Diferente
Deito mais cedo
para ter o sol
no meu sonho
acordo mais tarde
para ter a lua
no meu dia
e quando me canso
caminho nas nuvens
pertinho do céu
onde mora um amigo
e se quero
viver normalmente
ser um pouco louco
como os outros são
dizem que sou diferente
porque ainda amo
somente por isso
poque ainda amo
e gosto muito de amar
e amo você
somente por isso...
Rangel Alves da Costa
SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.
terça-feira, 22 de março de 2011
DESCONHECIDOS - 60 (Conto)
DESCONHECIDOS – 60
Rangel Alves da Costa*
As obras de construção da igrejinha iam de vento em popa. Os trabalhadores abriram uma picada pelo outro lado da serra de onde faziam subir todo o material necessário. Mas o coronel, com a esperteza que lhe era peculiar, mandou que um grupo de pedreiros e serventes ficasse ali trabalhando na beira do rio mesmo, levantando uma pequena casa de veraneio para ele e sua esposa Sofie. E certamente para os amigos convidados.
Comparando-se à riqueza do coronel, a casa encomendada até que era modesta. Exigiu apenas quatro quartos, três banheiros, cozinha, uma sala ampla e uma varanda maior ainda, sendo a casa toda rodeada de telheiro. Aí seriam colocadas as cadeiras de balanço e as redes. E tudo defronte ao rio, na maior paz do mundo. Ao menos era assim que pensava.
Diversas vezes o coronel convidou a companheira para visitar o andamento das obras. Ela, contudo, insistia em deixar que as coisas se adiantassem um pouco mais para dar uma volta naquele pedaço de rio, que já conhecia de outros tempos. Na verdade, o que ela realmente queria era ter a companhia da viúva Doranice naquela visita de inspeção.
Por diversas vezes telefonou para Yula pedindo para falar com a viúva. A cada ligação aumentava o tormento entre as duas. De um lado, Sofie contando sobre a casa em construção, sobre a igreja que já estava sendo erguida, sobre planos de inauguração do templo e de uma semana maravilhosa que passariam tomando banho de rio e saboreando peixe fresquinho.
Do outro lado ficava Dona Doranice louca para atender logo aos chamamentos da amiga e se dirigir novamente para aquela região de beira de rio, próximo a Mormaço. Contudo, explicava sempre, os afazeres eram muitos, principalmente porque havia encontrado muito mais problemas do que imaginava. A pobreza era avassaladora e o povo carente demais precisava de toda esmola para sobreviver.
Acalmava a amiga Sofie dizendo sempre que quando as portas da igrejinha fossem colocadas e ela já estivesse em condições de receber os acabamentos finais, então poderia ligar no mesmo instante que ela e seu grupo se deslocariam imediatamente para lá de onde estivessem. E acerca da casa que o coronel havia mandado construir dizia que já estava morrendo de inveja só de pensar naquela paz diante da natureza encantadora.
Realmente, os problemas encontrados pela viúva para resolver desde que saiu de Mormaço no micro-ônibus adquirido foram maiores do que os imaginados. Sensível como ela era, não podia ver uma comunidade pobre de beira de estrada que ia até lá tentar minimizar um pouco a situação.
Decidida a doar o mínimo possível de dinheiro vivo, em espécie, vez que segundo ela matava a fome num instante e depois não acabava resolvendo nada, muitas vezes tinha que arranjar como podiam para permanecer nos locais durante dois, três dias, até que casas fossem reparadas, alimentos fossem comprados, postos de saúde equipados, igrejas reformadas, estradas abertas, cisternas construídas. Chegava a brincar dizendo que era melhor se tivesse trazido consigo uma construtora, um mercadinho e um comércio inteiro.
Contudo, um inusitado problema se constituiu num dos mais difíceis de resolver. Eis que o cozinheiro, todo cheio de frescura e sotaque francês inventado, cismou porque cismou que não colocaria as mãos nas iguarias daquela região de jeito nenhum. Queria porque queria, a todo custo, que colocassem sempre à sua disposição salmões defumados, bacalhau europeu, ovas enlatadas de peixe, carne de búfalo argentino.
Negava-se, pois, a tocar em carne de bode, de carneiro, de galinha caipira, de ovelha e de qualquer tipo de caça. Não queria nem chegar perto de buchada, sarapatel, rim, fígado, rapada, toucinho de porco e outras comidas próprias daquela região. Contudo, não se separava de uma garrafa de cachaça misturada com raiz de pau, como angico e umburana. E tomava a cana sempre acompanhada de um pedacinho de tripa assada.
