SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 3 de março de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: LAMPIÃO E PADRE ARTUR, A BUCHADA E A HÓSTIA (I)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: LAMPIÃO E PADRE ARTUR, A BUCHADA E A HÓSTIA (I)

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Essa história, com algumas acrescências e diminuicências, é mais verdadeira do que o bicho da noite, do que o silêncio da pedra. E vou dizer mais: a casa onde se passa essa história não era outra senão o lar nordestino dos meus maternos avôs sertanejos: o Velho China e Dona Marieta. Que Deus os guarde na estrela sertaneja dos céus!
Tudo se passou num lugarejo lá pelas brenhas do sertão sergipano do São Francisco, povoação chamada Poço Redondo, localidade em cujas margens do Velho Chico foram chacinados Lampião, sua Maria Bonita e mais nove cangaceiros. Isso foi no ano de 38, dia 28 de julho, na Gruta do Angico.
Mas anos antes desse fatídico acontecimento, durante uma festança agostina em comemoração à padroeira de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, aconteceu aquele que até hoje é tido como o grande encontro das dualidades e contrastes sertanejos, o bater de frente entre o cangaço e a igreja, o embate entre a espada e a cruz, o choque entre a bala e a hóstia.
Meus avôs China e Marieta constituíam família das mais influentes do lugar, amiga e acolhedora das pessoas mais poderosas que chegavam por ali. Políticos ali possuíam estadia, comboeiros ali faziam parada, viajantes ali tinham pousada. E também Lampião quando estava de passagem por aquela região sergipana. Do mesmo modo o Padre Artur, vigário que chegava ao local em dias festivos para celebrar missa e batizar pagãos.
E aconteceu que já perto de chegar os dias dos festejos em comemoração à padroeira no mês agostino, o Velho China e Dona Marieta foram avisados que receberiam visitas muito importantes, e logo Lampião e Padre Artur. Ao saber disso minha avó Marieta se tomou de preocupação, de verdadeiro temor, pois a família era amiga e sempre recebia os dois, mas nunca de modo ao mosquetão e a cruz se baterem de frente, ficando, a um só instante, debaixo do mesmo teto.
“Valei-me Deus, valei-me todos os anjos e santos, mas o que posso fazer China diante de uma situação tão inesperada dessa?”. Comentava Dona Marieta junto ao despreocupado esposo. E ele respondia:
“Padre Artur fica no quarto dele e Lampíão fica onde ele quiser. A gente não pode impedir que nem um nem outro pense que está sendo mal recebido. A casa é grande e dá pra todo mundo. E se por acaso os dois se encontrem, que um excomungue o outro e este puxe o punhal se quiser. Mas tenho certeza que eles se entenderão muito bem, ademais porque Lampião é um homem muito religioso e o Padre Artur é um homem muito perigoso. Como se vê, não são muito diferente não, e qualquer dos dois bem podia estar no ofício do outro. Mas vamos esperar pra ver. Só peço uma coisa Marieta, capriche na buchada que quero ver a hóstia se lambuzar. Vai ser no tempero, sentado na mesma mesa, que as diferenças vão ser batizadas...”.
No dia principal da festança, logo cedinho, uma movimentação estranha começou a acontecer no lugar. Gente corria em disparada tomando o rumo dos esconderijos na mata e outros pareciam voar buscando proteção dentro da igrejinha. De um lado ia chegando Lampião e seu bando e de outro a comitiva solitária do Padre Artur. Todos tomaram o rumo da casa do velho sem se encontrar, ao menos por enquanto.
Alguns olhos ficavam nos buracos das paredes para ver se o mundo ia acabar mesmo naquele dia. Mas lá dentro da residência tudo na maior normalidade possível. Assim que chegou, Padre Artur logo se recolheu ao aposento para descansar. Lampião ficou por ali dando ordens aos seus homens e proseando com seu amigo anfitrião. Mas a verdade é que China se mostrava tão preocupado que o capitão acabou lhe perguntando o que estava acontecendo. Então o velho sertanejo falou a verdade, disse do outro visitante que naquele momento estava num quarto ao lado.
E foi então que Lampião olhou fixamente nos olhos do amigo e disse:
Mas amanhã eu digo o que ele disse...


