SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 31 de agosto de 2014

PAIS E FILHOS E A LIÇÃO DO TEMPO


Rangel Alves da Costa*


Recorda-se daqueles tempos, nos dias distantes ou parecendo que foi ontem, quando você se enraivecia porque seus pais diziam cuidado com isso, não faça assim, nem pense em agir assim novamente?
Lembra-se que você fazia de conta que nem ouvia, ou ouvindo nem demonstrava ter prestado qualquer atenção, quando seus velhos pediam para não deixar tantas luzes acesas, para não colocar no prato além da certeza da fome?
E também quando pediam para não deixar copos sobre o sofá, na estante ou em abandonados pela casa; para não fazer do chão uma lixeira ou não se esquecer de recolher a roupa seca do varal? Certamente você não gostava acaso perguntassem por que havia se demorado tanto noite adentro, onde estava e com quem estava.
Mesmo não agindo assim, muitas vezes você quis dizer que já era bem crescidinho para conhecer o bem e o mal, saber o que era bom e ruim e fazer suas próprias escolhas. E dizer também que já tinha idade suficiente para que ninguém se intrometesse na sua vida. Ora, já era dono do seu mundo.
E quantas e tantas vezes você, tendo ironizar a verdade, quis cantar para que sua mãe ouvisse. “Ei mãe, não sou mais menino, não é justo que também queira parir meu destino. Você já fez a sua parte me pondo no mundo, que agora é meu dono, mãe, e nos seus planos não estão você...”. Sim, faria da música de Erasmo Carlos a sua própria voz de falsa libertação.
Você agindo com falsidade consigo mesmo porque sabia muito bem das verdades contidas em cada palavra e em cada gesto de seus pais. Tinha consciência que as preocupações tinham fundamento, as lições eram justificadas, e simplesmente porque você também já sabia que nem tudo eram flores depois da soleira da porta de casa.
E também sabia que sua mãe começava a orar assim que você colocava os pés na calçada, que seu pai tantas e tantas vezes rondou seus caminhos para ver ao longe como você estava. Não se aproximava mais por medo de sua reação, de um possível descontrole de sua parte. Só Deus sabe como eles se sentiam ao saber que o seu estava nos braços do acaso.
E você sabia que seus pais sequer conseguiam cochilar até que tivessem a certeza de seu retorno. Sua mãe, coitada, se revirando na cama, aflita, de rosário na mão e prece na boca. Seu pai, mesmo não querendo transparecer as preocupações, a todo instante levantava com a desculpa de estar fazendo muito calor. E por isso mesmo precisava tomar um pouquinho de fresca. Calor que nada, pois sua ausência era o que tanto atormentava.
Você sabia de tudo isso, conhecia o medo de seus pais e as motivações para tanto temer. Pais não fingem amor, preocupação ou demonstração de sempre desejar o melhor para o seu. Criam, cuidam, educam, fazem de tudo para oferecer o melhor, e seria doloroso demais depois saber que o mundo havia transformado totalmente o seu.
Mas o tempo passa, avança, corre numa pressa danada. Você realmente cresceu, se fez adulto, criou responsabilidades, passou a ver o mundo de forma diferente e, o que foi mais importante, passou a reconhecer como acertadas todas aquelas atitudes e preocupações de seus pais.
E então reconhecem que seus velhos tinham razão ao pedir e pedir, ao implorar e implorar, pois desejavam somente o melhor para o seu. E reconhece ainda mais: Os pais não cuidam dos seus apenas para que nasçam saudáveis, para que cresçam felizes e tenham plenitude de vida. Eles deixam de serem pais para serem os filhos, e nada justificará viver se estes forem entregues ao sofrimento.
Mas a lição maior do tempo virá depois. Chega um dia que você sente que realmente gosta de alguém, vai construindo um namoro  mais sólido, até que um dia prova a afeição existente com uma aliança. De casamento, união e vida. Ou mesmo que apenas conviva com alguém que ama.
E com os filhos a comprovação das lições, daquelas mesmas lições escritas por seus pais. A situação já está invertida, o pai ou mãe agora é você, e aquelas mesmas palavras ouvidas no passado logo serão novamente pronunciadas. Só que agora de sua boca para o seu filho.
Seu filho é jovem, você entende a idade, mas sente que tem de cumprir aquele mesmo papel. E pede que tenha cuidado, que não se misture às más companhias, que não use drogas, que preste muita atenção na selva perigosa das ruas. E não apenas isto, pois igualmente seus pais fizeram no passado, também ficará noites em claro esperando o filho chegar, rezará a mesma prece que sua mãe orou por você.
Assim com filhos e filhas, com pais e mães, pois a vida vai transformando aprendiz em professor, e o tempo mostrando o passado num imenso espelho. Ali os seus pais, ou será você agora?


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: