ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 15
Rangel Alves da Costa*
"Sempre estarei ao teu lado!". Zezinho não teve dúvidas, a voz era a dele. Levantou a cabeça, olhou para o alto, bem em direção à cruz, e sentiu que o homem pregado na cruz lhe sorria. Retribuiu com outro sorriso e sentiu-se feliz, realizado, totalmente esquecido das últimas angústias que havia passado.
Mas antes de levantar e sair não esqueceu de fazer um último e singelo pedido: "Meu Deus, por meio do teu filho Jesus Cristo imploro de todo o meu coração que não tenha acontecido o pior com minha mãe, que eu possa encontrar ela e pedir para desistir de ir viajar pra bem longe, porque se aqui é assim desse jeito, com tanto medo, tanta violência e tanta maldade, o que dirá num lugar muito maior ainda. E vou pedir a ela, meu Deus, pra gente voltar lá pro sertão, pois mesmo que lá a gente vivesse com dificuldade e na pobreza, mesmo assim a gente era muito feliz com o que tinha e com a vida de paz que levava. Me ajude meu Deus, me ajude a encontrar minha mãe, fazer com que ela volte pro sertão e que eu me livre logo desse lugar medonho e desconhecido".
Voltou e sentou no mesmo local do banco onde estivera há poucos instantes. Achou melhor ficar ali por mais alguns instantes para pensar no que fazer quando saísse da igreja. Na verdade, sentou porque ainda estava um tanto enfraquecido com a doença, cansado pelo tormentoso acontecimento ao ser confundido com um ladrão e levado para a delegacia, cheio de problemas para resolver.
E cheio de problemas para resolver porque não queria acreditar de forma alguma que fosse verdadeira a notícia da morte de sua mãe. Só passou a acreditar que realmente sua mãe havia morrido porque não suportou o sono e deitou e dormiu ali mesmo no banco da igreja.
Na dureza da madeira do banco dormiu feito uma pedra. E durante o adormecer veio o sonho e o seu amigo descendo da cruz, se aproximando, passando a mão levemente pelos seus cabelos e dizendo:
"Zezinho, meu filho, neste mundo você não mais terá sua mãe ao teu lado. Ela estará, sim, acompanhando todos os teus passos, porém sem poder conviver contigo. Hoje ela vive bem próxima a mim, pois lhe foi concedido esse direito pela mulher honesta, lutadora e boa mãe que ela era. Se seu pai já não estava sobre a terra, agora é sua mãe que foi chamada a viajar. Teus pais agora são o mundo e os meus olhos que te enxergarão e as minhas mãos que te tocarão onde estiver".
Acordou tranquilamente, sem ser importunado por ninguém, nem por uma mulher bem idosa que estava sentada logo ao seu lado. Esfregou os olhos, lembrou direitinho do sonho, porém preferia pensar nele depois, pois no momento desejava somente saber por que aquela mulher, com a igreja totalmente vazia de fiéis e com tantos bancos espalhados por todo lugar, achou de sentar logo ali, bem ao seu lado, quase tocando os seus pés quando estava deitado.
"Você deveria estar muito cansado para dormir assim tão profundamente e deitado numa madeira dura como esta. Estou aqui há uns dez minutos e você dormia parecendo que estava na cama do seu quarto. Por falar em quarto, me diga onde fica sua casa meu filho, mora longe?". Perguntou a mulher, com um aspecto amigueiro e jeito daquelas que não fazem nada na vida a não ser pensar em ir orar na igreja.
Ainda meio carregado pelo sono e pelo sonho, abrindo a boca mais de uma vez, Zezinho olhou para a senhora, pediu desculpas e começou a respondê-la, mas não necessariamente o que teria de dizer como verdade. Naquele momento, uma boa resposta seria apenas dizer o que a ela queria ouvir, e pronto. Assim pensou e começou a usar da imaginação pra falar.
"Estava aqui deitado porque gosto desse lugar e dessa vez me deu um sono danado. Acordei cedinho demais pra ir pra escola e quando voltei almocei e achei melhor caminhar um pouquinho e vim parar aqui. Minha casa não é longe não e fica há uns dois trechos daqui, e é uma casa bem grande – Tomando como referência a casa da outra senhora - com um muro bem alto na frente e nos lados e um belo jardim com cascata lá dentro. Na verdade eu moro sozinho com minha avó. E ela é uma pessoa muito boa comigo, principalmente porque...". E foi interrompido pela senhora que sorria ao lado.
"Principalmente porque você é um menino muito bom e muito criativo, sabia? Faz nascer nessa imaginaçãozinha coisas que não existem. Talvez tudo isso porque realmente gostaria que as coisas fossem assim como falou, não é mesmo?". E foi a vez de Zezinho interromper:
"Não é mesmo o que, senhora?". E a senhora prosseguiu ainda sorrindo:
"Ora, meu filho, você não é o mesmo que há instantes atrás sofreu aquela barbaridade do policial e foi levado para a delegacia?".