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sexta-feira, 2 de março de 2012

A INVENÇÃO DE HUGO CABRITO (Crônica)

A INVENÇÃO DE HUGO CABRITO

                         Rangel Alves da Costa*


Antes que possam imputar plágio ao presente texto, informo que o mesmo é tão original quanto às melhores estórias inventadas. Portanto, não tem absolutamente nada a ver com “Central do Brasil, de Walter Salles, e muito menos com o mais recente filme de Martin Scorsese, “A Invenção de Hugo Cabret”.
Com relação a este, apenas uma proximidade nos nomes. Mas não tenho culpa se o menino nordestino aqui tratado tinha Hugo por nome e o apelido de Cabrito. Assim, não há o que modificar se o pestinha daqui era Hugo Cabrito, um exímio inventor de coisas para sobreviver.
Antes de falar sobre as invenções do menino e aquela que lhe deu notoriedade, será preciso voltar um pouco no tempo para informar como o pequeno Hugo Cabrito veio parar na Estação Ferroviária, também chamada Gare do Relógio, e aí permaneceu forçadamente como morador.
Havia deixado as terras sertanejas do Mundaréu juntamente com sua mãe viúva. Carregando consigo o filho único, pois não deixava nada pra trás como herança, a pobre mulher ia tentar sobreviver no sul do país, na casa de uma irmã que desde algum tempo já morava por lá. Pobre demais, só trazia a mala, o menino e o dinheirinho contado da passagem.
Desceram na rodoviária e seguiram até a estação de trem, local onde comprariam bilhete para seguir pelos trilhos em direção ao sul. Mal chegaram à imensa e antiga construção, abarrotada de gente que chegava e partia, a mulher deixou o menino sentado num banquinho e foi comprar o bilhete. Mas enquanto abria a bolsa perto do guichê, passou um ladrão em correria e levou tudo.
Gritou, tentou correr atrás do marginal, porém caiu estatelada no chão vitimada por um ataque fulminante. Foi retirada imediatamente dali e conduzida para necropsia sem ao menos se preocuparem se ali por perto havia algum parente. E estava. O seu filho Hugo Cabrito vagava pelo prédio em busca da mãe, perguntando a um e a outro se a haviam avistado, porém sem nenhuma resposta.
Aquela foi a primeira vez que dormiu estirado, cansado, totalmente exausto por cima de um banco. Acordou ainda de madrugada com um velho beliscando o seu pé para que acordasse. O senhor de mais de oitenta anos era um aposentado maquinista de trem que morava num quartinho na parte dos fundos da estação. Sem família, empobrecido, se arranjava como podia por ali mesmo, levando o seu dia a dia com tantas recordações de partidas e chegadas.
Verdade é que sem ter pra onde ir, o menino Hugo recebeu acolhida do velho senhor. E este, tendo-o como neto e bisneto, passou a ensinar muitas coisas que a vida de maquinista lhe ensinara. Ensinou porque muitas vezes o trem apita mais triste, porque a fumaça dos vagões também cheiram a perfume, porque uma mulher passou mais de trinta anos vindo todas as tardes à estação para receber o seu esposo que nunca chegava. Um dia ela embarcou num vagão e sumiu.
Mas um dia o velho se foi. Simplesmente também subiu no último vagão e Hugo Cabrito só o avistou quando acenava ao longe, com um lenço branco. Depois foi como virasse fumaça e sumisse. Após esse dia o menino teve que se virar como pôde para sobreviver. E foi nesse estado de precisão que começou a inventar coisas e mais coisas. Inventou de atrasar o relógio pra ninguém perder a partida, inventou um óculos que só mostrava paisagem bonita da janela do trem, inventou um lenço de adeus que soluçava quando era levado aos olhos.
Contudo, a sua maior invenção, a extraordinária invenção de Hugo Cabrito foi uma coisa muito estranha chamada palavra. E uma palavra tão diferente que chegava para as pessoas e dizia que sabia o que ela pronunciaria se fosse abrir a boca naquele momento. Mas quando a pessoa ia falar ele se antecipava e dizia: “Isso mesmo, eu sabia que você ia falar de amor, de felicidade, de prazer em viver!”.
E todo mundo ficava encantado e colocava uma moeda na sua mão.




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Úmido (Poesia)

Úmido


Saudade
e sua umidade
triste olhar
a se molhar
imenso rio
mar já vazio
derramado
por esse amor
tão amado
me deixando
molhado

enxugar
esse chorar
e depois molhar
de lábio
saliva
suor
da fonte
do prazer
e até da sede
sentida
de tanto amar
e beber na boca
e depois molhar
tanto amor
mais amar.


