entrosado com uma turma diferente, com hábitos diferentes e deixando de frequentar a escola. Os pais insistem apenas em dizer que Júnior é incapaz de fazer qualquer coisa errada e que por ele botam as mãos no fogo.
A filha não trabalha, não ganha mesada, não ganha renda nenhuma, mas só vive comprando roupas e joias, não para em casa e vive dizendo que vai chegar mais tarde porque tem encontro com amigos no shopping. E os pais ficam apenas admirados com tanta roupa e joias bonitas que a filha ganha.
O político passou na casa dela e ela pediu para toda a família votar nele porque ele garantiu que vai dar emprego pra todo mundo.
Eu prometo que se eleito a saúde vai ser de primeiro mundo, a educação vai ser do mundo superior, a segurança vai ser do mais superior dos mundos e a habitação não tem mundo que seja igual. E o outro dizia que isto é que político bom.
Assim que arrumou emprego, no primeiro mês que recebeu o salário passou a noite no cabaré e saiu de lá sem um centavo. Disse a esposa que havia sido assalto. No segundo mês fez a mesma coisa, e disse em casa que parecia que os ladrões já sabiam o dia que ele recebia o dinheiro. No terceiro mês quebrou tudo que tinha em casa porque disse que a mulher não estava acreditando nele nem nos ladrões.
E a velhinha disse que não tinha medo de ser assaltada quando saísse do banco porque os ladrões são humanos para com os idosos.
Todo mundo avisava que a mulher o estava traindo com Sicrano, Beltrano e este e aquele outro, mas ele dizia que só acreditava se ela tivesse a coragem de dizer isso na sua cara.
Todo mundo que é católico apanha numa face e ainda oferece a outra, assim, de mão beijada.
Os exemplos são muitos, mas se você quiser pode acreditar em todos eles. Eu não. E nem venha com conversinha, pois se me contar digo que é mentira.




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Canção para dizer do silêncio, da palavra, do grito, do abraço, da felicidade, da paixão, da certeza e para dizer... (Poesia)

Canção para dizer do silêncio, da palavra, do grito, do abraço, da felicidade, da paixão, da certeza e para dizer...


Te amo!



Rangel Alves da Costa

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 1 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 1