Zezinho ficou todo sem jeito, sem saber o que dizer ou fazer.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
terça-feira, 2 de novembro de 2010
TU ÉS... (Crônica)
TU ÉS...
Rangel Alves da Costa*
Porque a vida de repente cisma com a gente, e quando nosso olhar deveria ser de imenso espanto, basta abrir a janela para enfrentar o mundo e o que se vê é tudo belo, tudo lindo, tudo azul e de toda cor, na paz que há, na alegria que há, na vida que há em tudo.
É nesse abraço que a vida dá, nesse todo contentar que me contento, nessa efervescência e arrebatamento, de ser digno de ter manhã e dia, esperança de viver ainda e de ser ainda, de sonhar ainda e de amar ainda, sentir crescer ainda mais em mim os motivos da felicidade, para agradecer a Deus e dizer e gritar: te amo!!!
E te amo porque tu és o indecifrável conceito que esconde o coração e todas as respostas que tenho quando sinto a paixão, mas ainda assim tudo é muito pouco porque amo demais.
E te amo porque tu és a imagem que não se cansa de ganhar forma e estar presente ao meu lado; o silêncio que repente grita para não te esquecer; a luz que chega quando estou de olhos fechados e penso que é uma eternidade ficar sem te ver por instantes.
E te amo porque tu és a fronteira e mais adiante, o objetivo e mais adiante, o ponto de chegada e mais adiante, onde haverá a certeza de que vale a pena de ter lutado e caminhado tanto para cair renascido nos teus braços.
E te amo porque tu és o verso do caderno, a rima da folha, o rabisco do papel, o nome escrito em qualquer lugar, o coração talhado na árvore do jardim, o traço no outro lado do vidro da janela em dia de chuva, o nome desenhado na areia da praia, o nome enviado no vento, a imagem soprada na bolha de sabão, o que está escrito na folha seca e guardado com tanto amor num livro de Florbela Espanca.
E te amo porque tu és aquela musa que encontro nos versos de Cecília Meireles, de Drummond, de Vinícius, de Álvares de Azevedo, de Augusto dos Anjos, de Neruda, de Pessoa, de Shakespeare e dos meus imaginários de amor que chamo poemas.
E te amo porque tu és a natureza e o universo em perfeição e harmonia: já vi o sol no teu rosto, já vi a lua no teu sexo, já vi estrelas no teu olhar, já vi as quatro estações no seu jeito de ser, já vi os pássaros na tua sombra, já vi a brisa no teu cabelo, já vi o horizonte no teu caminhar, já vi a noite antes do teu dia chegar.
E, pedindo licença a Luiz Vieira e sua inesquecível "Paz do meu amor", te amo porque
Tu és
Uma beleza imensa,
Toda recompensa de um amor sem fim.
Tu és
Uma nuvem calma
No céu de minh'alma; é ternura em mim.
Tu és
Estrela matutina,
Luz que descortina um mundo encantador.
Tu és
Parto de ternura,
Lágrima que é pura, paz do meu amor.
Tu és
Paz do meu amor!
Uma beleza imensa...
Uma beleza imensa...
Toda a recompensa...
Paz do meu amor...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Rangel Alves da Costa*
Porque a vida de repente cisma com a gente, e quando nosso olhar deveria ser de imenso espanto, basta abrir a janela para enfrentar o mundo e o que se vê é tudo belo, tudo lindo, tudo azul e de toda cor, na paz que há, na alegria que há, na vida que há em tudo.
É nesse abraço que a vida dá, nesse todo contentar que me contento, nessa efervescência e arrebatamento, de ser digno de ter manhã e dia, esperança de viver ainda e de ser ainda, de sonhar ainda e de amar ainda, sentir crescer ainda mais em mim os motivos da felicidade, para agradecer a Deus e dizer e gritar: te amo!!!
E te amo porque tu és o indecifrável conceito que esconde o coração e todas as respostas que tenho quando sinto a paixão, mas ainda assim tudo é muito pouco porque amo demais.
E te amo porque tu és a imagem que não se cansa de ganhar forma e estar presente ao meu lado; o silêncio que repente grita para não te esquecer; a luz que chega quando estou de olhos fechados e penso que é uma eternidade ficar sem te ver por instantes.
E te amo porque tu és a fronteira e mais adiante, o objetivo e mais adiante, o ponto de chegada e mais adiante, onde haverá a certeza de que vale a pena de ter lutado e caminhado tanto para cair renascido nos teus braços.
E te amo porque tu és o verso do caderno, a rima da folha, o rabisco do papel, o nome escrito em qualquer lugar, o coração talhado na árvore do jardim, o traço no outro lado do vidro da janela em dia de chuva, o nome desenhado na areia da praia, o nome enviado no vento, a imagem soprada na bolha de sabão, o que está escrito na folha seca e guardado com tanto amor num livro de Florbela Espanca.
E te amo porque tu és aquela musa que encontro nos versos de Cecília Meireles, de Drummond, de Vinícius, de Álvares de Azevedo, de Augusto dos Anjos, de Neruda, de Pessoa, de Shakespeare e dos meus imaginários de amor que chamo poemas.