Aonde chegava de ônibus, a comitiva, e principalmente a viúva, era logo cercada pela criançada descalça, suja, quase sem roupa, cabelos desgrenhados e olhos bem grandes e acesos. Parecia uma família de barrigudinhos sorridentes e barulhentos, cujas feições bonitas contrastavam com a miséria em que viviam.
As mulheres, geralmente de lenço amarrado na cabeça, ficavam como que se escondendo pelos cantos dos casebres quase caindo. Era uma vergonha sem explicação, pois não teria cabimento que aquela gente sofrida tivesse qualquer coisa a esconder, senão uma tristeza infinda e uma dor sem gemido.
E Doranice olhava para todos e se reconhecia como conterrânea, como gente daquela região, como pessoa que também cresceu sofrendo. Não era muito diferente sua vida de infância não. Quando criança era também barrigudinha e cheia de vermes de tanto comer barro da parede. Tudo ainda era muito vivo na sua memória, mesmo depois de tantos anos.
Na presença do povo não, mas quando tinha um tempinho de ficar sozinha começava a pensar na situação daquele povo e começava a chorar. Somente ali sabia o quanto era difícil mudar ao menos um pouquinho daquela situação, mas também sentia quanto ajudava com qualquer coisa que pudesse oferecer.
Estavam distribuindo um carregamento de cestas de alimentos quando chegou uma moça com uma câmara na mão perguntando se podia filmar aquela senhora que estava fazendo tanta caridade na região, pois a fama de beneficente da viúva já ia longe.
“Pois não minha filha, como é o seu nome?”, perguntou Doranice à moça com a filmadora. E esta, estendendo a mão para cumprimentar, afirmou: “Meu nome é Cristina. Sou jornalista de Nova Paulo, mas estou por aqui ao mesmo tempo passeando e vendo e sentindo a vida desse povo”.
Os olhos da viúva brilharam de surpresa e satisfação.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Rangel Alves da Costa*
As obras de construção da igrejinha iam de vento em popa. Os trabalhadores abriram uma picada pelo outro lado da serra de onde faziam subir todo o material necessário. Mas o coronel, com a esperteza que lhe era peculiar, mandou que um grupo de pedreiros e serventes ficasse ali trabalhando na beira do rio mesmo, levantando uma pequena casa de veraneio para ele e sua esposa Sofie. E certamente para os amigos convidados.
Comparando-se à riqueza do coronel, a casa encomendada até que era modesta. Exigiu apenas quatro quartos, três banheiros, cozinha, uma sala ampla e uma varanda maior ainda, sendo a casa toda rodeada de telheiro. Aí seriam colocadas as cadeiras de balanço e as redes. E tudo defronte ao rio, na maior paz do mundo. Ao menos era assim que pensava.
Diversas vezes o coronel convidou a companheira para visitar o andamento das obras. Ela, contudo, insistia em deixar que as coisas se adiantassem um pouco mais para dar uma volta naquele pedaço de rio, que já conhecia de outros tempos. Na verdade, o que ela realmente queria era ter a companhia da viúva Doranice naquela visita de inspeção.
Por diversas vezes telefonou para Yula pedindo para falar com a viúva. A cada ligação aumentava o tormento entre as duas. De um lado, Sofie contando sobre a casa em construção, sobre a igreja que já estava sendo erguida, sobre planos de inauguração do templo e de uma semana maravilhosa que passariam tomando banho de rio e saboreando peixe fresquinho.
Do outro lado ficava Dona Doranice louca para atender logo aos chamamentos da amiga e se dirigir novamente para aquela região de beira de rio, próximo a Mormaço. Contudo, explicava sempre, os afazeres eram muitos, principalmente porque havia encontrado muito mais problemas do que imaginava. A pobreza era avassaladora e o povo carente demais precisava de toda esmola para sobreviver.
Acalmava a amiga Sofie dizendo sempre que quando as portas da igrejinha fossem colocadas e ela já estivesse em condições de receber os acabamentos finais, então poderia ligar no mesmo instante que ela e seu grupo se deslocariam imediatamente para lá de onde estivessem. E acerca da casa que o coronel havia mandado construir dizia que já estava morrendo de inveja só de pensar naquela paz diante da natureza encantadora.
