Pelas ruas do meu sertão...
SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.
sábado, 4 de julho de 2020
A porta aberta (Poesia)
A porta aberta
Não me lembro
mais
se quem abriu a
porta
e saiu primeiro
se foi eu
ou se foi ela
o vento entrou
e devastou
daquele amor
o que restou
a porta ainda aberta
o retrato na
parede
lençóis empoeirados
e nós dois por aí
um procurando o
outro.
Rangel Alves da
Costa
Palavra Solta – sair por aí
*Rangel Alves da Costa
Pra onde vamos? Vamos sair por aí. Vida nos
chama a viver. Buscar a paz pelas veredas, caminhos e estradas. Respirar o
sertão e o bicho do mato, sentir o farfalhar das folhagens e as canções
açoitadas no vento. Caminhar sem pressa, tendo olhar para tudo, sentindo cada
passo no chão e cada grão de areia. Vamos sair por aí. Caminhar os caminhos de
Lampião, do Conselheiro, do velho Vaqueiro, do andante desse mundão sertanejo.
Caminhar os caminhos que os da cidade não querem mais caminhar. Um casebre, uma
casinha de barro e cipó, um cheiro de café no fogo de lenha. Os horizontes
murmuram segredos a quem sabe ouvir. As paisagens contam tudo: a tristeza e a
alegria dependem da cor da paisagem. Já vi o cinzento e o ressequido escorrendo
dos olhos. Já vi o sorriso aberto no verde viçoso dos campos e além. Adiante
uma cancela, mais adiante uma porteira. Uma janela se abre, uma porta range
querendo abrir. O sorriso e a feição sertaneja. “Bom dia!”, “bom dia!”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
terça-feira, 30 de junho de 2020
MORRER NA TERRA: CANGACEIROS DE POÇO REDONDO QUE FORAM MORTOS EM POÇO REDONDO
*Rangel Alves da Costa
O cangaço percorreu quase o Nordeste inteiro.
De Pernambuco ao Ceará, foram muitos os estados que sentiram no chão e na pele,
nos ódios e nos afetos, as marcas e as consequências da presença cangaceira.
Homens do mundo, sem lar nem parada certa, o cangaceiro vivia à mercê da força
da caminhada ou do encalço do inimigo. Num repente, e tudo já se modificava, o
coito era levantado, o passo era apressado, o mosquetão começava a cuspir fogo.
Daí as mortes também serem ao largo das vinditas, em qualquer terra, em
qualquer chão.
Cangaceiro nascido num lugar, acaso
encontrasse a morte como desfecho, esta poderia acontecer nas mais distantes
lonjuras de seu berço de nascimento. Virgulino Lampião, por exemplo, veio ao
mundo em Vila Bela, Pernambuco, e dele se foi no então distrito sertanejo e
sergipano de Poço Redondo. Muitos se foram assim, distantes dos lares, das
famílias, de tudo o que haviam deixado para trás. Mas noutras situações o
destino, com suas forças e mistérios, acabou levantando na própria terra as
cruzes daqueles que nela haviam nascido.
Poço Redondo, no Alto Sertão Sergipano do São
Francisco, (localidade sertaneja da Gruta do Angico, do Fogo da Maranduba, das
Cruzes dos Soldados, do Coito da Pia das Panelas, e muito mais), também foi
destino de morte de muitos de seus filhos que um dia deixaram seus lares para
seguir os passos de Lampião. Canário, Enedina, Diferente, Mergulhão, Elétrico,
Moeda, Alecrim, Rosinha, todos, após as carrasquentas andanças debaixo de
distantes luas e sóis, acabaram retornando para o repouso final na própria
terra.
Todos estes poderiam ter dado seus últimos
suspiros em terras distantes. Por situações de perigo haviam passado, pelo fogo
da morte haviam cruzado, na direção da matadeira haviam estado. Mas não, saíram
ilesos para, já dentro da terra natal, terem suas vidas ceifadas. E tendo a
vastidão sertaneja como último leito, vez que nenhum dos mortos foi velado
pelos parentes e amigos nem teve sepultura minimante digna. Entre mandacarus e
xiquexiques, os gravetos em cruzes e seus epitáfios sem nada dizer.