Rangel Alves da Costa

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ENQUANTO VARREM A CALÇADA

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ENQUANTO VARREM A CALÇADA

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Vou contar sem medo e duvido que alguém venha com conversinha pra cá dizendo que é mentira. Basta observar para perceber enquanto as vizinhas se levantam cedinho, abrem suas portas, e de vassouras nas mãos se põem a ciscar pelas suas calçadas.
A intenção é boa, que é manter a frente e os arredores das casas limpas. Contudo, tudo desanda para o imprestável, o desonroso e até imoral quando uma se achega pra perto da outra e, sempre com jeito inocente e de quem não quer puxar muito assunto, começa a conversar.
A partir do instante que a outra dá ouvidos, pois louquinha pra esse momento acontecer, esquecem da varredura, da limpeza, de tudo e chegam a galopar na fofoca, na boataria, na mentira, na falsidade, no ouvi dizer, no segredo que nunca foi, na intolerável pertinência da vida dos outros.
E uma diz: Você soube comadre?
E a outra, aflita, doida pra saber logo, pergunta: Não, comadre. Do que está falando?
E continuam:
Quer dizer que não soube daquela zinha que foi surpreendida pelo próprio marido com outro, no bem-bom, e ainda por cima da cama do casal?
Mas são tantas assim comadre, você bem sabe. Diga logo o nome...
Zabé do barbeiro, essa mesma comadre. Mas que bicha mais safada, hein? Mas a comadre disse que outras por aqui são também gaiera foi?
Que ninguém nos ouça comadre, mas vou dizer o que não devia, pois me pediram o maior segredo do mundo. Marcionila, Gerbosa e Marisbel é tudo assim comadre. Marcionila já mandou inté o corno do marido sair de casa. O besta ainda se ajoelha pedino pra ficar. Gerbosa não nega a ninguém que tem um amante, aquele menino novo, apessoado, filho da viúva Lismaura. Marisbel é a situação mais complicada, pois as má língua diz que o cabra que deita nela também deita nele. Além de corno é aviadado, e aí danou-se mesmo...
Dessa eu num sabia comadre. Mas também eu nunca que botei minha mão no fogo por nenhuma dessas aí, só num sabia que o marido de Marisbel também gostava de queimar a rosca...
Mas fica só entre a gente aqui, não é comadre, pois nunca foi de nossa intenção falar da vida dos outros. Religiosa como sou, temente aos pecado de Deus como sou, vivo a minha vida e deixo os outros fazer o que bem entenderem da sua. Mas a comadre viu como anda meio barriguda e desconfiada aquela sonda da Florinda? Será comadre, hein?
Tudo mundo tá vendo que aquela barriga só pode ser de gravidez. Agora duvido que saiba dizer quem é o pai...
E aquela outra dali da esquina deve tá na merma situação. E sai com, com outro, sei não viu. Mas deixe pra lá, que a vida dos céus não me pertence...
E assim passam a manhã inteira. Esquecem de varrer, deixam secar a água do café e queimar o cuscuz. E tudo porque a vida não tem graça sem a danada da fofoca, do intrometimento na vida dos outros. Êta povinho de todo dia!




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quinta-feira, 1 de março de 2012

ALÉM DO SALMO (Crônica)