Realmente, os problemas encontrados pela viúva para resolver desde que saiu de Mormaço no micro-ônibus adquirido foram maiores do que os imaginados. Sensível como ela era, não podia ver uma comunidade pobre de beira de estrada que ia até lá tentar minimizar um pouco a situação.
Decidida a doar o mínimo possível de dinheiro vivo, em espécie, vez que segundo ela matava a fome num instante e depois não acabava resolvendo nada, muitas vezes tinha que arranjar como podiam para permanecer nos locais durante dois, três dias, até que casas fossem reparadas, alimentos fossem comprados, postos de saúde equipados, igrejas reformadas, estradas abertas, cisternas construídas. Chegava a brincar dizendo que era melhor se tivesse trazido consigo uma construtora, um mercadinho e um comércio inteiro.
Contudo, um inusitado problema se constituiu num dos mais difíceis de resolver. Eis que o cozinheiro, todo cheio de frescura e sotaque francês inventado, cismou porque cismou que não colocaria as mãos nas iguarias daquela região de jeito nenhum. Queria porque queria, a todo custo, que colocassem sempre à sua disposição salmões defumados, bacalhau europeu, ovas enlatadas de peixe, carne de búfalo argentino.
Negava-se, pois, a tocar em carne de bode, de carneiro, de galinha caipira, de ovelha e de qualquer tipo de caça. Não queria nem chegar perto de buchada, sarapatel, rim, fígado, rapada, toucinho de porco e outras comidas próprias daquela região. Contudo, não se separava de uma garrafa de cachaça misturada com raiz de pau, como angico e umburana. E tomava a cana sempre acompanhada de um pedacinho de tripa assada.
Aonde chegava de ônibus, a comitiva, e principalmente a viúva, era logo cercada pela criançada descalça, suja, quase sem roupa, cabelos desgrenhados e olhos bem grandes e acesos. Parecia uma família de barrigudinhos sorridentes e barulhentos, cujas feições bonitas contrastavam com a miséria em que viviam.
As mulheres, geralmente de lenço amarrado na cabeça, ficavam como que se escondendo pelos cantos dos casebres quase caindo. Era uma vergonha sem explicação, pois não teria cabimento que aquela gente sofrida tivesse qualquer coisa a esconder, senão uma tristeza infinda e uma dor sem gemido.
E Doranice olhava para todos e se reconhecia como conterrânea, como gente daquela região, como pessoa que também cresceu sofrendo. Não era muito diferente sua vida de infância não. Quando criança era também barrigudinha e cheia de vermes de tanto comer barro da parede. Tudo ainda era muito vivo na sua memória, mesmo depois de tantos anos.
Na presença do povo não, mas quando tinha um tempinho de ficar sozinha começava a pensar na situação daquele povo e começava a chorar. Somente ali sabia o quanto era difícil mudar ao menos um pouquinho daquela situação, mas também sentia quanto ajudava com qualquer coisa que pudesse oferecer.
Estavam distribuindo um carregamento de cestas de alimentos quando chegou uma moça com uma câmara na mão perguntando se podia filmar aquela senhora que estava fazendo tanta caridade na região, pois a fama de beneficente da viúva já ia longe.
“Pois não minha filha, como é o seu nome?”, perguntou Doranice à moça com a filmadora. E esta, estendendo a mão para cumprimentar, afirmou: “Meu nome é Cristina. Sou jornalista de Nova Paulo, mas estou por aqui ao mesmo tempo passeando e vendo e sentindo a vida desse povo”.
Os olhos da viúva brilharam de surpresa e satisfação.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
segunda-feira, 21 de março de 2011
DIA DE NAMORAR (Crônica)
DIA DE NAMORAR
Rangel Alves da Costa*
Diferente de hoje, onde praticamente as pessoas não namoram mais – apenas se dão, se entregam, se vendem -, não faz muito tempo que o namoro era ritual tão sagrado que até tinha dia certo para se concretizar. Ao menos por aquele dia.
Ao menos por aquele dia, mas não dessa forma banalizada de apenas curtir, ficar e depois dizer tchau sem ao menos saber o nome da outra pessoa. Namorava-se apenas um dia diante das circunstâncias, porém com a promessa de dar prosseguimento aos beijos e abraços tão apressados.
Muitas vezes não tinha nem beijos nem abraços, apenas o olhar comprometedor, ávido, carente, amante e tão inocente. Às vezes apenas a volta no salão abraçados para a música que jamais esquecerão; outras vezes a conversa no canto do clube ou no banco da praça ao redor.