E te amo porque tu és a natureza e o universo em perfeição e harmonia: já vi o sol no teu rosto, já vi a lua no teu sexo, já vi estrelas no teu olhar, já vi as quatro estações no seu jeito de ser, já vi os pássaros na tua sombra, já vi a brisa no teu cabelo, já vi o horizonte no teu caminhar, já vi a noite antes do teu dia chegar.
E, pedindo licença a Luiz Vieira e sua inesquecível "Paz do meu amor", te amo porque
Tu és
Uma beleza imensa,
Toda recompensa de um amor sem fim.
Tu és
Uma nuvem calma
No céu de minh'alma; é ternura em mim.
Tu és
Estrela matutina,
Luz que descortina um mundo encantador.
Tu és
Parto de ternura,
Lágrima que é pura, paz do meu amor.
Tu és
Paz do meu amor!
Uma beleza imensa...
Uma beleza imensa...
Toda a recompensa...
Paz do meu amor...
Poeta e cronista
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Um dia, numa tarde... (Poesia)
Um dia, numa tarde...
Olho o passado
pelo espelho da memória
e o que tenho a recordar
não é invenção da história
lembro como se fosse hoje
a natureza me chamando
para pintar girassóis
para clarear o dia
para chamar muitos sóis
para alimentar os peixes
para tirar seus anzóis
para não pensar em mim
para viver para nós
e foi num dia assim
quando já era entardecer
que peguei na tua mão
que dei o primeiro beijo
que vi nascer o desejo
a natureza me chamou
alegre a me dizer
que semeasse com amor
o jardim que era você
lembro como se fosse hoje
um dia, numa tarde
e uma eternidade.
Rangel Alves da Costa
Olho o passado
pelo espelho da memória
e o que tenho a recordar
não é invenção da história
lembro como se fosse hoje
a natureza me chamando
para pintar girassóis
para clarear o dia
para chamar muitos sóis
para alimentar os peixes
para tirar seus anzóis
para não pensar em mim
para viver para nós
e foi num dia assim
quando já era entardecer
que peguei na tua mão
que dei o primeiro beijo
que vi nascer o desejo
a natureza me chamou
alegre a me dizer
que semeasse com amor
o jardim que era você
lembro como se fosse hoje
um dia, numa tarde
e uma eternidade.
Rangel Alves da Costa
ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 14 (Conto)
ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 14
Rangel Alves da Costa*
Zezinho leu aquelas palavras escritas no papel e achou tudo muito bonito. Não soube entender muito bem o que elas queriam dizer, mas certamente eram coisas muito bonitas. Aliás, aos olhos do menino tudo era maravilhoso ali naquela imensa igreja.
Lembrou da diferença que era desta para a igrejinha da cidadezinha sertaneja onde nasceu. A de lá, recordava bem, era formada apenas por uma porta de entrada e duas laterais, com uma fachada bem alta que ia se afunilando e uma cruz lá em cima.
Por dentro era quase como um salão com duas portas em cada lado, com bancos colocados em fileiras, retratos de santos nas paredes e um pequeno altar ao fundo, onde se avistava uma mesinha de madeira e mais atrás, no alto da parede do fundo, uma imagem do Cristo com a cabeça levemente caída e braços abertos sobre a cruz.
Quando ia à igrejinha com sua mãe, geralmente aos domingos quando tinha missa, muitas vezes teve medo daquela cruz na parede com aquele homem magro, quase nu, com uma coroa de espinhos fazendo o sangue jorrar de sua cabeça. Tinha medo porque achava aquela cena muito triste, parecendo que, mesmo com a cabeça pendida para um lado e os olhos fechados, aquele homem estava olhando para todos.
Nunca contou a ninguém não, nem à sua mãe, mas certa vez teve certeza que viu o homem da cruz erguer a cabeça e olhar e sorrir para ele. Saiu correndo e depois desse dia nunca mais esqueceu daquele olhar e daquele sorriso. Muito menos esqueceria jamais daquele homem.
Todas as noites que rezava ajoelhado antes de deitar era como se os olhos fechados estivessem enxergando a cruz na parede da igreja e aquele homem pregado nela e que, mesmo com traços de dor pela face, inegavelmente sofrendo, ainda olhava com carinho e sorria.
E tantas vezes, quando já estava no finalzinho do Pai Nosso, quando já ia dizendo Amém, era como se aquele homem se aproximasse dele e tocasse levemente sua cabeça. E certo dia ouviu até ele dizer:
"Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós. Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo!".
E noutra vez ouviu ainda ele dizer: ""Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham. Em verdade vos digo: todo o que não receber o Reino de Deus com a mentalidade de uma criança, nele não entrará". Em seguida, num leve toque sentido como num sopro, abraçou e abençoou-o impondo-lhe as mãos.
