Rangel Alves da Costa*
Lamentável que isto pudesse estar acontecendo. A mensageira havia insistido, persistido, exposto tudo o que foi possível sobre a necessidade na sua mudança de comportamento, no seu modo de ver e enfrentar o mundo, mas ainda assim tudo parecia sequer ter sido ouvido.
Nem dois minutos se passaram desde a partida da visitante e Crisosta caminhava cabisbaixa, entristecida, como se nada tivesse acontecido com aquela visita. Antes de entrar pela porta, virou-se para frente da casa, agora com tudo ao redor já completamente tomado de sombras, e com os olhos tristes olhou vagarosamente de lado a outro. Em seguida voltou o olhar para o alto, ficando assim por uns dois minutos, para depois baixar novamente o olhar. Uma lágrima caiu sobre o chão.
Passou ao lado da pedrinha e nem se lembrou do que tanto já tinha ouvido sobre a sua presença ali, bastando abaixar e lançar o olhar sobre os cantos. Entrou em casa, acendeu o candeeiro, fechou a porta dos fundos e foi arrastar a velha cadeira de balanço até o lado da janela. Sentou e pôs a mirar o mundo sombreado lá fora, mas sem nenhuma vivacidade no olhar, qualquer sinal de contentamento na face. Apenas sentou, se pôs diante da paisagem que queria ver. E pronto.
E qual paisagem queria ver? Qualquer coisa e nada. Tanto fazia a sombra do dia, a noite chegando, a lua já arrumando as malas, os passarinhos procurando os seus ninhos, os bichos nas últimas algazarras do dia, a solene oração das folhagens, o vento que parece cantar cantiga nessa hora do dia.
Certa vez ouviu de sua mãe que a melodia soprada pelo vento, cantiga mesmo em muitos ouvidos sentimentais, era a coisa mais maravilhosa que o entremeado do entardecer para a noite podia oferecer. E um dia ela ouviu o vento cantando assim:
“Sei do silêncio dessa bela tarde, por isso manso venho atrás de ti, soprar segredo de um coração que ama e não quer mais partir. Vim para te ver e ir, seguir adiante no destino certo, mas se quiser que eu fique ao teu lado, abra a janela que me farei amado. Versos tenho para cantar baixinho, um leve sopro no teu peito amado, coisa boa é estar aqui, sempre ao teu lado não quero mais partir...”.
Mas nem do vento nem da velha canção Crisosta queria saber. Uma janela separando um olhar estático e uma vida viva a se fazer lá fora. Foi por isso que nem teve ilusões de ver o que não via, imaginar o que não estava enxergando, ter a certeza que tudo era diferente, fotografar uma paisagem triste porque queria um viver assim.
Coloque o brilho no olhar, olhe adiante, encontre um motivo bom para sentir alegria, para reencontrar a felicidade, diria a visitante se naquele momento estivesse ali. E se continuasse ali certamente não aceitaria nada do que se mostrava agora. Balançaria a cadeira e diria que olhasse o mistério em que tudo se transforma quando a própria pessoa busca a transformação.
E diria: Olhe ali o cavalo chegando a galope, belo cavaleiro traz na sua sela; a carruagem, olhe que carruagem mais linda que vem buscar a princesa; olhe adiante, veja que imenso e lindo salão, todo iluminado, cheio de candelabros reluzentes, com a orquestra pronta para dar os acordes da grande valsa da noite; ali parecia uma serenata de vozes serenas, daqui dá pra enxergar o vento com a flor na mão, a folha com violão, a lua dançando, as estrelas se enamorando.
Por mais que dissesse, alertasse, pedisse para olhar o mundo com outros olhos, talvez nada modificasse aquela feição triste, absorta, tomada por imagens e pensamentos que somente ela sabia a razão de ser. Será que havia esquecido tudo aquilo que havia acontecido um pouco mais cedo, as palavras e as advertências da visitante? Será que o diálogo não havia surtido qualquer efeito, que ela simplesmente ouviu já sabendo que aquilo não teria nenhum significado em sua vida?
Nem a própria Crisosta saberia ou poderia responder no momento. Entristeceu-se mais ainda sem perceber, chorou muito sem sentir. E também nem sentiu o sono chegando, os olhos fechando, o adormecimento profundo.
Dormia profundamente. A janela e a porta abertas e ela ali sentada na sua cadeira de balanço dormindo profundamente. Lá fora a noite simplesmente acontecia.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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