Não se vai muito tempo e o dia de namorar era celebrado sempre aos domingos, nos dias de baile na cidade, nas festas da padroeira, da emancipação política e de outras datas festivas do calendário.
Aos domingos, ela toda enfeitada com roupa de missa, saía ao entardecer florida, toda perfumada, cabelos cuidados, cheirando a Toque de Amor, lábios com um pouco mais de cor e o coração dividido entre a devoção religiosa e a aflição amorosa. Sem o costume de usar sapato alto, os pés só faltavam gritar de tanto sofrimento. Será que após a missa a missa ele estaria perto do coreto da pracinha?
Ele, de roupa domingueira sem o mesmo zelo que ela, ainda assim sempre arrumadinho para impressionar. Sapato de couro engraxado pela manhã, cabelos domados na brilhantina, um pouco de alfazema jogada pela irmãzinha; camisa volta-ao-mundo e calça lee americana bem engomada. No bolso da camisa um pequenino e oval espelho e um pente também pequeno no bolso de trás da calça.
Mesmo não dando muita importância para coisas da igreja, ainda assim era importante sempre ser visto assistindo à missa das seis aos domingos. Os pais das jovens que as acompanhavam no culto davam muita importância aos rapazes presentes ao templo católico e já era um empecilho a menos para um futuro diálogo.
Mas a igreja consistia ainda no grande centro propagador de paqueras, de namoros e de paixões. Muitas cantadas nasceram enquanto ela passava com a família e dava uma olhada de lado. No meio do povo, ele chegava pertinho e segredava baixinho no ouvido. Ela avermelhava e passava a missa inteirinha olhando pra trás e para o lado. E a cada olhada ele mandava um beijo ou gesticulava dizendo que estaria esperando lá fora.
Após a missa, num local determinado, mas geralmente num banco mais distante na praça, o rapazinho esperava a donzela para fazer sua pregação. Se ela acompanhasse os pais e olhasse pra trás era sinal de que não duraria para voltar. E quando ela aparecesse ao longe, colhia-se a flor ali mesmo do jardim, chamava o pipoqueiro, o vendedor de mação do amor, o senhor do papagaio da sorte. Corria e entregava algum tostão ao maestro da bandinha e ela já chegava ouvindo uma música bem apaixonada.
Nos dias de festas abertas era um deus-dará, mas naqueles de bailes reservados basicamente ao público da cidade, a situação mudava totalmente. Então era como se fosse um aniversário de 15 anos, um baile de formatura, uma festa magistral, pois as mocinhas vestiam os seus longos, caprichavam nos penteados e nas maquiagens e chegavam aos salões feito rainhas que tinham deixado um sapatinho perdido. E ele gentilmente fazia uma reverência e a chamava para bailar.
E de rostos colados, perfume com perfume num só aroma, segredos que nasciam e que já iam consumindo por dentro, esquentando tudo, e a música tocando, sensivelmente tocando, à meia luz, à sombra de tanto amor já despido nas palavras, os corações batiam e não precisavam nem mais perguntar: quer namorar comigo?
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Rangel Alves da Costa*
Diferente de hoje, onde praticamente as pessoas não namoram mais – apenas se dão, se entregam, se vendem -, não faz muito tempo que o namoro era ritual tão sagrado que até tinha dia certo para se concretizar. Ao menos por aquele dia.
Ao menos por aquele dia, mas não dessa forma banalizada de apenas curtir, ficar e depois dizer tchau sem ao menos saber o nome da outra pessoa. Namorava-se apenas um dia diante das circunstâncias, porém com a promessa de dar prosseguimento aos beijos e abraços tão apressados.
Muitas vezes não tinha nem beijos nem abraços, apenas o olhar comprometedor, ávido, carente, amante e tão inocente. Às vezes apenas a volta no salão abraçados para a música que jamais esquecerão; outras vezes a conversa no canto do clube ou no banco da praça ao redor.
Não se vai muito tempo e o dia de namorar era celebrado sempre aos domingos, nos dias de baile na cidade, nas festas da padroeira, da emancipação política e de outras datas festivas do calendário.
Aos domingos, ela toda enfeitada com roupa de missa, saía ao entardecer florida, toda perfumada, cabelos cuidados, cheirando a Toque de Amor, lábios com um pouco mais de cor e o coração dividido entre a devoção religiosa e a aflição amorosa. Sem o costume de usar sapato alto, os pés só faltavam gritar de tanto sofrimento. Será que após a missa a missa ele estaria perto do coreto da pracinha?