Rangel Alves da Costa*


Viúva, sem ter o braço forte daquele que sustentava a família, Rosinha não via mais nenhum motivo para continuar sofrendo no sertão.
Era sertaneja sim, mas não daquele lugar, e sim de outra região bem distante. Tinha chegado ali porque o marido, depois de arrumar umas intrigas de sangue, teve que sair correndo pra outras bandas.
Fixaram residência naquele inóspito lugar, de secura de não se acabar mais, há cerca de sete anos. Morando de arranjo nas terras dos outros, embaixo de teto emprestado, enquanto o marido dava um duro danado fazendo de tudo com bicho e com terra, ela fazia doce de cabeça de frade pra vender na cidade.
Mas o dinheiro era muito pouco, não dava pra quase nada. O que ganhavam se consumia na farinha, no feijão, no quilo de arroz, no pedaço de carne de terceira ou quarta, com mais osso e pelanca do que tudo no mundo. Era a vida do quilo, do pedaço, do pouquinho...
O problema aumentava ainda mais porque apareceu Zezinho, parido aproximadamente um ano depois que os dois passaram a morar ali. Menino pequeno e sem luxo nenhum, sem mingau do bom nem coisa de mercadinho, ainda assim dava um gasto danado, principalmente porque qualquer moeda causava um gasto danado demais.
E tome papa d'água Zezinho, e tome mais papa d'água Zezinho. Só se sabe que foi assim que o menino foi se criando, até que aprendeu a diversificar sua comida e não saía da beirada da parede do casebre, cavando pra tirar barro. Comia barro como se fosse a maior delícia do mundo, chega lambia os beiços. E o buchinho sempre cheinho, atarrachadinho de lombrigas e verminoses.
Agora estava com seis anos, todo danado e espevitado, bonitinho que só, na morenice sertaneja curtida de sol. Na verdade, era meio embranquecido, de um claro puxando à morenice, de cabelos negros e lisos, rosto triste e olhos esverdeados. Parecia um calango se metendo em tudo, querendo subir por todo lugar, insatisfeito se a mãe mandasse que ficasse um minuto quieto num canto.
Quando estava com cinco anos, como não entendia nada dessas coisas de morte, dor e choro, apenas sentiu que algo muito diferente havia acontecido. Viu sua mãe chorar durante três dias inteiros e quase morrer de tristeza durante um tempão. Verdade é que nunca mais viu seu pai, que diziam ter sido morto numa tocaia.
Verdade é que os antigos desafetos do pai do menino não esqueceram o que ele havia feito no passado, descobriram onde o mesmo estava morando e foram esperá-lo por trás de uma moita na curva de uma estradinha. As armas cuspiram fogo e o homem caiu morto ali mesmo. Uns amigos se encarregaram do enterro e acabou-se a história do homem.
Um ano depois do ocorrido e a mulher não suportava continuar mais ali. Mulher viúva e com filho pequeno não consegue sobreviver com dignidade em terra estranha, onde não tem emprego nem família para ajudar. A seca que veio mais forte do que nunca espantava gente e quem dirá bicho.
Vou-me embora, vou-me embora, dizia ela enquanto limpava uma lágrima no canto do olho. Com medo, não pensava de jeito nenhum em voltar pra terra natal. Quem sabe se não pretendiam fazer com ela e seu filho o mesmo que fizeram com o marido? Perguntava-se, e com razão.
Rabiscou uma carta e mandou pra irmã que morava no sul. Pedia por tudo na vida que aceitasse recebê-la juntamente com o seu filho ao menos por uns tempos, enquanto dava um jeito na vida. E não durou muito chegou a resposta: "Pode vim, minha irmã, onde come um come dois".
Não tinha o que vender, não tinha que apurar nada, apenas arrumou a mala e foi pra cidade pegar o ônibus. Dinheiro contado, mas tinha que dar até chegar lá.
Zezinho implorou, chorou, esperneou pra levar o carro-pipa feito de lata de óleo e as duas pontas de vaca que dizia que era seu gado, mas não teve jeito.
Não tinham a quem dar adeus, não tinham em quem deixar saudade. Subiram no ônibus em direção à capital. De lá seguiriam viagem, se assim Deus permitisse, como disse Rosinha a si mesma.


continua...




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terça-feira, 19 de outubro de 2010

O PROBLEMA DA RAZÃO COTIDIANA (Crônica)

