SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 17 de janeiro de 2016

A ESPERANÇA QUE RENASCE NA TROVOADA


Rangel Alves da Costa*


Para o povo sertanejo, a esperança sempre renasce na trovoada. Depois de tanto tempo de seca, de pastagens carcomidas de sol e calor, horizontes acinzentados e animais já no couro e no osso, só mesmo as chuvaradas para o retorno das alegrias. Tudo como um verdadeiro milagre: aqueles olhos cansados de tanto sofrer com os céus sem sinais, agora brilhosos e cheios de promessas após as nuvens prenhes se derramarem sobre sua porta, sua roçado, seu corpo em festa.
Os mais velhos já sabiam que não demoraria muito para a trovoada chegar. Um cágado apareceu na mataria e um velho sertanejo logo brilhou o olho. Quando um compadre disse que tinha avistado outro cágado saindo de uma loca, então não havia mais do que duvidar. Cairia chuva na certa, e trovoada. Somente o cágado sertanejo anuncia com precisão a chuvarada que vem.
É sabedoria antiga tida como certa. O cágado permanece escondido por meses ou anos a fio, mas se repentinamente sai da loca e começa a andar sem destino, a aparecer onde normalmente ninguém espera, então é porque sente que trovoada se aproxima. Quem quiser pode tirar a prova: quando o trovão ribomba o cágado já pode ser facilmente encontrado no meio do mato ou arredores. Muito caçador vai atrás de sua presa debaixo da trovoada.
Após encontrarem os cágados, os dois velhos sertanejos começaram a orar agradecidos pela chuvarada que logo cairia. Dito e certo. Não demorou muito e o horizonte escureceu totalmente, as nuvens prenhes e sombreadas tomaram conta do céu, os trovões barulharam, relâmpagos chisparam faiscantes. E a torrente começou a cair lá de cima e a se espalhar sertão adentro. E não faz muito tempo isso não.
Assim aconteceu nos últimos dias no sertão sergipano. Depois do calor sufocando a alma, as nuvens avançando tomadas de água, e prontas para despejar suas bênçãos sobre a vida tão necessitada de pingo d’água. Os horizontes foram escurecendo, a ventania açoitando as folhagens, os tufos secos se lançando de lado a outro, até que o dia tomou a feição da noite para os relâmpagos surgirem, os trovões estrondearem nos espaços, até os pingos grossos se derramarem sobre a terra adormecida. E que despertar feliz, contente, alvissareiro!
Em Poço Redondo, uma das localidades sertanejas mais devastadas pela estiagem, aconteceu algo verdadeiramente inesperado após as trovoadas da última quinta-feira. O riacho Jacaré, que nasce na Serra da Guia e passa entrecortando a cidade, e cujo leito degradado desde muito não sentia água correr, de repente reapareceu pedindo passagem numa força danada. As chuvas na cabeceira desaguaram riacho acima e o que se viu depois foram correntezas onde antes só havia pedra, empoçamento e devastação.
Há notícias de chuvaradas por todo o sertão, desde a Boca da Mata a Canindé do São Francisco. Não se sabe ainda se terão continuidade ou resolveram apenas minimizar a secura da terra. O sonho maior do sertanejo é que após as trovoadas outras chuvas de menor intensidade continuem caindo. Conhece muito bem que rompante de trovoada, ao encontro da terra tão seca, acaba em enxurrada e na destruição do que ainda reste vivo, pois as águas, ao invés de descer além das raízes e embeber todo o chão, apenas seguem adiante.
Mas desde muito que o sertanejo espera o relampejar e o trovejar. Mas bastou o surgimento dos cágados para tudo se confirmar. Tais sinais da natureza são como cortinas que se abrem para um encantamento, para uma festa, para a salvação. Os horizontes ainda continuam fechados, as nuvens gordas ainda passeiam pelas alturas, mas muito já foi conseguido ante o nada ter: água juntada no tanque, barreiro transbordado, o verde voltando a tomar conta das paisagens mortas e acinzentadas.
Muitos já fazem planos para a terra, para a semente, para o milho e o feijão. Ao menos por enquanto o animal sedento vai ter onde molhar sua língua. Não demora muito e os brotos já estarão sobre a terra e a fome restará expurgada. A enxada, a foice e o arado, logo sairão dos escondidos para se deitarem sobre o chão molhado. As velhas sementes, desde muito guardadas em cumbucas, ganharão a destinação da terra. E através delas o homem poderá sobreviver com dignidade.
E certamente algum sertanejo de pouca palavra estará gritando em pensamento: Grandioso é o Deus que levanta o homem antes que se deite aos pés do político, da política, da autoridade, do governante, do poderoso. É no pingo d’água que cai e na porção que é juntada na fonte que o sertanejo se livra da submissão, da vergonha de ter de se humilhar em busca de uma carrada de água para matar a sede do homem e do bicho. Todo aquele que faz do sofrimento do pobre um meio de politicagem, agora terá de perguntar a Deus por que manda chuva a quem tem de viver na eterna penúria, e assim alimentar sua fome de poder.
Seja como for, a verdade é que a partir de agora muitas promessas serão cumpridas. Não pelo político, mas pelo homem da terra. Tantas vezes se humilhou, se submeteu, mas jamais perdeu sua fé na força maior. Rezas, promessas e orações, eis a palavra do sertanejo. E agora, aos poucos, a resposta dos céus. E por isso mesmo que o primeiro grão colhido será colocado aos pés do altar do Senhor.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Lucy Mara Mansanaris disse...

Boa tarde.
Muito lindo texto, um descrever tão detalhado que nos coloca dentro da imagem.
Não conhecia o prenuncio que o animal traz, a natureza é mesmo perfeita!
Parabéns, pela sensibilidade e forma de apresentá-la, extremamente agradável de ler, obrigada.
Que sejam muitas as bençãos...