Ele, de roupa domingueira sem o mesmo zelo que ela, ainda assim sempre arrumadinho para impressionar. Sapato de couro engraxado pela manhã, cabelos domados na brilhantina, um pouco de alfazema jogada pela irmãzinha; camisa volta-ao-mundo e calça lee americana bem engomada. No bolso da camisa um pequenino e oval espelho e um pente também pequeno no bolso de trás da calça.
Mesmo não dando muita importância para coisas da igreja, ainda assim era importante sempre ser visto assistindo à missa das seis aos domingos. Os pais das jovens que as acompanhavam no culto davam muita importância aos rapazes presentes ao templo católico e já era um empecilho a menos para um futuro diálogo.
Mas a igreja consistia ainda no grande centro propagador de paqueras, de namoros e de paixões. Muitas cantadas nasceram enquanto ela passava com a família e dava uma olhada de lado. No meio do povo, ele chegava pertinho e segredava baixinho no ouvido. Ela avermelhava e passava a missa inteirinha olhando pra trás e para o lado. E a cada olhada ele mandava um beijo ou gesticulava dizendo que estaria esperando lá fora.
Após a missa, num local determinado, mas geralmente num banco mais distante na praça, o rapazinho esperava a donzela para fazer sua pregação. Se ela acompanhasse os pais e olhasse pra trás era sinal de que não duraria para voltar. E quando ela aparecesse ao longe, colhia-se a flor ali mesmo do jardim, chamava o pipoqueiro, o vendedor de mação do amor, o senhor do papagaio da sorte. Corria e entregava algum tostão ao maestro da bandinha e ela já chegava ouvindo uma música bem apaixonada.
Nos dias de festas abertas era um deus-dará, mas naqueles de bailes reservados basicamente ao público da cidade, a situação mudava totalmente. Então era como se fosse um aniversário de 15 anos, um baile de formatura, uma festa magistral, pois as mocinhas vestiam os seus longos, caprichavam nos penteados e nas maquiagens e chegavam aos salões feito rainhas que tinham deixado um sapatinho perdido. E ele gentilmente fazia uma reverência e a chamava para bailar.
E de rostos colados, perfume com perfume num só aroma, segredos que nasciam e que já iam consumindo por dentro, esquentando tudo, e a música tocando, sensivelmente tocando, à meia luz, à sombra de tanto amor já despido nas palavras, os corações batiam e não precisavam nem mais perguntar: quer namorar comigo?
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Ao entardecer... (Poesia)
Ao entardecer...
Se eu quiser encontrar
uma flor ao entardecer
um orvalho ao entardecer
a luz da lua ao entardecer
um sonho bom ao entardecer
tuda beleza ao entardecer
basta ir a qualquer lugar
onde esteja você
e você passeia
na praia feito sereia
se debruça na janela
feito flor mais singela
caminha pelo jardim
silêncio de querubim
em qualquer lugar
sempre assim
esse terno amor
que vem em mim
e se vai o entardecer
minha praia
minha flor
meu olhar além
tudo vai adormecer
esperando que amanhã
na vida que é quase vã
com a tarde
venha você.
Rangel Alves da Costa
Se eu quiser encontrar
uma flor ao entardecer
um orvalho ao entardecer
a luz da lua ao entardecer
um sonho bom ao entardecer
tuda beleza ao entardecer
basta ir a qualquer lugar
onde esteja você
e você passeia
na praia feito sereia
se debruça na janela
feito flor mais singela
caminha pelo jardim
silêncio de querubim
em qualquer lugar
sempre assim
esse terno amor
que vem em mim
e se vai o entardecer
minha praia
minha flor
meu olhar além
tudo vai adormecer
esperando que amanhã
na vida que é quase vã
com a tarde
venha você.
Rangel Alves da Costa
DESCONHECIDOS - 59 (Conto)
DESCONHECIDOS – 59
Rangel Alves da Costa*
João pescador, coitado, não entendeu uma palavra sequer do que o profeta Aristeu havia pronunciado. Após esse rápido e surpreendente encontro o conceito que o pescador passou a ter do profeta foi de doido varrido.
