Rangel Alves da Costa*
Crisosta sentiu-se mais segura diante do que ouviu, mas sem perder o receio de abrir a porta. Era voz de mulher, um som nunca ouvido, certamente uma estranha. E uma pessoa estranha por aquelas bandas, batendo à porta, causava preocupação em qualquer um.
Pensou um segundo, sentiu que deveria abrir, e fez o sinal da cruz enquanto levava a mão à tranca. Tudo tão rápido, mas teve certeza de ouvido vozes, estas já conhecidas, dizendo “abra”, “abra”, “abra”.
Não tinha tempo para outras preocupações, para se voltar para outras coisas no momento, mas verdadeiramente sentia ter pessoas ali dentro da casa, rodando a seu lado, ainda que não pudessem ser vistas.
Abriu e puxou a porta de vez. À sua frente, a uns cinco passos da entrada, estava uma mulher misteriosamente bela. De cor alva, média estatura, corpo magro, um rosto de feição suave, sublime, num misto de meiguice e delicadeza. Trazia um sorriso estampado que parecia morar eternamente ali.
Num emudecimento repentino, sem palavra alguma encontrada para cumprimentar a visitante, Crisosta apenas olhou-a nos olhos como a dizer que era bem vinda. Recebendo um sorriso e uma mão estendida, e ouviu antes que sua mão alcançasse a outra:
“Mas não se assuste, linda moça. Apenas passei por aqui, mas não vou me demorar muito. Tenho de retornar o mais depressa possível. Vejo e sinto indagações no seu rosto, um certo temor na sua feição. Mas não precisa ficar assim. Sou de paz, sou amiga, visitante apenas de passagem...”.
Crisosta enfim encontrou palavras, interrompendo a visitante: “Desculpe perguntar, mas quem é você, o que faz aqui, de onde veio e pra onde vai. Saiba que depois de muito tempo você é a primeira pessoa que caminha por essas bandas e passa por aqui. Mas entre para responder, se for possível...”.
Mas a visitante disse que não precisava não, que até preferia ficar por ali. E que se a dona da casa não se incomodasse que fossem sentar um instantinho embaixo da árvore sombreada ali na malhada. Então Crisosta catou dois banquinhos e a convidou a acompanhá-la.
Já sentadas à sombra, a moradora pediu desculpas por não ter perguntado se queria um copo d’água, uma xícara de café ou qualquer outra coisa. Disse que poderia voltar para providenciar o que ela quisesse, o que foi rejeitado pela visitante afirmando que pouco ou nunca tinha sede.
O passo seguinte foi Crisosta lembrar à outra sobre as perguntas que tinha feito, ao que esta, sempre sorridente, se pôs a dizer:
“Por favor não me ache estranha nem diferente. Se eu fosse dizer tudo sobre quem sou, de onde vim e o que faço na vida, talvez um dia inteira seria pouco. E talvez ainda assim você não compreendesse tudo. Mas digo que conheço seus pais, seus familiares já falecidos, sei onde estão. E também sei sobre o seu amiguinho. E ainda sei tudo sobre você, sobre o que tem passado, sobre sua solidão, sobre o que tem sofrido. E sei também da última viagem que você fez. Você lembra da última viagem que fez?...”.
Como Crisosta não conseguiu responder, continuou: “Como percebe, sei sobre tudo que vem acontecendo aqui, mas principalmente sobre o que acontece com você. Bela moça, conheço você muito mais do que às vezes você mesma se reconhece. Por isso mesmo sei tudo sobre sua última viagem. Lembra da última viagem e o seu significado?”.
Crisosta não acreditava no que ouvia. Pálida, trêmula, fez muito esforço para perguntar: “Mas quem realmente é você, é uma enviada, é um anjo?”.
E a visitante levantou, deu alguns passos ao redor antes de responder.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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