E por que Zezinho lembrava de tudo isso? Na verdade não sabia explicar, mas o certo mesmo é que as palavras nunca saíram de sua cabeça, do seu pensamento, da sua imaginação. Do mesmo modo jamais esqueceria aquela figura da cruz, aquele homem que um dia lhe causou espanto e depois de algum tempo se tornou seu amigo inseparável. Amigo porque de repente passou a ter interesse e vontade de rezar todas as noites só para senti-lo chegando, sentir a sua presença, a sua palavra, o seu abraço.
E agora, naquela igreja muito diferente daquela de sua cidadezinha, sentiu-se surpreendido e contente por ter reencontrado o amigo. Há dias que praticamente não tinha noites, não tinha cama, não podia rezar antes de deitar, e por isso mesmo o amigo parecia distante. Mas o que fazer para senti-lo novamente, já que não era noite, não era hora de rezar, ali não era o seu quarto, tudo ali era diferente?
Sentado no banco, pensava e pensava como seria bom sentir novamente aquela presença e aquele abraço, e quem sabe ouvir aquela voz no seu ouvido dizendo baixinho coisas bonitas de ouvir.
Levantou e se pôs a caminhar em direção ao altar. Quando mais seguia mais uma força lhe impulsionava para seguir adiante. E quase sem perceber já estava diante da cruz, abaixo do homem, diante do seu amigo. E num impulso ajoelhou, baixou a cabeça, uniu as mãos e começou a rezar:
"Pai nosso, que estais nos céus, Santificado seja o vosso nome, Venha a nós o vosso reino, Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu; O pão nosso de cada dia nos dai hoje, Perdoai-nos as nossas ofensas, assim com nós perdoamos a quem nos tem ofendido, E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, Amém".
Após a oração ficou em silêncio e começou a sentir uma presença forte ao seu lado. E disse suavemente uma voz: "Sempre estarei ao teu lado!".
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Rangel Alves da Costa*
Zezinho leu aquelas palavras escritas no papel e achou tudo muito bonito. Não soube entender muito bem o que elas queriam dizer, mas certamente eram coisas muito bonitas. Aliás, aos olhos do menino tudo era maravilhoso ali naquela imensa igreja.
Lembrou da diferença que era desta para a igrejinha da cidadezinha sertaneja onde nasceu. A de lá, recordava bem, era formada apenas por uma porta de entrada e duas laterais, com uma fachada bem alta que ia se afunilando e uma cruz lá em cima.
Por dentro era quase como um salão com duas portas em cada lado, com bancos colocados em fileiras, retratos de santos nas paredes e um pequeno altar ao fundo, onde se avistava uma mesinha de madeira e mais atrás, no alto da parede do fundo, uma imagem do Cristo com a cabeça levemente caída e braços abertos sobre a cruz.
Quando ia à igrejinha com sua mãe, geralmente aos domingos quando tinha missa, muitas vezes teve medo daquela cruz na parede com aquele homem magro, quase nu, com uma coroa de espinhos fazendo o sangue jorrar de sua cabeça. Tinha medo porque achava aquela cena muito triste, parecendo que, mesmo com a cabeça pendida para um lado e os olhos fechados, aquele homem estava olhando para todos.
Nunca contou a ninguém não, nem à sua mãe, mas certa vez teve certeza que viu o homem da cruz erguer a cabeça e olhar e sorrir para ele. Saiu correndo e depois desse dia nunca mais esqueceu daquele olhar e daquele sorriso. Muito menos esqueceria jamais daquele homem.
Todas as noites que rezava ajoelhado antes de deitar era como se os olhos fechados estivessem enxergando a cruz na parede da igreja e aquele homem pregado nela e que, mesmo com traços de dor pela face, inegavelmente sofrendo, ainda olhava com carinho e sorria.
E tantas vezes, quando já estava no finalzinho do Pai Nosso, quando já ia dizendo Amém, era como se aquele homem se aproximasse dele e tocasse levemente sua cabeça. E certo dia ouviu até ele dizer:
"Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós. Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo!".
E noutra vez ouviu ainda ele dizer: ""Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham. Em verdade vos digo: todo o que não receber o Reino de Deus com a mentalidade de uma criança, nele não entrará". Em seguida, num leve toque sentido como num sopro, abraçou e abençoou-o impondo-lhe as mãos.
E por que Zezinho lembrava de tudo isso? Na verdade não sabia explicar, mas o certo mesmo é que as palavras nunca saíram de sua cabeça, do seu pensamento, da sua imaginação. Do mesmo modo jamais esqueceria aquela figura da cruz, aquele homem que um dia lhe causou espanto e depois de algum tempo se tornou seu amigo inseparável. Amigo porque de repente passou a ter interesse e vontade de rezar todas as noites só para senti-lo chegando, sentir a sua presença, a sua palavra, o seu abraço.
E agora, naquela igreja muito diferente daquela de sua cidadezinha, sentiu-se surpreendido e contente por ter reencontrado o amigo. Há dias que praticamente não tinha noites, não tinha cama, não podia rezar antes de deitar, e por isso mesmo o amigo parecia distante. Mas o que fazer para senti-lo novamente, já que não era noite, não era hora de rezar, ali não era o seu quarto, tudo ali era diferente?
