SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Palavra Solta: no cangaço


Rangel Alves da Costa*


Depois que escolhe a sina não pode mudar o destino. Lampião não forçava ninguém a lhe acompanhar, mas também não deixava que o cabra desistisse da empreitada. Cangaceiro jurava fidelidade e por isso mesmo aquela vida escolhida seria para o restante da existência. O que se temia é que o cabra desapartado do bando acabasse fraquejando ou sendo forçado a contar os segredos de mantença da sobrevivência cangaceira. E não havia nem menos nem mais, pois tudo segundo a ordem do Capitão. Ora, deixar a vida sertaneja e entrar num bando cangaceiro significa abdicar da paz e viver em constante perigo. Não havia moradia, cama de dormir, banheiro nem mesa de almoço ou jantar. A casa era a caatinga, a vereda, o pé de serra, o tufo de mato, o coito, qualquer lugar no meio do mundo, debaixo da lua e do sol. Comida era o que fosse encontrado. Carne de bode, de caça, fruta do mato, tudo descia no bucho como iguaria requintada. Não havia longo repouso ou descanso, vez que tudo na pressa da fuga ou do encalço das forças inimigas. O cabra estava deitado com a cabeça por cima de pedra e de repente já tinha de estar posicionado com arma na mão. Qualquer barulho na mata podia ser sinal do inimigo. Os olhos tinham de avistar no meio da noite e os ouvidos discernirem entre bicho e gente. E quando a bala cruzava os ares, então a resposta cuspia fogo. Atirando, correndo, fugindo, avançando, gritando, silenciando, gemendo, sobrevivendo, morrendo. E assim dia e noite. E todo dia assim, entre espinhos e sangrias, nos carrascais sertanejos.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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