SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 28 de julho de 2012

Maior que o mundo (Poesia)



Maior que o mundo


Eis que o nosso amor
tão grandioso e infinito
muito maior que tudo
tudo que há no mundo
e sei diante do mundo
e toda medida que há

amor de nuvem e horizonte
do tamanho do mundo
ou do nosso tamanho
que tem o tamanho do mundo
do tamanho do mundo
ou na medida do seu coração
muito maior que o mundo
do tamanho do mundo
ou igual ao amor que sinto
de imensurável tamanho
do tamanho do nosso mundo
ou do tamanho desse mundo
que é absolutamente grão
diante do nosso tamanho
e da imensidão do nosso mundo

não precisamos medir o amor
se conhecemos sua imensidão
o tamanho do que sentimos
e a certeza que amamos
amor maior que o mundo.


Rangel Alves da Costa

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (94)


                                            Rangel Alves da Costa*


Já menos surpreendida, porém sem ainda saber nada daquilo que acontecia, a bela solitária caminhou casa adentro tateando as coisas, tocando em tudo para ver se realmente era verdade o que os seus olhos viam, o seu nariz sentia, o seu senso tinha de apreciar. 
Quando não teve mais como duvidar de nada, se deu conta de outra situação intrigante: quem teria feito aquilo, como e por quê? Correu a entrar pelas dependências, a olhar pelos cantos, por debaixo das camas, até dentro de um velho baú, e tudo no intuito de saber se alguém havia chegado enquanto dormia e estava por ali escondido.
Fez o mesmo no quintal, ao redor da casa e mais adiante, indo mesmo até perto da mataria. Por ali não restou um só lugar que ela não procurasse, olhasse, futucasse. Cada vez mais intrigada, o passo seguinte foi começar a gritar perguntando se havia alguém ali, onde estava, que aparecesse.
Não obtendo qualquer resposta, entrou em casa novamente e foi até o quarto de sua mãe para fazer uma oração aos pés do oratório. E só esse fato já trazia uma significativa mudança nos seus modos de agir, pois já desde muitos meses que nem lembrava se existia santo, oratório ou nada que merecesse uma prece. Talvez até as orações já estivessem esquecidas.
Mas não, pois sabia muito bem o que queria rezar e rezou ajoelhada, ao lado da vela que também já estava ali acesa. Antes era apenas uma inteira flamejante, agora duas fulgurando ao lado do pequeno templo de madeira de lei e iluminando belamente o interior do aposento. Dentro do oratório as imagens pareciam sorridentes, alegres, vivazes.
Após a prece, invocou o nome do Senhor, dos santos, do seu anjo da guarda e começou a pedir, com uma força inabalável no recôndito do espírito, que o luzir das velas também a iluminassem, de modo a não permanecer mais envolvida em meio a tantos mistérios inexplicáveis e tormentosos, implorando ainda que lhe fosse permitido tomar conhecimento, ao menos por sinais, sobre quem havia feito aquela mudança toda na sua casa.
