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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Uma intriga forrozeira entre Dudu Ribeiro e Gerson Filho


Rangel Alves da Costa*


Dudu Ribeiro e Gerson Filho - ainda que ambos alagoanos - tiveram destaque de ponta na tradição forrozeira sergipana. Gerson Filho muito mais famoso que Dudu Ribeiro, ainda assim na sanfona os dois duelavam sem vencedor. Dudu, nascido em Traipu, presença marcante nas festanças sanfoneiras nos sertões alagoanos e sergipanos, Gérson, nascido em Penedo, sempre devotado quando chegava aos rincões distantes ao lado de sua Clemilda. E os dois exímios na sanfona de oito baixos, aquela mesma de chamada numa mão e resposta na outra, também conhecido como fole de pé-de-serra.
Os dois, além de conterrâneos, eram muito amigos e de vez em quando se encontravam pelos forrós interioranos. Em Poço Redondo, no sertão sergipano, se encontraram algumas vezes, mas por motivações diferentes. Enquanto Dudu Ribeiro era sanfoneiro de salão, de festança em sala de reboco até o raiar do dia, Gerson se apresentava em shows ou mesmo em cima de palcos circenses. E relatam que foi num desses encontros que teve início uma verdadeira intriga forrozeira.
Em Poço Redondo conheci tanto Dudu Ribeiro como Gerson Filho. Aliás, Gerson e Clemilda eram muito amigos de meu pai Alcino Alves Costa e de vez em quando eram contratados para shows e para sentar à mesa em torno de galinha caipira e da porção de pimenta malagueta especialmente encomendada para o sanfoneiro. Ainda hoje recordo como Gérson fazia: simplesmente levava à boca uma porção de pimentas e depois as mastigava tranquilamente, como se estivesse mordendo um doce.
E foi envolvendo Poço Redondo que teve início a intriga forrozeira de grande monta, ainda que desconhecida por muitos. Eu mesmo só tive conhecimento recentemente quando, estando proseando com um velho amigo poço-redondense, o conhecido Zé Veinho, este fez um relato impressionante, como a seguir será mostrado. Tudo começou quando meu irmão colocou um forró e disse que aquela música havia sido a primeira a prestar homenagem a Poço Redondo.
Logo nos primeiros acordes, Zé Veinho se manifestou dizendo que aquele instrumental sanfoneiro chamava-se Forró em Poço Redondo e que por causa dessa música Gerson Filho havia sido ameaçado de morte. E pelo famoso forrozeiro Dudu Ribeiro, o alagoano de baixa estatura e sempre impecavelmente vestido em terno de linho branco, levando também um suntuoso chapéu panamá na cabeça. Espantados, pedimos para que o conterrâneo destrinchasse aquela notícia. E assim se pôs Zé Veinho falar:
“Foi por causa desse forró que Dudu Ribeiro jurou acabar com a vida de Gerson Filho. Segundo se alastrou por aqui, esse forró foi feito por Dudu em homenagem a terra que tanto gostava de tocar. Colocou o nome de Forró em Poço Redondo e um dia, tendo encontrado Gerson Filho, puxou o fole e mostrou sua composição. Gerson ficou admirado com a beleza do forró e imediatamente pediu para gravar. O que também imediatamente foi aceito por Dudu. Ora, eram forrozeiros, amigos. Mas Dudu fez uma exigência, e esta foi para constar o seu nome como compositor de Forró em Poço Redondo. Gerson se comprometeu a fazer isso, porém não cumpriu. Quando o LP foi lançando, inclusive como faixa de destaque no vinil, o nome de Dudu havia sido esquecido e constava Gerson Filho como único autor. Quando Dudu Ribeiro soube, então não prestou não. No mesmo instante jurou que procuraria Gerson Filho onde ele estivesse para fazer que pagasse aquela desfeita. Mas o pagamento não era com dinheiro não, mas com a própria vida. Quando soube da intenção de Dudu, e sabendo de antemão o homem perigoso que ele era, foi Alcino, seu pai, amigo dos dois, que cuidou de tirar da cabeça de Dudu aquela intenção maluca. Mas não foi tarefa fácil não, pois o homem estava realmente decidido a resolver aquela desfeita na bala. Ainda bem que Alcino conseguiu resolver a situação. Dudu morreu levando essa mágoa. Com raiva, também nunca mais tocou o forró que ele mesmo havia feito em homenagem a terra que ele tanto gostava”.
Com efeito, Dudu Ribeiro, além de sua maestria no forró, também era conhecido pela fama de valente, de perigoso, de bom no gatilho. Alardeava-se sertões adentro que o homem já havia vitimado alguns pelos rincões alagoanos. Também diziam que ninguém se enganasse com aquele baixinho, pois tão bom no dedilhar da sanfona como no apertar o gatilho. Se lenda ou não, se folclore matuto ou não, a verdade é que o homem de Traipu era respeitado demais. E igualmente temido.
Quanto a Gerson Filho, se verdadeira a história da usurpação autoral, talvez nem tenha tomado conhecimento da ameaça. A verdade é que fez um sucesso danado com o Forró em Poço Redondo. Lançado no LP “Ingazeira do Norte”, de 1969, pela RCA Camden, a homenagem ao município sertanejo é a primeira música do lado B. O Forró em Poço Redondo também está na coletânea “Eu só quero um forró”, de Clemilda e Gerson Filho, lançado em 2000 pela BMG.
Verdade ou não, coisas, fatos e causos, do meu sertão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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