O PROBLEMA DA RAZÃO COTIDIANA

Rangel Alves da Costa*


Informo antecipadamente que o problema da razão aqui citado nada tem a ver com pressupostos, premissas ou postulados filosóficos que envolvam a razão ou a racionalidade. Pelo contrário, a razão aqui analisada é aquela mesma que todo mundo tem enquanto certeza que está sempre com a realidade a seu favor e que os outros estão sempre errados.
Segundo os estudiosos da racionalidade humana, a razão pode ser considerada como a capacidade que o ser humano possui de organizar a realidade na qual ele vive, fazendo com que esta se transforme em algo compreensível e ordenado. É um processo mental do indivíduo em busca do conhecimento e da validação, ou não, do que foi conhecido. É o conhecimento natural, por oposição àquele resultante da revelação ou da fé.
Em termos mais gerais, tem-se que a razão possui o mesmo significado de relação entre o que existe e o que se aceita como existente. É a faculdade de avaliar, julgar, ponderar idéias, raciocinar; é a capacidade de conhecer e compreender; é o funcionamento normal das faculdades mentais, vez que estas raciocinam dentro da normalidade. Daí a afirmação de que o ser humano é dotado de razão.
Contudo, pessoas existem que acham, pensam ou sonham que têm mais razão do que as demais. Para estas, somente o que afirmam está correto; somente o que pensam é o certo; somente o que desejam deve ser aceito. Seja pelo que for, pela desculpa mais esfarrapada que possa existir, ninguém mais na vida, a não ser a própria pessoa ou grupo da qual ela faz parte, tem o direito de estar com a razão em alguma coisa.
E acham que têm razão em tudo e acima de tudo por diversos fatores. Em primeiro lugar, porque acham que seria uma vergonha ou estupidez muito grande dar o braço a torcer quando podem, aos trancos e barrancos, confirmar a realidade daquilo que desejam, mesmo que no íntimo saibam que aquilo tudo está sendo feito por puro egoísmo e vaidade.
Em segundo lugar, porque se acham mais importantes, mais inteligentes e mais poderosas do que as outras. Sendo assim, sendo possuidoras de tais qualidades, seria inconcebível que o mundo não girasse aos seus pés e a vida não lhe servisse por pura obediência e submissão. Ora, se acham que os outros devem obediência, por consequencia devem também impor o que quiserem que não serão contestadas.
Em terceiro lugar, porque existem pessoas que são ignorantes ao extremo, brutas mesmo, chegando às raias do animalesco e que, por não saberem distinguir razão de emoção, realidade e fantasia e até verdade e mentira, fazem como bichos que usam antolhos, ou seja, não podem e nem sabem enxergar por outro caminho senão aquele por eles mesmos traçados.
São inúmeras as situações onde se poderia situar e exemplificar a razão única, a razão negativa, a razão mentirosa ou a razão conveniente, ou qualquer outro termo que se queira, com razão, criar. Contudo, a partir de umas poucas indagações é fácil se compreender até onde vai esse problema da razão cotidiana, como veremos.
Então respondam: Por mais que os filhos tenham agido errado, quantos pais reconhecerão o erro e afirmem que a razão está com quem falou sobre o problema? Numa briga entre famílias, qual a família que tem mais razão que a outra? Numa discussão, em quantos pedaços se divide a razão? Qual é o governante que assume o poder e diz que outro estava com a razão nisso ou naquilo?
Diante desse problema da multiplicidade de razões dentro de uma única razão, há que reconhecer que esse poder natural que possui o ser humano de querer subestimar a certeza do outro a qualquer custo, nada mais é do que pretender se valer de outros instrumentos para esconder um dos seus atributos mais peculiares, que é a mentira.
Ora, a razão forjada sobre tudo e todos é tão mentirosa quanto a própria mentira. Quem age assim, além de não ter razão é mentiroso nato, de si mesmo e na vida.




Poeta e cronista
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Distâncias (Poesia)

Distâncias


Ainda não sei
e talvez jamais saberei
se a distância
do que ficou pra trás
tem a mesma distância
do que vou seguir
pela frente

e não sei
e jamais saberei
porque não sei de onde vim
nem pra onde vou
e se onde estou agora
é fronteira ou fim de estrada

diga-me meu amor
onde estais
em que lado norte
é o norte da vida
que as distâncias esquecerei
e num gesto de saudade
num sopro de asas voarei.


Rangel Alves da Costa

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – Final (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – Final

Rangel Alves da Costa*


Em dez minutos a casa estava totalmente cercada por policiais. Dois minutos após e o delegado entrou pela porta dos fundos, que bastou ser empurrada.
Não havia nenhum barulho de vozes, de pessoas cochichando ou murmurando, nenhum som de nada, apenas o silêncio pairando sobre a casa escurecida. A luz existente na sala entrava pela janela aberta próxima ao oratório e à cadeira de balanço.
Assim que o delegado, pé-ante-pé, foi entrando na sala, enxergou logo algo que lhe deixou intrigado, pois uma pessoa toda vestida de preto, com uma bíblia no colo e rosário na mão, se balançava levemente na cadeira com o rosto virado para fora, para a malhada, para os matos e descampados. Mirava o mundo lá fora como se nada estivesse ocorrendo.
Aproximou-se um pouco mais e tomou um susto ao ter a certeza de que quem estava ali não era Dona Mundinha, mas sim Mehiel, que parecia ter incorporado a mãe com aquelas vestimentas, hábitos e posturas diante do oratório, dos santos e da vela acesa. Uma única vela acesa. Era a própria figura da mãe, porém numa perspectiva muito mais triste, mais acabada, mais fantasmagórica.
"Onde estão os outros? Não adianta fazer nada que é a polícia e estão todos cercados. Onde estão os outros. – E se aproximando um pouco mais – É você que está aí Mehiel, é você mesmo Mehiel. Onde estão o Padre Antonio e sua mãe, onde estão os outros? Por que você está assim Mehiel, vestido assim e se comportando como se fosse sua mãe Mehiel? Por que? Pode falar que prometo que não acontecerá nada a você não...". Falava baixinho o delegado, enquanto cuidadosamente ia se aproximando cada vez mais da cadeira.
O silêncio permanecia profundo naquela figura triste, toda de negro e parecendo morta. Mas quando o delegado, que ia se aproximando devagarzinho e já estava a uns cinco passos da cadeira, ia abrir novamente a boca para falar, o silêncio foi quebrado repentinamente do outro lado e este quase solta um grito.
Mehiel se virou na cadeira e disse: "Se eles queriam um monstro, o monstro nasceu agora. Se meus próprios pais queriam um monstro como filho, o monstro acabou de nascer. Mas eles nunca mais vão querer que o filho seja monstro, nem chamar de monstro e nem inventar que ele fazia coisas de monstro. Se agora eu fiz uma monstruosidade foi porque, foi porque...". E pendeu a cabeça para um lado, deixando cair da boca um líquido espumoso que o delegado soube depois ser veneno.
Mehiel, todo vestido nas roupas de sua mãe, todo do negro mais terrível que podia existir, agora estava morto. Havia se envenenado. O delegado confirmou a morte, balançando muitas vezes a cabeça e o corpo dele, mas a única coisa que pendeu de suas mãos foi um bilhete, que caiu ao chão e o policial não percebeu no momento.
Enquanto ia saindo da sala para tomar outras providências, o delegado tropeçou e quase cai por cima de dois sacos grandes deixados perto da porta. Mandou que abrissem a porta da frente para a luz entrar e viu aos seus pés o chão molhado de sangue vindo daquilo que estava nos sacos. Determinou que os policiais despejassem os objetos que estavam dentro no chão e viu duas cabeças ensanguentadas rolarem. Eram as cabeças decepadas de Dona Mundinha e do Padre Antonio.
Mas que monstruosidade, pensou o delegado.
Mas era isso que Mehiel estava dizendo, era sobre isso que ele estava falando, era sobre monstruosidade a sua última palavra.
Ele não era nem nunca havia sido monstro, mas os seus próprios pais quiseram criar um monstro e ali estava o fruto da forjada criação: o monstro e a monstruosidade contra os próprios pais.
O delegado apanhou o bilhete que havia rolado da mão do monstro, do suicida, ou coisa parecida, e lá estava escrito:
"Naquele dia o Senhor ferirá, com sua espada pesada, grande e forte, Leviatã, o dragão fugaz, Leviatã, o dragão tortuoso; e matará o monstro que está no mar" (Is 27,1).
E o delegado ficou tristemente pensando: Naquele dia a espada feriu Dona Mundinha, o dragão fugaz; feriu o sacerdote adúltero, o dragão tortuoso. Mas Mehiel era realmente monstro?


