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domingo, 22 de julho de 2012

TANTO QUERIA DIZER, MAS JURO QUE NÃO POSSO... (Crônica)

                        
                                               Rangel Alves da Costa*


Feito agenda, diário ou caderno de recordações, a cada dia que passa vou me enchendo mais de pequenas coisas. Só que as palavras – e tudo fruto do passado, das relembranças e saudades – não se contentam em ser escritas e guardadas ou esquecidas por uns tempos, mas se impulsionam num grito tamanho que tenho de sofrer muito para não deixá-las ecoar.
E por que sofro tanto evitando expressar tudo de vez, gritando, falando ou mesmo murmurando? Eis que pactuei com o passado para deixá-lo somente lá no seu cantinho onde aprendeu a sofrer calado, nos caminhos vividos, nos passos dados, tudo já devidamente embalado no baú. Talvez num baú chamado coração.
Mas me rasga o peito, dói a alma, quero voar sem asas, quero gritar sem voz, quero chamar sem ter mais a quem, quero tudo. E simplesmente dizer uma coisa que me abafa, sufoca, aprisiona, entontece, faz enlouquecer. Juro, e acredite no que digo agora: tanto queria dizer, mas juro que não posso...
Não posso não, sei disso, infelizmente compreendo. E não posso dizer por que tudo diz respeito a dois, a nós dois, e correria o risco de dizer o que talvez nem lembre mais, nem queira mais ouvir, não queira mais aceitar. E tudo por causa de uma estrada chamada ontem. Tudo aconteceu ontem, mas tivemos de caminhar e de repente, mais adiante, entramos em veredas diferentes. A estrada que começamos juntos se dividiu e até hoje imagino o seu passo distante do meu.
E não posso dizer pela nova realidade que se impõe. Pouco sei das fronteiras de sua nova caminhada, nada sei sobre o melhor destino escolhido. Mas jamais me esquecerei da outra parte minha seguindo ao longe como sombra do meu coração; jamais me esquecerei do olhar distante, o último olhar, e da mão acenando para depois virar a esquina da vida. Até o seu passo era belo, distância graciosa e um não acreditar por amor.
Ontem à noite molhei com uma lágrima um cálice de vinho. Era noite sim, sem luz acesa, sem festa dentro de mim, apenas eu e a janela aberta deixando o vento entrar, eu e a chama da vela bailando a tristeza, eu e a música na vitrola. E quanto doeu ouvir:
“Como vai você? Eu preciso saber da sua vida, peça a alguém pra me contar sobre o seu dia. Anoiteceu e eu preciso só saber como vai você... Vem que a sede de te amar me faz melhor, eu quero amanhecer ao seu redor, preciso tanto me fazer feliz. Vem que o tempo pode afastar nós dois, não deixe tanta vida pra depois. Eu só preciso saber como vai você...”.
Isso mesmo, eu só queria saber de sua vida. Mesmo que o sofrimento seja ainda maior, eu só queria saber de sua vida. Será que ainda caminha solitária pela mesma estrada, será que encontrou um porto seguro ao lado de alguém, será que este alguém lhe fez algum bem, será que me esqueceu de vez ou será que também chora diante do vinho, acende uma vela e ouve uma música?
Ah, esse meu pensamento que quer mandar em mim, ter a minha voz, impor-se sobre os meus sentimentos. Queria apenas pensar um pouquinho, sofrer um pouquinho, viver apenas um tantinho assim daquilo tudo que houve entre a gente, recordar o beijo e o abraço, o corpo colado no outro, o maravilhoso prazer do compartilhamento com quem se ama. E vem esse pensamento a pensar demais, a me atormentar, a me fazer abrir a boca e gritar.
Mas não posso gritar, não posso dizer mais nada em respeito à sua ausência, ao seu novo momento, à sua nova vida. Quero tanto, quero tanto dizer tudo, mas juro que não posso. Se pudesse certamente o silêncio da noite ouviria:
“Oh, meu amor de um dia, meu amor de ontem, meu amor de sempre, e por tanto amor já vivido ao teu lado não poderia negar ao coração que ainda te amo, ainda te desejo, ainda te quero. Apenas os anos se passaram sem envelhecer os sentimentos. Se hoje sinto ainda tanto amor, talvez reste em você alguma boa recordação de nós dois. E faça asas do que restar, voe e venha pra cá!”.
Mas não posso gritar assim, juro que não posso. Dizem que o amor permite tudo, mas a felicidade não se ergue novamente em apenas um. Ao menos no amor, toda construção depende de dois. Por isso o vento assusta meu castelo, meu vinho já está aguado. E eu só precisava saber como vai você...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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