Canário (Bernardino Rocha) foi morto em 06 de
setembro de 38, após a Chacina de Angico, na Fazenda Coruripe, nos arredores da
sede de Poço Redondo. O companheiro da também poço-redondense Adília, foi morto
à traição, com um tiro pelas costas, desferido pelo também cangaceiro Penedinho
(que era primo de sua companheira Adília). Mesmo tendo sido morto tão próximo
da sede, jamais teve digno sepultamento. Sua cabeça foi posteriormente decepada
e levada por Zé Rufino (comandante de volante sediado na baiana Serra Negra), e
o restante do corpo enterrado acerca de cem metros do local da traição.
Rosinha, no contexto cangaceiro mais conhecida
como Rosinha de Mariano, havia nascido na região poço-redondense da Maranduba,
sendo filha da afamada família Soares, irmã da também cangaceira Adelaide e
prima de Áurea de Mané Moreno (o da Bahia). Após a morte de seu companheiro,
Rosinha pediu permissão para se afastar temporariamente do cangaço. Permissão
concedida, mas não retornou no prazo dado pelo Capitão. Após seu intempestivo
retorno, sua sina já estava traçada: seria morta. A incumbência foi dada aos
cangaceiros Zé Sereno, Juriti, Balão e Vila Nova. Assim, ao lado do Coito da
Pia das Panelas, nas beiradas do Riacho Quatarvo, na região das Areias, em Poço
Redondo, a cangaceira tombou sem vida.
Por
sua vez, Mergulhão (Gumercindo Braz, irmão da cangaceira Sila e também dos
cangaceiros Novo Tempo e Marinheiro, filhos de Paulo Braz São Mateus), Elétrico
(filho de Pedro Miguel), Moeda (João Rosa, da região da Guia), Alecrim (José
Rosa, irmão de Moeda) e Enedina (Enedina do Nascimento, esposa do também
cangaceiro Cajazeira), todos estes foram mortos na Chacina do Angico de 38, nas
beiradas poço-redondenses do São Francisco, na região ribeirinha do Cajueiro. E
todos, tão próximos de suas moradias e de suas famílias, mas tão distantes de
qualquer retorno, tombando sem vida no próprio chão onde um dia nasceram.
Os túmulos destes, contudo, jamais foram
abertos em cemitérios locais. Alguns, como Canário (enterrado sem a cabeça) e
Rosinha, sepultados na solidão do meio das matas fechadas, espinhentas, assim
como foram suas vidas nas desvalias cangaceiras. Já outros, aqueles do Angico,
enterrados ao desvão do tempo, tiveram suas cabeças cortadas e levadas como
provas da derrocada de Lampião. E de um Cangaço que jamais foi vencido.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nunca mais (Poesia)
Nunca mais
Nunca mais deitei
na varanda
nem recebi um
afago de cafuné
nunca mais meu
amor chegou
me trazendo beijo
com sabor de café
nunca mais comi
doce de leite
recebido na boca
com sorriso e colher
nunca mais dei
buquê de flor
e chamei moça menina
de minha mulher
nunca mais fui
alegre e feliz
nunca mais cantei
um canto sequer
nunca mais amei
nem fui amado
sentir calor de
um corpo já não sei o que é.
Rangel Alves da
Costa
Palavra Solta – porteiras, cancelas...
*Rangel Alves da Costa
Eu gosto de porteiras e cancelas, gosto de
chegadas e idas, gosto de seguir adiante. Gosto de dizer que estou, gosto de
dizer que cheguei, gosto de meu olhar estender. Gosto de bater à porta, de
dizer bom dia, de sentar em tamborete e de prosear. Gosto de falar a terra, de
ouvir o chão, de deixar a palavrar ruminar e cacarejar. Gosto de olhar ao lado
e sentir o barro, a canção das folhagens, do sorriso dos campos e descampados,
do quintal que se alonga pelas entranhas do mato. Gosto do cheiro de café, do aroma
do toucinho e da tripa de porco chiando na velha frigideira. O gado mugindo, a
galinha ciscando, o velho carro-de-bois no sombreado do umbuzeiro. Uma
estradinha, uma vereda, um chão. Algo assim chamado sertão. De cristaleira
antiga, de relíquias de fé, de santos na parede de barro, de mão de pilão. Ah
como eu gosto de um mundo assim. Mas somente possível se houver estrada, se
houver porteira, se houver cancela...
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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