Sentado no banco, pensava e pensava como seria bom sentir novamente aquela presença e aquele abraço, e quem sabe ouvir aquela voz no seu ouvido dizendo baixinho coisas bonitas de ouvir.
Levantou e se pôs a caminhar em direção ao altar. Quando mais seguia mais uma força lhe impulsionava para seguir adiante. E quase sem perceber já estava diante da cruz, abaixo do homem, diante do seu amigo. E num impulso ajoelhou, baixou a cabeça, uniu as mãos e começou a rezar:
"Pai nosso, que estais nos céus, Santificado seja o vosso nome, Venha a nós o vosso reino, Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu; O pão nosso de cada dia nos dai hoje, Perdoai-nos as nossas ofensas, assim com nós perdoamos a quem nos tem ofendido, E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, Amém".
Após a oração ficou em silêncio e começou a sentir uma presença forte ao seu lado. E disse suavemente uma voz: "Sempre estarei ao teu lado!".
continua...
Poeta e cronista
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segunda-feira, 1 de novembro de 2010
A COMPANHEIRA OU CADA POVO ESCOLHE O SEU GENERAL (Crônica)
A COMPANHEIRA OU CADA POVO ESCOLHE O SEU GENERAL
Rangel Alves da Costa*
Verdade seja dita, cada povo escolhe o general que quer ter. A eleição da companheira para a presidência da república não deixou dúvidas quanto a isso.
O bom disso tudo é que a maioria eleitora, ao menos pelos quatro anos seguintes, não poderá dizer mais nada contra os tempos da ditadura, criticando com veemência os tempos ditatoriais e seus generais, os porões ensanguentados e cheios de gritos de terror, as perseguições, a falta de liberdade, o medo em cada canto e em cada olhar.
Não poderá dizer um senão sequer ao desumano e perverso regime porque, em pleno século XXI e quando muito se falava em Estado Democrático de Direito, em respeito aos princípios da dignidade e integridade humana, em liberdade e tudo o mais que estava escondido por trás de mentiras, eis que surge uma generala travestida de companheira, para deitar o chicote, a chibata, os ferros e os grilhões em cada brasileiro que comprovadamente gosta de apanhar, de sofrer, de ser humilhado, aviltado, tratado como o mais reles dos seres.
Digo e confirmo isso porque a companheira Dilma não é nem nunca foi flor que se cheire. Somente o pobre eleitor para ser tão iludido e acreditar que por trás daquela máscara há alguma coisa de boa. Ora, alçada ao poder pelo outro companheiro, que é amigo íntimo de pessoas da estirpe de Hugo Chávez, Ahmadinejah, Evo Morales, Fidel e tantos outros que pregam a ditadura e o desrespeito aos direitos humanos como sustentáculos de manutenção no poder, não poderia ser diferente.
As adjetivações que podem racair sobre a companheira eleita são infinitas e as piores possíveis. Com efeito, além de ser uma mentira, um engodo, uma enganação, ela é por demais arrogante, deseducada, bruta, ignorante, impiedosa com todos que não rezam na sua cartilha e não se ajoelham aos seus pés. E o que não fará a companheira assim que lhe for repassada a faixa presidencial? O primeiro ato certamente será mandar degolar o chefe do cerimonial porque olhou pra ela.
A imprensa jamais deixou de alertar a população sobre o perigo que era essa companheira no planalto. Se como ministra pintava e bordava, fazia o que queria, e de forma prepotente e irreconcialiável, impositiva e exigente, com ferocidade e até desequilíbrio, imagine só agora que será dona da masmorra, do cadafalso, das armas e dos grilhões, dos algozes e carrascos, da vida e da morte.
Triste daquele que um dia lhe chamou de falsa guerrilheira, de péssima gerente da coisa pública, de manter relações íntimas com pessoas caracterizadas como verdadeiros bandidos e chefes de quadrilha, de ter na sua antessala uma verdadeira rede de corrupção. Todo mundo sabia disso e não deu o troco a ela porque não quis. Agora é só esperar para ver ela se pronunciando na televisão e no rádio e dizer: "Fiz e pronto, e quem estiver achando ruim que morra!".
Verdade que tenho pena desses milhões de brasileiros que foram iludidos pelas esmolas lulistas e que por isso mesmo cegaram de vez. Contudo, não posso aceitar jamais que os assistencialismos baratos e vergonhosos sejam causa para manejar rumo ao planalto aquilo que combatemos tanto durante o fim do século passado, que é a arrogância no poder, a intimidação no poder, o medo no poder, o generalato desumano e arrogante no poder.
Estou indignado enquanto pessoa, estou envergonhado de ser brasileiro e saber que vivo em meio a grande parte de um povo que se permite para si a pior escolha. Como disse a vítima antes de morrer: O pior é que a gente não sabe até quando vai viver!