FIM




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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ABISMOS E ABSURDOS (Crônica)

ABISMOS E ABSURDOS

Rangel Alves da Costa*


Como se não bastassem as dificuldades que a vida apresenta para que o ser humano possa sobreviver, este mesmo ser supostamente consciente, responsável por atos e atitudes, parece achar que são poucas as dores e sofrimentos, e vive construindo abismos e vive praticando absurdos.
Para que tais pessoas possam lembrar, abismos são precipícios profundos, buracos imensos a se perder de vista, poços profundos, profundezas que exemplificam a derrocada na vida por ter submergido num mundo aparentemente sem saída. Estar à beira do abismo significa estar perto da destruição.
A Bíblia cuida do abismo, dentre outras passagens, nas seguintes citações: "o abismo os cobriu; afundaram-se nas águas como pedra" (Ex 15,5); "Abre um fosso profundo, mas cai no abismo por ele mesmo cavado" (Sl 7,16); "Não me deixeis submergir nas muitas águas, nem me devore o abismo. Nem se feche sobre mim a boca do poço" (Sl 68,16); "Vós me lançastes em profunda fossa, nas trevas de um abismo" (Sl 87,7); "Cuida de ti e presta bem atenção aos teus ouvidos, pois caminhas à beira de um abismo" (Eclo 16,18).
Por sua vez, absurdos, na linguagem comum, são atos que não faz nenhum sentido o ser humano praticar; algo que foge à normalidade das coisas; o que é contrário à razão ou que está para além dos limites da racionalidade; aquilo que é desprovido de propósito, sem nexo, inaceitável e contrário às regras estabelecidas pela sociedade. "Entre os profetas samaritanos vi absurdos: profetizaram em nome de Baal e desencaminharam meu povo de Israel", diz a Bíblia em Jeremias 23,13.
Mas vejo também absurdos nas famílias que deixaram de educar os seus filhos para as situações da vida e preferem entregá-los aos acasos do mundo; às incertezas nos circos cheios de feras; à própria sorte ou ao destino, que é traçado para o bem, mas pode ser encaminhado para o mal. Porque possuem frágil discernimento, logo são atraídos para os piores caminhos.
Mas vejo verdadeiros abismos diante dos pés desses jovens que, sob o propósito de que vale a pena testar ou experimentar tudo na vida para ver o que é bom ou ruim, se atiram aos vícios e aos perigos, se jogam impiedosamente nos caminhos daqueles que só querem transformá-los em seres sem futuro algum, dependentes da prática do mal para sobreviverem e quase mortos ainda vivos.
Absurdos podem ser avistados no convívio desumano da sociedade; na total falta de amizade e na proliferação dos ódios e das traições; naqueles que enxergam todos os outros como seus inimigos, como seus adversários e desafetos, e por pensarem assim fazem de tudo para destruí-los; no mais novo que vê o mais velho com desdém e descaso; no mais velho que finge não ter aprendido as lições passadas e continuam errando como jovens irresponsáveis.
Abismos vejo na juventude que não se contenta com o que tem e passa a vender até o seu corpo para adquirir aquilo que os modismos mandam; vejo nas ferramentas nas mãos dos pais, que evitando enxergar os desvios comportamentais dos seus, o que procuram é cavar o mais rápido possível o buraco por onde eles deverão entrar para sempre; vejo nos exemplos que muitos pais dão aos filhos, que por já estarem com as águas submersas até a cabeça só levantam as mãos para arrastá-los também.
Sinto que os absurdos se mostram cada vez mais claramente, expondo também suas consequencias, mas mesmo assim é cada vez maior o número daqueles que deixam de viver como realmente são, com respeito e dignidade, para viverem da imitação do pior que é imposto pela televisão, pela mídia, por todos os meios de comunicação. Não sabem que a trama da novela é ficção, mas o fim trágico de suas vidas não.
Sinto que os abismos não são mais tão profundos como imaginávamos, nem tão escuros como pensávamos. Basta sair às ruas, basta olhar a esquina, basta olhar nos olhos, basta enxergar os restos.
O pior é que na linha do tempo, que avança em tudo e cada vez mais, tudo isso ainda é o mínimo do que se verá daqui por diante. Não é profecia, mas deliberação, escolha do próprio homem.




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