Rangel Alves da Costa*
Crisosta estava surpreendida, sobressaltada e não era para menos. Sua casa nem parecia mais aquela de antes, pois desde muito praticamente esquecida por sua única moradora, a própria que agora não acreditava no que via.
Verdade é que os seus problemas pessoais, sentimentalmente íntimos, haviam trazido consequências para aquele quadro que nada tinha a ver com desânimo, tristeza, aflição. Não porque ela quisesse, porque fosse desleixada ou suja. Pelo contrário, vez que a moradia era tudo que mais gostava e tencionava zelar.
Nela, as boas recordações, a eterna presença dos pais e dos irmãos, toda uma vida nascida e vivenciada ali e nos arredores. Mas não se pode negar o estado de abandono, de feiúra, de sujeira que passou a ter desde que começou a se mortificar intimamente.
Lá fora e lá dentro a força do tempo, do vento, os viventes do ar que passavam e pediam acolhida. Entravam e se transformavam em sujeira, acúmulo disso e daquilo, tudo suportado apenas por ela que já não se importava com nada.
Era moradia simples, humilde, com poucos e antigos móveis amadeirados, velha cristaleira, assentos e alguns enfeites espalhados aqui e ali. Um baú no quarto, também o oratório, também as malas e suas vidas esquecidas pelos cantos, debaixo da cama. Flores de plástico tão antigas que já pareciam sem cor, retratos já sem feições de tão amarelados, coisinhas simples de casinha mais simples ainda.
Quando sua mãe estava viva tudo era num asseio de brilhar panela de barro, de folha seca preferir seguir adiante, e assim continuou quando de seu falecimento. Crisosta procurava mantê-la na mais perfeita ordem, toda limpinha, varrida, sem nenhum pó que se instalasse por muito tempo em cima de alguma coisa. Mas só até os problemas surgirem. E o problema maior é que os problemas surgiram e foram ficando.
Os problemas foram fazendo também moradia e tomaram os espaços importantes naquela vida que já era de tristeza e solidão. Começou a desandar num mundo de tristeza, angústia e aflição, e de tal modo que até foi se distanciando dos afazeres mais simples do cotidiano, como zelar pela casa onde se vive.
Nesse passo de desleixamento, de descuido e até de cegueira diante da situação, dias e mais dias sem uma vassoura juntando o pó, a poeira, a imundície que se acumulava pelos cantos. Com a porta e a janela sempre abertas, as folhas secas, os garranchos e outras miudezas trazidas pelo ar iam se acumulando por cima de tudo, pelos cantos, pelas frestas.
Mas aos olhos dela, sempre tomados da nebulosidade do sofrimento, tudo estava em perfeita ordem, principalmente porque não havia qualquer motivo para querer diferente, para olhar de outro modo para o lugar onde vivia. Ora, tanto fazia a flor de plástico como a flor do campo, que a telha tivesse quebrada ou não, que os preás entrassem e saíssem como quisessem.
Bastava a janela, a cadeira, o entristecimento, olhar perdido mirando adiante e pronto. O resto que se danasse. Nem água na sua plantinha embaixo da janela ela colocava, nem trocar os pavios dos candeeiros lembrava. Tinha que acabar pra ela perceber e fazer tudo automaticamente, numa frieza triste, sem sentimento algum na ação.
Contudo, e não se pode esquecer, sempre manteve um cuidadoso e rigoroso asseio pessoal, principalmente no banho diário. Nas roupas não, no pentear os cabelos também não, em sempre estar calçada também, mas da pele adentro se mantinha sempre bem cuidada. Mas não porque tivesse tanta preocupação, tanto cuidado consigo mesma, mas talvez apenas pelo costume já cimentado desde as exigências de sua mãe.
Daí que não era pra menos tamanho susto quando olhou para dentro e viu a casa toda limpinha, arrumada, varrida, com flores novas nos jarros, com madeira nos móveis que chegavam a brilhar. E também um perfume bom pelo ar, uma fragrância maravilhosa que inebriava até aquele tristonho olfato que vinha parecendo insensível.
E uma música, um canto, uma melodia, e tudo como se surgisse de uma voz pelo ar, soprada na brisa. E a luz, a luminosidade, uma indescritível sensação de paz e aconchego em um lar tão humilde. E os olhos encantados, apenas enxergando tudo sem poder acreditar.
Como aquilo pôde ter acontecido, como aquela transformação havia novamente lapidado a pedra?
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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