Luto. Pêsames para o país. Vergonha na cara dessa maioria que envergonha os demais!
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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Rangel Alves da Costa*
Verdade seja dita, cada povo escolhe o general que quer ter. A eleição da companheira para a presidência da república não deixou dúvidas quanto a isso.
O bom disso tudo é que a maioria eleitora, ao menos pelos quatro anos seguintes, não poderá dizer mais nada contra os tempos da ditadura, criticando com veemência os tempos ditatoriais e seus generais, os porões ensanguentados e cheios de gritos de terror, as perseguições, a falta de liberdade, o medo em cada canto e em cada olhar.
Não poderá dizer um senão sequer ao desumano e perverso regime porque, em pleno século XXI e quando muito se falava em Estado Democrático de Direito, em respeito aos princípios da dignidade e integridade humana, em liberdade e tudo o mais que estava escondido por trás de mentiras, eis que surge uma generala travestida de companheira, para deitar o chicote, a chibata, os ferros e os grilhões em cada brasileiro que comprovadamente gosta de apanhar, de sofrer, de ser humilhado, aviltado, tratado como o mais reles dos seres.
Digo e confirmo isso porque a companheira Dilma não é nem nunca foi flor que se cheire. Somente o pobre eleitor para ser tão iludido e acreditar que por trás daquela máscara há alguma coisa de boa. Ora, alçada ao poder pelo outro companheiro, que é amigo íntimo de pessoas da estirpe de Hugo Chávez, Ahmadinejah, Evo Morales, Fidel e tantos outros que pregam a ditadura e o desrespeito aos direitos humanos como sustentáculos de manutenção no poder, não poderia ser diferente.
As adjetivações que podem racair sobre a companheira eleita são infinitas e as piores possíveis. Com efeito, além de ser uma mentira, um engodo, uma enganação, ela é por demais arrogante, deseducada, bruta, ignorante, impiedosa com todos que não rezam na sua cartilha e não se ajoelham aos seus pés. E o que não fará a companheira assim que lhe for repassada a faixa presidencial? O primeiro ato certamente será mandar degolar o chefe do cerimonial porque olhou pra ela.
A imprensa jamais deixou de alertar a população sobre o perigo que era essa companheira no planalto. Se como ministra pintava e bordava, fazia o que queria, e de forma prepotente e irreconcialiável, impositiva e exigente, com ferocidade e até desequilíbrio, imagine só agora que será dona da masmorra, do cadafalso, das armas e dos grilhões, dos algozes e carrascos, da vida e da morte.
Triste daquele que um dia lhe chamou de falsa guerrilheira, de péssima gerente da coisa pública, de manter relações íntimas com pessoas caracterizadas como verdadeiros bandidos e chefes de quadrilha, de ter na sua antessala uma verdadeira rede de corrupção. Todo mundo sabia disso e não deu o troco a ela porque não quis. Agora é só esperar para ver ela se pronunciando na televisão e no rádio e dizer: "Fiz e pronto, e quem estiver achando ruim que morra!".
Verdade que tenho pena desses milhões de brasileiros que foram iludidos pelas esmolas lulistas e que por isso mesmo cegaram de vez. Contudo, não posso aceitar jamais que os assistencialismos baratos e vergonhosos sejam causa para manejar rumo ao planalto aquilo que combatemos tanto durante o fim do século passado, que é a arrogância no poder, a intimidação no poder, o medo no poder, o generalato desumano e arrogante no poder.
Estou indignado enquanto pessoa, estou envergonhado de ser brasileiro e saber que vivo em meio a grande parte de um povo que se permite para si a pior escolha. Como disse a vítima antes de morrer: O pior é que a gente não sabe até quando vai viver!
Luto. Pêsames para o país. Vergonha na cara dessa maioria que envergonha os demais!
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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Quanto mais... (Poesia)
Quanto mais...
Quanto mais eu sou
tudo que queria ser
mais me falta tudo
que queria ter...
sou manhã
sem jardim e tua flor
sou tarde
sem por do sol e teu olhar
sou noite
sem teu abraço e teu sono
sou sonho
sem tua imagem e teu beijo
sou acordar
sem espelho e esperança
sou caminhar
sem norte para te encontrar
sou o que sou
tenho o que tenho
mas sempre falta você
e quanto mais eu sou
tudo que queria ser
mais me falta tudo
pois me falta você...
Rangel Alves da Costa
Quanto mais eu sou
tudo que queria ser
mais me falta tudo
que queria ter...
sou manhã
sem jardim e tua flor
sou tarde
sem por do sol e teu olhar
sou noite
sem teu abraço e teu sono
sou sonho
sem tua imagem e teu beijo
sou acordar
sem espelho e esperança
sou caminhar
sem norte para te encontrar
sou o que sou
tenho o que tenho
mas sempre falta você
e quanto mais eu sou
tudo que queria ser
mais me falta tudo
pois me falta você...