ALÉM DO SALMO

                                Rangel Alves da Costa*


Os Salmos não se contentam em serem apenas poemas bíblicos ou cânticos de louvor a Deus. São verdadeiros hinários cantados silenciosamente pelo coração, palavras sapienciais que ecoam na alma como verdadeiros bálsamos espirituais.
Mas o Salmo 22, Salmo de Davi, que fala sobre Deus como pastor do homem, está muito além disso tudo. Constitui-se na mais pura expressão de como o manto divino se estende sobre o homem e seus caminhos e, pela sua firmeza, resguarda para cada um a paz nesta e noutra vida.
E pela sua grandiosidade, palavras não ditas, porém contidas nas entrelinhas, é que podemos entender esse Salmo em proporções muito maiores, cabendo a cada um reescrevê-lo pela sua fé e crença na proteção desse bom pastor.
Daí ser possível ter e ser este Salmo e ir além deste Salmo, à medida que também cantamos com o coração outras vozes do seu significado. Por isso mesmo quando está escrito que...
“O Senhor é meu pastor, nada me faltará...”
Ovelha que somos, acompanhadas que estamos, pelos melhores caminhos que seguiremos, guiados pelos campos verdejantes, por entre jardins e arvoredos, bosques e descampados, por onde chega a brisa perfumada dizendo que o bom filho pode sentir-se em paz, pois o seu bom pastor nunca lhe faltará.
“Em verdes prados ele me faz deitar...”
Verdes prados que são os caminhos seguros, as estradas sem erro e sem cansanço, pois seguimos as lições do pastor e já sabemos onde queremos chegar, obedecendo aos seus ensinamentos já sabemos o que poderemos encontrar, continuando fiéis discípulos do seu rebanho já sabemos o que nos aguarda adiante e além.
“Conduz-me junto às águas refrescantes...”
Ao leito do rio que sacia a sede dos justos, à visão do orvalho que surge ao amanhecer depois de afastar a sede da noite, embaixo da gota d’água que cai em pleno sol porque temos sede de verdade e de justiça, ao lado do ribeirão que mesmo vazio e esturricado anuncia ao olhar que ali será lugar de renascimento a qualquer instante. E ninguém que faça parte desse rebanho passará ao longe das águas refrescantes para a alma e o espírito. 
“Restaura as forças de minha alma...”
Porque depois de saciar a sede o homem, mansa ovelha no rebanho divino, deve seguir adiante pelos caminhos que foram ensinados. A cada passo que dá se fortalece ainda mais pela vontade de chegar e alcançar os grandes objetivos da vida. Só tem forças para caminhar, só quer logo encontrar o destino aquele que não teme o que virá. E não temerá porque parte não desgarrada do rebanho.
“Pelos caminhos retos ele me leva...”
O caminho dos justos, da retidão, da honradez, do compartilhamento, da sabedoria. E mesmo ainda no início do caminho já estará enxergando adiante a porta aberta, a casa fortalecida, a família unida, os amigos verdadeiros, a vida em harmonia.
“Por amor do seu nome...”
Tudo em nome do bom pastor, do sábio guia do seu rabanho, aquele que segue pelo caminho, mas já está abrindo outras estradas para outras crias passarem, pois onipresente, onisciente e onipotente. E por isso é tantos em tantos nomes, um Senhor, um Pai, um Deus, um Pastor, um ser que faz o seu rebanho seguir por amor no seu nome.
“Ainda que eu atravesse o vale escuro...”
Porque mesmo nos caminhos retos, iluminados, como todos fortalecidos e já sabendo onde querem chegar, ainda assim haverão contratempos, medos, sustos, espantos, inesperados. Se no doce o sal lhe corta o exagero, em qualquer caminho também sempre haverá a dificuldade a ser vencida, o vale escuro que deverá ser iluminado pela força de cada um no seu bom pastor.
“Nada temerei, pois estais comigo...”
Tudo a escuridão será vencida pela certeza que está sendo guiado pela força invencível do Senhor. Exército de um só pastor e de uma só fé, mas sem haver inimigos com seus batalhões que possam lhe subjugar e erguer a bandeira da vitória. 
“Vosso bordão e vosso báculo...”
O cajado que ampara o pastor, afasta os galhos para o seu passo, também serve para apontar qual o melhor caminho a ser seguido pelo seu rebanho. O báculo que é o mesmo cajado simbolizando o bastão de missionário, é a própria igreja caminhando com suas ovelhas em busca de salvação.
“São o meu amparo...”
A sustentação do homem, do rebanho, da ovelha que segue, através da fé, da persistência, da coragem e principalmente da certeza de estar protegido por aquele cajado, aquele bastão missionário e por aquele invencível pastor.
E então, ao lado desse bom pastor não há caminhada que não seja segura, confortável e graciosa, pois ele “Prepara para mim a mesa/ À vista de meus inimigos/ Unge de óleo minha cabeça/ Transborda minha taça”. E “Graça e misericórdia hão de seguir-me/ Por todos os dias de minha vida/ E habitarei na casa do Senhor/ Na amplidão dos tempos”.
Eis a certeza de Deus, no bordão e no cajado desse bom pastor, porque a fé é o Salmo que escrevemos internamente, no Livro Sagrado do Coração.



Poeta e cronista
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Até um dia... (Poesia)

Até um dia...