E nesse passo outra sensível mudança na vida de Crisosta. Após anos, somente agora parecia agir como ser humano normal, preocupada com coisas e fatos, agindo conscientemente, colocando sentido naquilo que pensava e dizia. Acaso permanecesse assim, logo daria um rumo na vida e faria suas próprias escolhas para seguir adiante. Num estado de consciência, de compreensão da realidade, até mesmo a opção pela solidão e o sofrimento seriam aceitáveis.
Enquanto ainda rezava, conversava com Deus, santos e anjos, sentiu como se algo estivesse acontecendo na sala ao lado, logo após a porta do quarto. Não ouviu qualquer barulho, qualquer passo ou pisada, mas tinha certeza que precisava ir até lá verificar o que estava ocorrendo, pois não duvidava que algo estranho seria encontrado. Por isso mesmo, reforçou seus pedidos de proteção e decidida levantou apressada. E foi até a sala.
Assim que colocou o primeiro pé no aposento ouviu um som de asas batendo, olhou na direção e apenas pôde enxergar uma miragem de duas asas de brancura incandescente e que já se dispersavam, voavam, desapareciam. Baixou o olhar e por cima da mesa avistou um pão dentro de um dos pratos de alumínio que tinha na cozinha. O alimento dentro da vasilha limpinha chegava a refletir os raios vindos de fora e formar algo como uma auréola luminosa.
E não somente isto, pois ao lado do pão estava uma Bíblia, que outra não era senão o seu próprio livro sagrado, trazido de seu quarto e ali colocada fechada, tendo precisamente a ponta de uma pena como marcador para uma leitura específica: Levítico 26. Logo lançou o olhar e começou a ler vagarosamente o seguinte trecho, pois destacado do restante:
“(...) Se seguirdes minhas leis e guardardes os meus preceitos e os praticardes, eu vos darei as chuvas nos seus tempos. 4. A terra dará o seu produto e as árvores da terra se carregarão de frutos. 5. A debulha do trigo prolongar-se-á até a vindima, e a vindima até a sementeira; comereis o vosso pão à saciedade, e habitareis em segurança na vossa terra. 6. Darei paz à vossa terra, e vosso sono não será perturbado. Afastarei da terra os animais nocivos, e a espada não passará pela vossa terra. 7. Quando perseguirdes os vossos inimigos, cairão sob vossa espada. 8. Cinco dentre vós perseguirão um cento, e cem dos vossos perseguirão dez mil, e os vossos inimigos cairão sob vossa espada. 9. Eu me voltarei para vós, e vos farei crescer; multiplicar-vos-ei e ratificarei a minha aliança convosco. 10. Comereis as colheitas antigas, bem conservadas, e lançareis fora as velhas, para dar lugar às novas. 11. Porei o meu tabernáculo no meio de vós, e a minha alma não vos rejeitará. 12. Andarei entre vós: serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo. 13. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei do Egito para livrar-vos da escravidão. Quebrei as cadeias de vosso jugo, e vos fiz andar com a cabeça erguida...”.
Não pôde deixar de perceber que grafado com maior destaque estava: “A debulha do trigo prolongar-se-á até a vindima, e a vindima até a sementeira; comereis o vosso pão à saciedade, e habitareis em segurança na vossa terra”.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

