Rangel Alves da Costa*
Todas as vezes que pego estrada rumo aos lugarejos interioranos entrego-me completamente à apreciação das paisagens. Certamente que jamais poderia dirigir um veículo se me preocupo apenas em estar olhando de lado a outro.
E realmente vale a pena tanta curiosidade diante do que o meu olhar tem encontrado. Casarões antigos, destruídos, abandonados, marcas da história que vão sendo apagadas; casinhas de beira de estrada, sempre de portas abertas e eu a imaginar as vidas que sobrevivem ali; pequenos lugarejos de casas simples, humildes, com cadeiras na calçada e um povo nos arredores procurando o que fazer.
Contudo, o que mais me encanta são as igrejinhas que vou avistando em cima das serras, nos lugares mais altos, mas sempre em lugares despovoados, distantes das cidades. Ao longe apenas pequenos templos, muitas vezes já completamente deteriorados pela lenta e implacável ação do tempo.
Fico imaginando acerca da irresponsabilidade dos órgãos governamentais que deveriam verdadeiramente cuidar da preservação do patrimônio histórico. Tudo muito burocrático, lento, irrealizável. Projetos e mais projetos, estudos disso e daquilo, verbas que nunca são liberadas – ou são e ganham outra destinação – e um preço muito alto sempre pago pela história.
Verdade é que o patrimônio histórico fica totalmente entregue às durezas do tempo e das estações. Quando um órgão de preservação traz para si a responsabilidade de cuidar de determinado monumento parece pior. Eis que a partir desse instante ninguém poderá mais cuidar por conta própria daquilo que está caindo, despencando de vez. Tudo tem de ser feito pelo dito órgão, que nada faz.
Isto é o que está acontecendo com as igrejinhas que tanto avisto e aprecio, possuo uma infinita admiração. Viajando pela estrada, em locais elevados, vejo cada uma como se estivesse entrando pelas suas portas, caminhando pelo seu chão, ouvindo as vozes do seu passado.
E se quisesse e o tempo permitisse faria mesmo isso, desceria e seguiria até lá em cima, vencendo estradas de capins ou outras plantações. E ali somente eu e a igrejinha, minha vontade de conhecê-la, minha devoção, e sua receptividade. E me receberia sim, pois todas sempre de portas abertas, e até mesmo porque na maioria não existe mais portas, não existe mais quase nada por dentro, apenas a fachada pedindo socorro.
Quase todas pintadas de branco um dia, agora somente uma cor de barro, uma cor escurecida de velhice, de descaso, de abandono. Muitas delas tomadas pelo mato, com plantas subindo nas paredes, descendo do que era um telhado. Mas todas ainda misteriosas e imponentes, guardando em si histórias que é preciso conhecer para acreditar.
E certa vez um motorista me falou que apenas olhando para aquela igrejinha agora tão solitária e desprezada, pouca gente imaginava o que ela guardava por dentro e no seu subsolo. E contou-me sobre o ouro que encontraram nas suas grossas paredes e sobre os túneis cavados a partir dela.
Segundo o relato, num tempo muito antigo os padres construíam tais templos em lugares altos e afastados não só como forma de abençoar a povoação ao redor e mais distante, mas também como forma de se defenderem dos ataques dos inimigos da igreja, homens que se contrapunham à fé católica disseminada pelos missionários.
Daí que levantavam a igrejinha, permitiam um cotidiano normal, mas na calada da noite realizavam um trabalho hercúleo no seu subsolo, cavando a terra com a mão e instrumentos rudimentares, até escavar longos túneis em direção a saídas estratégicas. E túneis de muitos quilômetros, como vão aberto na terra, mal dando para passar um homem, mas que passava facilmente a fé obstinada.
Tenho uma dessas igrejinhas como plano de fundo no meu computador. No alto, pequenina e grandiosa, ainda com paredes e telhados, mas já sem porta. E quem me dera entrar ali agora para me ajoelhar diante do imenso altar que levarei no coração.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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