Apenas isso, um alucinado como muitos que já haviam passado por ali de cajado, barba comprida e roupão, vociferando e anunciando o fim do mundo. E se fosse realmente maluco como pensava nem duraria muito tempo por ali, pois logo ia pregar o fim do mundo mais adiante. Ainda bem que não jogava pedra nem era violento. Tudo isso na concepção de João.
Instantes depois, quando os pertences de Carol já haviam sido devolvidos e os dois pescadores já tinham se retirado, as duas mocinhas, Soniele e Carol, ainda procuravam se apresentar uma a outra, mas procedimento muito difícil e penoso de se fazer, pois nenhuma das duas estava disposta a falar a verdade sobre si.
Logicamente que sem a outra sequer pudesse imaginar o contrário, cada uma deliberou que tudo que dissesse, ao menos sobre certos fatos do passado, não teria nem um pingo de verdade. A mentira passaria a ser utilizada como meio de se preservar a identidade, sem que uma soubesse da vida de prostituta de uma e nem a outra soubesse da riquinha que havia sido presa fazendo parte de uma quadrilha de assaltantes.
Assim, tudo que uma dissesse sobre si ou que a outra perguntasse, a resposta viria sempre de modo que nada pudesse ficar exposto ou levantar dúvidas. Quando, por exemplo, Carol perguntou quem ara aquele rapaz tão bonito na fotografia, mais uma vez Soniele mentiu e disse que era seu irmão Antonio, de quem gostava muito, mas que infelizmente já havia falecido tão novo. E disse até a causa da morte: envenenamento por mordida de cobra.
Segundo Soniele contou à recém conhecida, nem gostava muito de falar sobre o passado. Este era só de amarguras, quase sem infância, adolescência, praticamente nada de bom para recordar. Os pais eram alcoólatras, violentos. Com a conivência da mãe, o pai várias vezes tentou estuprá-la. O irmão nunca pôde fazer nada porque era constantemente ameaçado. Desse modo, para não fazer uma besteira na própria família, ele teve que abandonar a casa e ir morar numa fazenda num lugar mais afastado. Ela, filha única, como não tinha parentes por perto e nem para onde ir, acabou tendo que ficar e suportar todos os tipos de angústias e aflições. Certo dia, os pais arrumaram um comprador pra sua virgindade e ela teve que ser possuída violentamente em troca de alguns tostões. Depois disso não teve mais dúvidas e saiu de casa escondido, com uma malinha com tudo que possuía. Acabou vagando por um canto e outro, trabalhando de empregada em casa de rico e tudo o mais. Até que um dia descobriu que uma tia sua morava ali naquela vila de pescadores. Assim que chegou disseram que a sua tia tinha acabado de ir embora, mas que ela podia ficar por ali esperando ela voltar um dia.
Tanta mentira e Soniele contava como se fosse a maior verdade. E para dar maior veracidade, falava de um jeito manso, leve, entristecido, quase querendo chorar. Ela mesma odiava fazer esse tipo de papel, de mentir sobre qualquer coisa. Porém, diante da outra, ainda praticamente desconhecida, tinha que negar sua história e mentir para que, ao menos por enquanto, ela não soubesse da Jasmim de Fogo, da prostituta do cabaré da Madame Sofie, da quenga que disse não ao filho do Coronel Demundo Apogeu, e que por isso mesmo havia ocorrido uma tragédia. E se todo mundo soubesse que era Gegeu o rapazinho do retrato?
Já Carol procurou não transformar totalmente sua história. Na verdade, omitiu apenas fatos relacionados ao uso de drogas, a não gostar de estudar, aos péssimos amigos que mantinha relacionamentos, aos roubos e à prisão. O resto, principalmente com relação à sua vida familiar, contou praticamente tudo.
Desse modo, disse que era filha única de uma família muito rica, que os seus pais nunca se importaram com a sua criação, como estava indo nem se sentido, mas tão somente em dinheiro, em amizades com pessoas ricas, em festas, em tudo que fosse luxo. E por isso mesmo, por os pais serem tão distantes dela, quando ela disse que ia dar um tempo nos estudos e ia fazer uma longa viagem, eles não contestaram nada e perguntaram apenas de quanto precisaria para tal passeio. Decidiu não ir pra Europa e resolveu conhecer algo muito diferente do que tinha visto em toda sua vida, e era por isso que havia chegado ali.
Depois dessas mútuas mentiras e arranjos, sem que nenhuma ficasse desconfiada da outra, resolveram que não fariam coisa melhor do que tomar um banho de rio naquele mesmo instante, com o sol alto e calor insuportável.