sexta-feira, 27 de julho de 2012

IGREJINHAS (Crônica)


                                             Rangel Alves da Costa*


Todas as vezes que pego estrada rumo aos lugarejos interioranos entrego-me completamente à apreciação das paisagens. Certamente que jamais poderia dirigir um veículo se me preocupo apenas em estar olhando de lado a outro.
E realmente vale a pena tanta curiosidade diante do que o meu olhar tem encontrado. Casarões antigos, destruídos, abandonados, marcas da história que vão sendo apagadas; casinhas de beira de estrada, sempre de portas abertas e eu a imaginar as vidas que sobrevivem ali; pequenos lugarejos de casas simples, humildes, com cadeiras na calçada e um povo nos arredores procurando o que fazer.
Contudo, o que mais me encanta são as igrejinhas que vou avistando em cima das serras, nos lugares mais altos, mas sempre em lugares despovoados, distantes das cidades. Ao longe apenas pequenos templos, muitas vezes já completamente deteriorados pela lenta e implacável ação do tempo.
Fico imaginando acerca da irresponsabilidade dos órgãos governamentais que deveriam verdadeiramente cuidar da preservação do patrimônio histórico. Tudo muito burocrático, lento, irrealizável. Projetos e mais projetos, estudos disso e daquilo, verbas que nunca são liberadas – ou são e ganham outra destinação – e um preço muito alto sempre pago pela história.
Verdade é que o patrimônio histórico fica totalmente entregue às durezas do tempo e das estações. Quando um órgão de preservação traz para si a responsabilidade de cuidar de determinado monumento parece pior. Eis que a partir desse instante ninguém poderá mais cuidar por conta própria daquilo que está caindo, despencando de vez. Tudo tem de ser feito pelo dito órgão, que nada faz.
Isto é o que está acontecendo com as igrejinhas que tanto avisto e aprecio, possuo uma infinita admiração. Viajando pela estrada, em locais elevados, vejo cada uma como se estivesse entrando pelas suas portas, caminhando pelo seu chão, ouvindo as vozes do seu passado.
E se quisesse e o tempo permitisse faria mesmo isso, desceria e seguiria até lá em cima, vencendo estradas de capins ou outras plantações. E ali somente eu e a igrejinha, minha vontade de conhecê-la, minha devoção, e sua receptividade. E me receberia sim, pois todas sempre de portas abertas, e até mesmo porque na maioria não existe mais portas, não existe mais quase nada por dentro, apenas a fachada pedindo socorro.
Quase todas pintadas de branco um dia, agora somente uma cor de barro, uma cor escurecida de velhice, de descaso, de abandono. Muitas delas tomadas pelo mato, com plantas subindo nas paredes, descendo do que era um telhado. Mas todas ainda misteriosas e imponentes, guardando em si histórias que é preciso conhecer para acreditar.
E certa vez um motorista me falou que apenas olhando para aquela igrejinha agora tão solitária e desprezada, pouca gente imaginava o que ela guardava por dentro e no seu subsolo. E contou-me sobre o ouro que encontraram nas suas grossas paredes e sobre os túneis cavados a partir dela.
Segundo o relato, num tempo muito antigo os padres construíam tais templos em lugares altos e afastados não só como forma de abençoar a povoação ao redor e mais distante, mas também como forma de se defenderem dos ataques dos inimigos da igreja, homens que se contrapunham à fé católica disseminada pelos missionários.
Daí que levantavam a igrejinha, permitiam um cotidiano normal, mas na calada da noite realizavam um trabalho hercúleo no seu subsolo, cavando a terra com a mão e instrumentos rudimentares, até escavar longos túneis em direção a saídas estratégicas. E túneis de muitos quilômetros, como vão aberto na terra, mal dando para passar um homem, mas que passava facilmente a fé obstinada.
Tenho uma dessas igrejinhas como plano de fundo no meu computador. No alto, pequenina e grandiosa, ainda com paredes e telhados, mas já sem porta. E quem me dera entrar ali agora para me ajoelhar diante do imenso altar que levarei no coração.




Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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Cantiga de mar/amar (Poesia)



Cantiga de mar/amar


Fiz uma cantiga
pra cantar no mar
cantar a cantiga
quando eu navegar
triste vela aberta
vento a desfraldar
cantando a cantiga
querendo chorar
lágrima marinheira
no sol a secar
um porto adiante
para mais cantar
verso de regresso
tanto apaixonar
o amor espera
pra ouvir o cantar

amor já voltei
venha me abraçar
cantar a cantiga
que aprendi no mar
um verso diferente
ao te abraçar
rimando somente
palavras de amar

amor voltei
venha me abraçar
leve o meu barco
para o seu mar
singrar o teu corpo
quero navegar
sereia me beija
quero o teu cantar...


Rangel Alves da Costa

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (93)


                                                   Rangel Alves da Costa*


Crisosta estava surpreendida, sobressaltada e não era para menos. Sua casa nem parecia mais aquela de antes, pois desde muito praticamente esquecida por sua única moradora, a própria que agora não acreditava no que via.
Verdade é que os seus problemas pessoais, sentimentalmente íntimos, haviam trazido consequências para aquele quadro que nada tinha a ver com desânimo, tristeza, aflição. Não porque ela quisesse, porque fosse desleixada ou suja. Pelo contrário, vez que a moradia era tudo que mais gostava e tencionava zelar.
Nela, as boas recordações, a eterna presença dos pais e dos irmãos, toda uma vida nascida e vivenciada ali e nos arredores. Mas não se pode negar o estado de abandono, de feiúra, de sujeira que passou a ter desde que começou a se mortificar intimamente.
Lá fora e lá dentro a força do tempo, do vento, os viventes do ar que passavam e pediam acolhida. Entravam e se transformavam em sujeira, acúmulo disso e daquilo, tudo suportado apenas por ela que já não se importava com nada.
Era moradia simples, humilde, com poucos e antigos móveis amadeirados, velha cristaleira, assentos e alguns enfeites espalhados aqui e ali. Um baú no quarto, também o oratório, também as malas e suas vidas esquecidas pelos cantos, debaixo da cama. Flores de plástico tão antigas que já pareciam sem cor, retratos já sem feições de tão amarelados, coisinhas simples de casinha mais simples ainda.
Quando sua mãe estava viva tudo era num asseio de brilhar panela de barro, de folha seca preferir seguir adiante, e assim continuou quando de seu falecimento. Crisosta procurava mantê-la na mais perfeita ordem, toda limpinha, varrida, sem nenhum pó que se instalasse por muito tempo em cima de alguma coisa. Mas só até os problemas surgirem. E o problema maior é que os problemas surgiram e foram ficando.
Os problemas foram fazendo também moradia e tomaram os espaços importantes naquela vida que já era de tristeza e solidão. Começou a desandar num mundo de tristeza, angústia e aflição, e de tal modo que até foi se distanciando dos afazeres mais simples do cotidiano, como zelar pela casa onde se vive.
Nesse passo de desleixamento, de descuido e até de cegueira diante da situação, dias e mais dias sem uma vassoura juntando o pó, a poeira, a imundície que se acumulava pelos cantos. Com a porta e a janela sempre abertas, as folhas secas, os garranchos e outras miudezas trazidas pelo ar iam se acumulando por cima de tudo, pelos cantos, pelas frestas.
Mas aos olhos dela, sempre tomados da nebulosidade do sofrimento, tudo estava em perfeita ordem, principalmente porque não havia qualquer motivo para querer diferente, para olhar de outro modo para o lugar onde vivia. Ora, tanto fazia a flor de plástico como a flor do campo, que a telha tivesse quebrada ou não, que os preás entrassem e saíssem como quisessem.
Bastava a janela, a cadeira, o entristecimento, olhar perdido mirando adiante e pronto. O resto que se danasse. Nem água na sua plantinha embaixo da janela ela colocava, nem trocar os pavios dos candeeiros lembrava. Tinha que acabar pra ela perceber e fazer tudo automaticamente, numa frieza triste, sem sentimento algum na ação.
Contudo, e não se pode esquecer, sempre manteve um cuidadoso e rigoroso asseio pessoal, principalmente no banho diário. Nas roupas não, no pentear os cabelos também não, em sempre estar calçada também, mas da pele adentro se mantinha sempre bem cuidada. Mas não porque tivesse tanta preocupação, tanto cuidado consigo mesma, mas talvez apenas pelo costume já cimentado desde as exigências de sua mãe.
Daí que não era pra menos tamanho susto quando olhou para dentro e viu a casa toda limpinha, arrumada, varrida, com flores novas nos jarros, com madeira nos móveis que chegavam a brilhar. E também um perfume bom pelo ar, uma fragrância maravilhosa que inebriava até aquele tristonho olfato que vinha parecendo insensível.
E uma música, um canto, uma melodia, e tudo como se surgisse de uma voz pelo ar, soprada na brisa. E a luz, a luminosidade, uma indescritível sensação de paz e aconchego em um lar tão humilde. E os olhos encantados, apenas enxergando tudo sem poder acreditar.
Como aquilo pôde ter acontecido, como aquela transformação havia novamente lapidado a pedra?
Continua...  


Poeta e cronista
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quinta-feira, 26 de julho de 2012

AMIGO TROGLÓ, O DAS CAVERNAS (Crônica)