 
Um dia fechei a porteira
alforje no ombro e saí de lá
antes da curva da estrada
e a vontade era de voltar
quis apressar o passo
correr e não mais chorar
pisei em pedra e espinho
sem sentir a dor a atormentar
não tinha outro caminho
o destino não se pode mudar

rezei todas as preces
tanta fé e tanta oração
pedi a São José
pra chegar o trovão
um raio de tempestade
qualquer solução
uma nuvem cheia
um alívio no coração
uma goteira na telha
esperando a molhação
mas cadê a chuvarada
cadê molhar meu sertão?

amanheci e fechei a porta
alforje no ombro e saí de lá
um desgarrado de tudo
no mundo a desesperar...


Rangel Alves da Costa

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: INDAGAÇÕES AMOROSAS (OU COMO NAMORAR SEM SABER)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: INDAGAÇÕES AMOROSAS (OU COMO NAMORAR SEM SABER)

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Meninote ainda, adolescente no afã de se entregar apaixonadamente ao primeiro amor que encontrasse, estava com um seriíssimo problema para resolver.
Como fazer para a menina sentir que queria namorá-la, como se aproximar, o que dizer, com que roupa se apresentar, inicialmente fazer o que, apenas falar, perguntar e perguntar, procurar dar logo um beijo, segurá-la de jeito num forte abraço, quanto tempo deve demorar um beijo, beijo no rosto, no lábio, na mão, ou na boca?
E se o beijo for na boca, deve ser beijo molhado, safado, lambido, chupado, durante quanto tempo? E se ela não se importar com o abraço, já será tempo de abraçá-la bem apertado, juntando corpo a corpo, querendo muito mais do que simplesmente estar ali juntinho? E se ela aceitar o abraço safado, bem apertadinho mesmo, deve aproveitar e passar a mão pelos peitos, tocar e acariciar sua bunda, passar a mão safada por todo o seu corpo, até mesmo em outra parte tão desejada?
Mas se ela for recatada demais, metida a séria, cheia de pureza e de não sei ainda, vou pensar, amanhã posso responder, fazer o que? Insistir para que lhe aceite, mostrando que é um menino bom, de ótima família, sério, que está estudando e já planeja um futuro maravilhoso para os dois, ou bater o pé e dizer que tem de decidir na hora, pois não encontra ninguém melhor do que ele, mais bonito, mais gostoso, mais paquerado pelas gatinhas, mais desejado por todas as suas amiguinhas? E se isso servir apenas para afastá-la ainda mais, sentir nessas palavras que ele é um canalha, um descarado egoísta, um besta vaidoso demais?
Sim, e sobre a roupa, será melhor ir de calça jeans e camisa de malha ou de bermuda e camiseta? Talvez seja melhor ir só de bermuda e com a camisa deitada no ombro, mostrando que tem o corpo bonito e que será todinho dela se assim desejar, ou chegar de bermuda e camiseta e dizer que o calor está insuportável e ir tirar a roupa de cima? Mas se for menina séria e ela der um tapa na sua cara e dizer que crie vergonha e a respeite? E se alguém da família dela passar e encontrá-lo naquela folga toda diante da mocinha? Mas com qual roupa ir realmente?
Melhor uma calça jeans e camiseta, com um tênis básico e pronto. Nem mais nem menos, normal como todo mundo anda. Mas diante dela dizer o que? Como vai é muito frio, tudo bem também, como tem passado parece coisa de velho, mas dizer o que? Talvez olá ou alô gatinha, diga aí mina, como tá meu chuchuzinho, talvez sim, e por que não? Contudo, dizer isso corre o risco de não ter mais nada pra dizer no momento seguinte. E dá vontade de ser poeta, de ser um bardo galante, um romântico apaixonado, alguém que com uma única palavra faça nascer naquele semblante um leve sorriso de satisfação. E amor...
Pensou, pensou, e pensou mais ainda e nada de achar o melhor caminho para bem encontrá-la naquele primeiro momento. De tanto pensar o tempo passou que nem percebeu. Quando olhou pro relógio só faltavam dois minutos pra ela passar pelo local de todo dia ao sair da escola. E agora, o que fazer?
Tomou coragem e foi encontrá-la assim mesmo como estava, sem pensar em palavra alguma para dizer. E quase sem perceber se viu com uma flor tirada ali mesmo do jardim. E bastou chegar com a flor na mão. Não precisava de mais nada. Bastou ter a flor à mão. E o coração...   




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