Quando saíram porta afora e já iam correr para as águas avistaram alguns pescadores, dentre eles João, Tiziu e Pureza, em pé na beirada do rio e olhando com olhos agoniados e feições cheias de preocupações para um barquinho solitário, totalmente vazio, que ia bem no meio do rio. Soniele puxou Carol pelo braço e seguiram até eles para perguntar o que estava acontecendo.
E Dona Pureza respondeu: “Aquele barquinho ali é o barquinho da morte e só passa nessas águas da meia-noite em diante procurando quem vem buscar pra levar. Ninguém nunca viu ele passando essa hora não, em pleno sol. E se ele tá passando essa hora é porque coisa ruim vai acontecer, é algum sinal de tempo ruim. Que Deus me livre!”. E todos os pescadores se benzeram.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Rangel Alves da Costa*
João pescador, coitado, não entendeu uma palavra sequer do que o profeta Aristeu havia pronunciado. Após esse rápido e surpreendente encontro o conceito que o pescador passou a ter do profeta foi de doido varrido.
Apenas isso, um alucinado como muitos que já haviam passado por ali de cajado, barba comprida e roupão, vociferando e anunciando o fim do mundo. E se fosse realmente maluco como pensava nem duraria muito tempo por ali, pois logo ia pregar o fim do mundo mais adiante. Ainda bem que não jogava pedra nem era violento. Tudo isso na concepção de João.
Instantes depois, quando os pertences de Carol já haviam sido devolvidos e os dois pescadores já tinham se retirado, as duas mocinhas, Soniele e Carol, ainda procuravam se apresentar uma a outra, mas procedimento muito difícil e penoso de se fazer, pois nenhuma das duas estava disposta a falar a verdade sobre si.
Logicamente que sem a outra sequer pudesse imaginar o contrário, cada uma deliberou que tudo que dissesse, ao menos sobre certos fatos do passado, não teria nem um pingo de verdade. A mentira passaria a ser utilizada como meio de se preservar a identidade, sem que uma soubesse da vida de prostituta de uma e nem a outra soubesse da riquinha que havia sido presa fazendo parte de uma quadrilha de assaltantes.
Assim, tudo que uma dissesse sobre si ou que a outra perguntasse, a resposta viria sempre de modo que nada pudesse ficar exposto ou levantar dúvidas. Quando, por exemplo, Carol perguntou quem ara aquele rapaz tão bonito na fotografia, mais uma vez Soniele mentiu e disse que era seu irmão Antonio, de quem gostava muito, mas que infelizmente já havia falecido tão novo. E disse até a causa da morte: envenenamento por mordida de cobra.
Segundo Soniele contou à recém conhecida, nem gostava muito de falar sobre o passado. Este era só de amarguras, quase sem infância, adolescência, praticamente nada de bom para recordar. Os pais eram alcoólatras, violentos. Com a conivência da mãe, o pai várias vezes tentou estuprá-la. O irmão nunca pôde fazer nada porque era constantemente ameaçado. Desse modo, para não fazer uma besteira na própria família, ele teve que abandonar a casa e ir morar numa fazenda num lugar mais afastado. Ela, filha única, como não tinha parentes por perto e nem para onde ir, acabou tendo que ficar e suportar todos os tipos de angústias e aflições. Certo dia, os pais arrumaram um comprador pra sua virgindade e ela teve que ser possuída violentamente em troca de alguns tostões. Depois disso não teve mais dúvidas e saiu de casa escondido, com uma malinha com tudo que possuía. Acabou vagando por um canto e outro, trabalhando de empregada em casa de rico e tudo o mais. Até que um dia descobriu que uma tia sua morava ali naquela vila de pescadores. Assim que chegou disseram que a sua tia tinha acabado de ir embora, mas que ela podia ficar por ali esperando ela voltar um dia.
Tanta mentira e Soniele contava como se fosse a maior verdade. E para dar maior veracidade, falava de um jeito manso, leve, entristecido, quase querendo chorar. Ela mesma odiava fazer esse tipo de papel, de mentir sobre qualquer coisa. Porém, diante da outra, ainda praticamente desconhecida, tinha que negar sua história e mentir para que, ao menos por enquanto, ela não soubesse da Jasmim de Fogo, da prostituta do cabaré da Madame Sofie, da quenga que disse não ao filho do Coronel Demundo Apogeu, e que por isso mesmo havia ocorrido uma tragédia. E se todo mundo soubesse que era Gegeu o rapazinho do retrato?