                                               Rangel Alves da Costa*


Conheci Trogló quando eu ainda estudava o ginasial ou coisa parecida, naquela época em que o estudo era dividido em séries ou anos. E foi durante uma aula de história que o avistei pela primeira vez.
Durante uma lição, estava folheando o velho livro didático na parte que tratava acerca dos primórdios da humanidade, mas precisamente sobre os períodos históricos do homem. Como o texto possuía muitos desenhos exemplificativos, de repente me deparei com o amigo que conservo até hoje.
Estava ele lá desenhado todo disforme, cabeludo, coberto com poucas roupas de pele de animais, acocorado junto a uma fogueira encimada por um animal estirado em vara para assar, com um instrumento feito de osso à mão e tendo ao fundo uma caverna. A etapa era o da pré-história, o período o do paleolítico, a idade a da pedra lascada, e o nome do meu amigo a partir daquele momento passou a ser Trogló.
Trogló porque no momento lembrei-me dos trogloditas, homens primitivos que viviam em cavernas nos tempos antigos. Contudo, o mais interessante é que gostei tanto do desenho que acabei arrancando a página do livro e colando-a bem ao lado do guarda-roupa do meu quarto. Todos os dias, até por diversas vezes, eu ia olhar o desenho e imaginar como seria viver naqueles tempos.
E não durou muito e eu já conversava com a figura de Trogló como se ali estivesse um amigo em carne e osso, de verdade. O tempo foi passando e a amizade aumentando, até que um dia comecei a sonhar com o estranho primitivo. No sonho, o acompanhava em caçadas, batendo pedra em pedra, friccionando para sair faísca e queimar garranchos, fazendo surgir enormes fogueiras, se lambendo deliciosamente com pedaços de javali apenas chamuscados de fumaça.
Mas numa noite o sonho veio mais estranho ainda. Depois de jogar ao lado da fogueira um animal que trazia às costas, virou-se e começou a grunhir como se quisesse falar comigo, apontando na minha direção. Falava, pulava batendo no peito, e depois apontava. Já no sonho seguinte disse, falando claramente, que um dia me faria uma visitinha.
Estava tão acostumado que não tive medo. No outro dia não sosseguei esperando a visita do amigo Trogló. A todo instante ia até o desenho avistá-lo e depois corria até a janela para olhar adiante; ficava atendo para ouvir se alguém batia na porta, e até debaixo da cama olhava de vez em quando. Contudo, passaram-se mais de trinta anos sem que o visitante aparecesse. Uma decepção que não me tirou totalmente a esperança de um dia encontrá-lo.
Os sonhos foram rareando, quase não surgindo mais, mas de vez em quando eis o amigo dizendo que não havia esquecido a visitinha. Mudei de casa, de cidade, mudei minha vida completamente, pois já exercendo profissão, mas nunca deixei nem de conversar com o desenho nem de esperar Trogló aparecer a qualquer momento.
Até que um dia, sem que eu possa nem de longe imaginar como aquilo pôde acontecer, eis que o estranho visitante surge no meu quintal. Assim que abri a porta cedinho e lá estava o primitivo da pedra lascada acocorado, com as mesmas vestimentas – ou quase nenhuma - e feições mostradas no desenho. Olhou em minha direção e atirou um enorme pedaço de osso que quase me acerta de cheio. Era o seu jeito de cumprimentar e presentear.
Depois levantou, e talvez também tendo sonhado comigo lá por onde vivesse, começou a falar a mesma língua que eu não conseguia pronunciar no momento. Antes que eu dissesse alguma coisa, se antecipou e falou que havia demorado mas não havia esquecido o prometido, e por isso mesmo estava ali.
Contudo, ainda diante de minha mudez espantada, prosseguiu dizendo que só havia aparecido agora mas já estava pelos arredores, passando de lugar a lugar, desde muito tempo, a mais de trinta anos andando de lado a outro. E o seu último lugar de visita seria ali, pois dali mesmo iria embora sem nem olhar pra trás.
Com o aparecimento da voz, pude então perguntar por que já ia embora assim sem ao menos querer olhar pra trás. E ele respondeu: “Pensei que a humanidade havia progredido, mas não. Todo mundo estuda para conhecer o jeito rude, grosseiro e até violento que o homem primitivo vivia. No entanto, não troco minha pedra lascada pela modernidade. A gente só tem a pedra, o fogo, a água, a caça e a caverna para morar. E vocês têm de tudo, e têm até demais. Mas para que serve, se humanamente não progrediram nada?”.
E foi embora em seguida. E teve razão em ir embora daquele jeito tão desgostoso. Também não entendo o que nós, ditos civilizados, fazemos aqui. Qualquer dia desses vou embora também. Juro que uma caverna é bem melhor do que o muro baixo do vizinho ou a janela que se abre do outro lado da rua.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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A boca, o beijo... (Poesia)



A boca, o beijo...


Quero dar um beijo
beijar a sua boca
mas somente
se sua boca quiser
beijar a minha boca
se abrir a boca
não posso beijar a boca
se falar com a boca
dirá não ao beijo
mas se permanecer
com a boca fechada
aquecendo os lábios
corando a face e tudo
tremendo o corpo
é porque quer o beijo
e então vou aproximar
minha boca da sua boca
e quando os lábios
de sentimentos próprios
quiserem se tocar
talvez nem saiba mais
o que é um beijo
tão perdido em desejo
querendo logo voar
ou na relva deitar
para amar...


Rangel Alves da Costa