Rangel Alves da Costa
ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 13 (Conto)
ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 13
Rangel Alves da Costa*
Os policiais cismaram em não acreditar que Zezinho seria inocente e fizeram de tudo para mostrar, diante das características apresentadas pelo menino, tais como ter sido encontrado correndo, estar com roupa desalinhada e vagar sozinho pela rua, que ele poderia ter sido, sim, o ladrãozinho safado que tinha levado a bolsa da madame.
Como não convenceram a mulher, que estava preocupada mesmo era com o paradeiro da bolsa, e muito menos à filha desta, que agora parecia querer conversar a todo custo com o menino, não tiveram outra opção senão chamar o pequeno sertanejo para se defender, para dizer quem era e o que fazia naquele lugar e naquelas condições.
Fora o fato de ter fugido do hospital, que achou por bem mais conveniente omitir, ele contou tudinho, e tim-tim por tim-tim. Disse sobre o lugar onde havia nascido, sua vida no sertão, porque estava ali, a separação de sua mãe na rodoviária, como havia ido parar dentro do ônibus, o perambular pelas ruas, a certeza que reencontraria sua mãe e a fotografia encontrada no jornal, juntamente com a notícia sobre a morte dela.
"Mas porque você estava correndo pela rua?", perguntou o condutor. "Ora, seu moço, estava correndo porque pensei que tinha visto um daqueles moleques que tinham roubado meu dinheiro, minha roupa e me dado uma surra sem eu merecer".
Saiu-se como pôde, mas ficou tudo explicado e bem explicado. E tanto foi assim que dois dos policiais, de repente, ficaram de costas pelos cantos, escondendo os olhos chorosos e as feições entristecidas. A madame parecia ter se reencontrado como humana e sentia sem fazer nada a maquiagem ser desfeita pelas lágrimas que corriam incessantemente. Chegou mesmo a soluçar e a unir as mãos como se estivesse em oração.
A menininha, sem entender muito sobre aquilo tudo que tinha ouvido, ainda assim se aproximou de Zezinho, ajeitou-lhe os cabelos, passou a mão pelos seus olhos, e depois falou tentando confortá-lo:
"Essa história toda de sofrimento e ainda querem dizer que você fez coisa errada, roubando a bolsa de mamãe. Eles sabem quem roubou e também sabem que não foi você. Disseram que você era ladrão porque acham que todo menino pobre e que está correndo pela rua é ladrão. Mas agora que sabem quem você é, até que seria bom se pedissem desculpa. Mas desculpa não vale nada depois que o pior já tá feito. Mas mamãe vai lhe ajudar, vai lhe dar um dinheiro pra ajudar você. Não vai mamãe?".
Tomada de surpresa pelas palavras da filha, respondeu: "Mas filhinha, roubaram a bolsa da mamãe, não lembra? Por enquanto a mamãe está sem nenhum tostão. Mas depois, se a gente encontrar ele pelo shopping mamãe vai ajudar, tá bem?".
"Levaram a bolsa da senhora, mas não o dinheiro que tenho guardado aqui". Disse a menininha, metendo a mão num bolso e tirando algum dinheiro. Em seguida, sem contar quanto tinha, quis entregar nas mãos de Zezinho, que rejeitou no mesmo instante. E disse por que não podia aceitar:
"Minha amiguinha, muito obrigado por se preocupar comigo, mas não posso aceitar seu dinheiro não. Sei que vem do fundo do seu coração, mas não quero sair lucrando depois de tudo que passei. E sair com dinheiro daqui seria o mesmo de ter lucrado depois de ter sido arrastado, e sem ter feito nada, de lá da ria até aqui. Muito obrigado mesmo, pois sei que está agindo de coração. Mas o que preciso mesmo é poder sair daqui agora mesmo".
"Pode ir, está liberado", disse o policial condutor. Já na porta, Zezinho olhou pra trás e encontrou os olhos da menina brilhando. Somente isso serviria para apagar suas mágoas pelo ocorrido.
Começou a andar despreocupado pela rua, de cabeça baixa, pensando no que fazer agora. Se tivesse aceitado aquele dinheiro, bem que estaria garantida a sua comida de mais tarde. Mas pensaria nisso depois, quando a fome viesse, o cansaço chegasse e certamente o sono. E quando o sono chegasse então é que seria problema. Onde dormiria naquela noite? Pensava e pensava...
E caminhando e pensando na vida, se viu na porta de uma igreja. Que igreja bonita, se admirou logo na entrada. Resolveu conhecer ela por dentro e entrou. Aceitou receber um papel que lhe foi entregue por uma velhinha que saía e sentou numa das fileiras de bancos. E a igreja parecia imensa quase vazia, silenciosa e encantadora.
Como aqui é tudo grande e bonito, admirava-se. E baixou os olhos para o papel e leu, letra por letra: "Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição" (Ap 21,4). E mais adiante:
"O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Deitar-me faz em pastos verdejantes; guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me nas veredas da justiça por amor do seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos; unges com óleo a minha cabeça, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor por longos dias" (Salmo 23).
