Rangel Alves da Costa*
Diante dessa nova situação, da memória querendo brotar em Crisosta, a visitante querubim logo procurou motivar as recordações na outra: “Que bom que você está aos poucos percebendo que há esse lapso de tempo na sua vida, esses dias que realmente não sabe o que fez. Fique calma e tente recordar ainda mais...”.
Olhando para os lados da mataria, pensativa, se pôs novamente a falar lentamente, como se estivesse juntando pedaços, alinhando ideias, costurando detalhes:
“Realmente, que coisa mais estranha meu Deus, que coisa mais esquisita. Não sumi durante esse tempo, não passei todos esses dias dormindo, não desmaiei pra ficar desacordada esse tempo todo. Alguém coisa eu teria que estar fazendo, remexendo, ou até mesmo malinando ou não fazendo nada. Mas a verdade é que eu não pude deixar de viver esse tempo que é tão meu. Mas vivi sem saber o que fazia. Pelo que eu saiba, somente os mortos perdem a noção de ser, de existência...”.
A querubim sentia que estava bem próxima de chegar aonde queria. Estava no caminho certo diante das dúvidas apresentadas e principalmente quando ouviu sobre ter certeza que não havia dormido, desmaiada ou ficado desacordada durante aquele período de desaparecimento.
“Então faça o seguinte agora. Por enquanto esqueça que aqueles dias passaram, esqueça o que talvez tenha feito ou não nesse intervalo e se volte somente para tentar recordar outra coisa. Faça uma forçinha para tentar lembrar qual foi a última coisa que fez antes de esquecer o restante. Consegue?”. Falou a querubim, agora ela mesma um tanto nervosa.
E Crisosta olhou para um lado e outro, deu passos, deu voltas e enfim falou: “Só consigo lembrar da visita do meu amiguinho caçador e do meu irmão. Eles me falaram um monte de coisas que não lembro bem, mas foi muita coisa mesma. Minha cabeça estava tão fora de mim que acabei esquecendo quase tudo...”.
“Quase tudo? Se esqueceu quase tudo é porque alguma coisa consegue lembrar. Então fale, por favor fale do que ainda consegue recordar, ainda que não seja uma lembrança perfeita”. Colocando as mãos na cabeça, angustiada, ela apenas respondeu que não conseguia lembrar mais de nada.
A angelical visitante ainda pensou em falar na pedrinha, pois sabia que os dois falecidos haviam dito que ela procurasse a pedrinha que estava caída ali pertinho, logo adiante da casa, e que através dela poderia conhecer outras realidades de vida. Falar na pedra de devoção era essencial, mas somente adiante, pois agora ela mesma iria tomar a iniciativa de tudo.
A partir daquele momento diria tudo o que havia sido feito durante aqueles dias de ausência e de esquecimento. Então começou a desvendar todo o mistério:
“Realmente, a primeira recordação viva de sua memória está correta. Você esteve mesmo diante dos dois falecidos e eles lhe falaram sobre muitas coisas. E tudo para o seu bem. Depois direi sobre aquilo que de mais importante disseram. E ao sair daquele local onde os havia avistado, ao invés de ter feito aquilo que eles pediram, simplesmente você decidiu continuar como sempre vinha desde muito tempo, ou seja, voltada somente para a tristeza e a solidão. E foi porque nada parecia mais trazer um sorriso em seu rosto, uma alegria no coração, e também para evitar que de repente achasse que continuava normal quando já não estava, ou talvez tencionasse fazer um mal maior a si mesma, é que a força superior decidiu agir. Poderia simplesmente levá-la dessa vida num segundo, afastá-la da insistência em tanto sofrer. Mas não, por conhecer sua bondade, sua inocência, sua honradez e também conhecer os seus sonhos de felicidade, é que resolveu mantê-la aqui na terra. Contudo, tendo que pagar um preço. E foi por isso que você foi chamada dessa vida, mas sem morrer, para ser renovada, para renascer espiritualmente noutro estágio...”.
“Mas não estou entendendo nada. Você disse que fui chamada dessa vida para ser renovada e renascer espiritualmente, mas diz que não morri? Que brincadeira é essa? Então está tudo claro, bem mais do que claro. Eu morri não foi mesmo, eu morri para sempre não foi mesmo? Você não pode dizer que não. Somente gente morta encontra anjo e você mesma disse que é um anjo...”.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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