SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 30 de julho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (96)

                                         
                                                  Rangel Alves da Costa*


Que fato inusitado, impossível de acontecer, mistério que um dia haveria de ser desvendado, mas a verdade é que Crisosta, estando do lado de fora da casa, avistou a si mesma, a mesma Crisosta, do lado de dentro, ali sentada na cadeira e voltada para a janela.
Virada para a janela na mesma posição que a outra ficava, do mesmo jeito, com a mesma face, a mesma feição, os olhos distantes, um aspecto terrível de sofrimento e dor. Olhava para fora, avistava a outra, fixava o olhar sem luz, e assim continuava mesmo após a verdadeira Crisosta soltar o grito: Meu Deus!
Esta, a que continuava do lado do fora sem ter forças nas pernas para seguir adiante, começou a demonstrar seu espanto:
“Meu Deus, meu Deus, o que será que está acontecendo? Isso não pode ser verdade. Eu estou aqui, sou uma só e não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo. Quem é aquela outra ali sentada então, que é aquela que me olha desse jeito querendo chorar, com cara de sofrimento, parecendo mais uma alma do outro mundo. Será que morri, será que ali é meu fantasma, meu espírito, uma coisa do outro mundo? Mas não morri, não chegou ainda o meu dia, por mais que me dissessem que até já havia sido encaminhada. Mas eu não morri, não morri, continuo viva e aqui, sendo a única, sendo uma só. Então quem é você, fale, saia daí, diga alguma coisa, tenha coragem de mostrar quem realmente você é...”.
Calou um instante e encontrou coragem para se aproximar um pouco mais da janela. No passo que deu, próxima que estava, apenas confirmou ainda mais que não era outra senão ela mesma. E perguntou: Como é o seu nome, como foi parar aí, de onde veio, o quer aqui? De silêncio cerrado, apenas olhava no olho, e de forma profundamente no olhar da verdadeira Crisosta. Ou será que a verdadeira era a outra?
Os mesmos cabelos, a mesma roupa, tudo que se podia ser avistado em uma do mesmo modo se tinha na outra. Menos o desespero de uma e o silêncio meditativo da outra, a feição aflitiva de uma e apenas o semblante entristecido da outra, as tantas indagações de uma e as mudas respostas da outra. E de repente a que se achava verdadeira percebeu algo mais intrigante: a outra abandonou o aspecto triste e esboçou um sorriso.
Nesse momento, a que estava do lado de fora pensou em pular a janela naquele mesmo instante para tirar a limpo aquela história toda. Mas resolveu correr até a porta de entrada e se atirou veloz para o lado de dentro. Parou no instante que se dirigia até o local da cadeira porque não avistou mais ninguém sentado nela. Apenas o balanço, o sinal de que quem estava ali havia saído naquele mesmo momento.
Mas não pode ser. Agora mesmo havia outra pessoa parecida comigo sentada aí e agora encontro o canto mais limpo. Será que estão querendo me testar ou me enlouquecer de vez, será que estão brincando comigo, querendo me fazer medo, tentado que eu desabe de vez e me perca de novo num mundo de sofrimento e dor? Será, será, será, será? Perguntava a si mesma a agora lacrimejante Crisosta.
E de repente lhe surgiu a ideia de que quem estava ali bem poderia ter pulado a janela enquanto ela entrava em casa ou mesmo ter corrido para um dos quartos, a cozinha ou até mesmo o quintal. Então olhou da janela, entrou nos quartos, vasculhou embaixo das camas, procurou pelos cantos, pela cozinha e no quintal, mas nenhum sinal de qualquer presença.
Passou o restante do dia pensando no acontecido, imaginando tudo aquilo que repentinamente havia acontecido. E sua mente não parava um só instante, buscava compreender melhor um monte de fatos e acontecimentos capazes de testar dolorosamente a sanidade de qualquer um.
E nesse passo lembrou a visita da que se apresentou como querubim, as palavras ditas, a misteriosa limpeza da casa, o pão surgido na mesa, a Bíblia aberta naquelas palavras do Levítico, as suas promessas e o surgimento daquela outra pessoa com a sua mesma feição, a cadeira apenas balançando e o seu sumiço.
Antes de fechar a porta para deitar na rede ali mesmo na sala, decidiu fazer uma coisa que poderia ser o significado maior de sua mudança. Eis que foi até o local onde ficava a cadeira e retirou-a de lá, levando-a para um dos cantos do quarto da mãe. Não sentando na cadeira diante da janela não trazia ao pensamento coisas tão ruins, sofridas e dolorosas.
Ao menos assim pensava.
Continua...    
   
 
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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