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Rangel Alves da Costa*
Os policiais cismaram em não acreditar que Zezinho seria inocente e fizeram de tudo para mostrar, diante das características apresentadas pelo menino, tais como ter sido encontrado correndo, estar com roupa desalinhada e vagar sozinho pela rua, que ele poderia ter sido, sim, o ladrãozinho safado que tinha levado a bolsa da madame.
Como não convenceram a mulher, que estava preocupada mesmo era com o paradeiro da bolsa, e muito menos à filha desta, que agora parecia querer conversar a todo custo com o menino, não tiveram outra opção senão chamar o pequeno sertanejo para se defender, para dizer quem era e o que fazia naquele lugar e naquelas condições.
Fora o fato de ter fugido do hospital, que achou por bem mais conveniente omitir, ele contou tudinho, e tim-tim por tim-tim. Disse sobre o lugar onde havia nascido, sua vida no sertão, porque estava ali, a separação de sua mãe na rodoviária, como havia ido parar dentro do ônibus, o perambular pelas ruas, a certeza que reencontraria sua mãe e a fotografia encontrada no jornal, juntamente com a notícia sobre a morte dela.
"Mas porque você estava correndo pela rua?", perguntou o condutor. "Ora, seu moço, estava correndo porque pensei que tinha visto um daqueles moleques que tinham roubado meu dinheiro, minha roupa e me dado uma surra sem eu merecer".
Saiu-se como pôde, mas ficou tudo explicado e bem explicado. E tanto foi assim que dois dos policiais, de repente, ficaram de costas pelos cantos, escondendo os olhos chorosos e as feições entristecidas. A madame parecia ter se reencontrado como humana e sentia sem fazer nada a maquiagem ser desfeita pelas lágrimas que corriam incessantemente. Chegou mesmo a soluçar e a unir as mãos como se estivesse em oração.
A menininha, sem entender muito sobre aquilo tudo que tinha ouvido, ainda assim se aproximou de Zezinho, ajeitou-lhe os cabelos, passou a mão pelos seus olhos, e depois falou tentando confortá-lo:
"Essa história toda de sofrimento e ainda querem dizer que você fez coisa errada, roubando a bolsa de mamãe. Eles sabem quem roubou e também sabem que não foi você. Disseram que você era ladrão porque acham que todo menino pobre e que está correndo pela rua é ladrão. Mas agora que sabem quem você é, até que seria bom se pedissem desculpa. Mas desculpa não vale nada depois que o pior já tá feito. Mas mamãe vai lhe ajudar, vai lhe dar um dinheiro pra ajudar você. Não vai mamãe?".
Tomada de surpresa pelas palavras da filha, respondeu: "Mas filhinha, roubaram a bolsa da mamãe, não lembra? Por enquanto a mamãe está sem nenhum tostão. Mas depois, se a gente encontrar ele pelo shopping mamãe vai ajudar, tá bem?".
"Levaram a bolsa da senhora, mas não o dinheiro que tenho guardado aqui". Disse a menininha, metendo a mão num bolso e tirando algum dinheiro. Em seguida, sem contar quanto tinha, quis entregar nas mãos de Zezinho, que rejeitou no mesmo instante. E disse por que não podia aceitar:
"Minha amiguinha, muito obrigado por se preocupar comigo, mas não posso aceitar seu dinheiro não. Sei que vem do fundo do seu coração, mas não quero sair lucrando depois de tudo que passei. E sair com dinheiro daqui seria o mesmo de ter lucrado depois de ter sido arrastado, e sem ter feito nada, de lá da ria até aqui. Muito obrigado mesmo, pois sei que está agindo de coração. Mas o que preciso mesmo é poder sair daqui agora mesmo".
"Pode ir, está liberado", disse o policial condutor. Já na porta, Zezinho olhou pra trás e encontrou os olhos da menina brilhando. Somente isso serviria para apagar suas mágoas pelo ocorrido.
Começou a andar despreocupado pela rua, de cabeça baixa, pensando no que fazer agora. Se tivesse aceitado aquele dinheiro, bem que estaria garantida a sua comida de mais tarde. Mas pensaria nisso depois, quando a fome viesse, o cansaço chegasse e certamente o sono. E quando o sono chegasse então é que seria problema. Onde dormiria naquela noite? Pensava e pensava...
E caminhando e pensando na vida, se viu na porta de uma igreja. Que igreja bonita, se admirou logo na entrada. Resolveu conhecer ela por dentro e entrou. Aceitou receber um papel que lhe foi entregue por uma velhinha que saía e sentou numa das fileiras de bancos. E a igreja parecia imensa quase vazia, silenciosa e encantadora.
Como aqui é tudo grande e bonito, admirava-se. E baixou os olhos para o papel e leu, letra por letra: "Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição" (Ap 21,4). E mais adiante:
"O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Deitar-me faz em pastos verdejantes; guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me nas veredas da justiça por amor do seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos; unges com óleo a minha cabeça, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor por longos dias" (Salmo 23).
continua...
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