Já Carol procurou não transformar totalmente sua história. Na verdade, omitiu apenas fatos relacionados ao uso de drogas, a não gostar de estudar, aos péssimos amigos que mantinha relacionamentos, aos roubos e à prisão. O resto, principalmente com relação à sua vida familiar, contou praticamente tudo.
Desse modo, disse que era filha única de uma família muito rica, que os seus pais nunca se importaram com a sua criação, como estava indo nem se sentido, mas tão somente em dinheiro, em amizades com pessoas ricas, em festas, em tudo que fosse luxo. E por isso mesmo, por os pais serem tão distantes dela, quando ela disse que ia dar um tempo nos estudos e ia fazer uma longa viagem, eles não contestaram nada e perguntaram apenas de quanto precisaria para tal passeio. Decidiu não ir pra Europa e resolveu conhecer algo muito diferente do que tinha visto em toda sua vida, e era por isso que havia chegado ali.
Depois dessas mútuas mentiras e arranjos, sem que nenhuma ficasse desconfiada da outra, resolveram que não fariam coisa melhor do que tomar um banho de rio naquele mesmo instante, com o sol alto e calor insuportável.
Quando saíram porta afora e já iam correr para as águas avistaram alguns pescadores, dentre eles João, Tiziu e Pureza, em pé na beirada do rio e olhando com olhos agoniados e feições cheias de preocupações para um barquinho solitário, totalmente vazio, que ia bem no meio do rio. Soniele puxou Carol pelo braço e seguiram até eles para perguntar o que estava acontecendo.
E Dona Pureza respondeu: “Aquele barquinho ali é o barquinho da morte e só passa nessas águas da meia-noite em diante procurando quem vem buscar pra levar. Ninguém nunca viu ele passando essa hora não, em pleno sol. E se ele tá passando essa hora é porque coisa ruim vai acontecer, é algum sinal de tempo ruim. Que Deus me livre!”. E todos os pescadores se benzeram.
continua...
Poeta e cronista
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domingo, 20 de março de 2011
O CAMINHO SEM ESTRADA (Crônica)
O CAMINHO SEM ESTRADA
Rangel Alves da Costa*
Será possível caminhar sem sair do lugar, sem se locomover, sem pegar caminho, sem cortar estrada?
Certa vez o velho sábio das cartas do vento profetizou: Para o norte e para o sul, para o leste e oeste, para toda direção que se olhe há sempre alguém caminhando sem sair do lugar. E assim já foi até o norte, o sul, o leste e o oeste. Hoje seus sapatos estão muito estragados no pensamento.
Mas há que se esclarecer que aqui não se trata, por exemplo, de voar no pensamento, de mentalizar lugares onde gostaria de estar, de teletransportar-se, de ser projetado à distância ou de viajar em sonhos. Nada disso. Pelo contrário, caminho sem estrada pressupõe efetivamente caminhar.
Contudo, do caminhar que falo e do caminho que deve ser percorrido está muito distante de se colocar um só pé no chão para dar o primeiro passo e ir até onde quiser. Há caminho, há estrada, há passos, mas não há ninguém que caminhe, pois aquele que deveria fazer sombra na estrada não saiu um só instante de onde está.
E por que não saiu, se para caminhar pressupõe-se andar, se movimentar, até mesmo correr?
Talvez o velho sábio das cartas do vento tenha alguma resposta: Já vi marcas no chão, sulcos na areia, na lama ou no asfalto fresco, sem que o dono daqueles passos tenha passado por ali um só instante. E até pude avistá-lo adiante, seguindo em frente, mas juro que ele não passou por ali.
Na verdade, se o problema parece de difícil solução, observemos o que disse mais tarde o velho, dando pistas sobre o caminhar sem sair do lugar: Eu estou aqui e estou lá. Não fico pensando nem chego lá através do pensamento. Sei que estou aqui e posso sair daqui e caminhar para ir até lá, e isto farei agora, tenham certeza que irei chegar, mas vejam que nem sairei do lugar...
E dando exemplos de pessoas que fizeram o mesmo, acrescentou:
Não vou falar no Senhor Jesus Cristo, pela sua onipresença e que não caberia citar sua força e possibilidade de estar em todos e em todos os lugares ao mesmo tempo.
Mas os filósofos caminharam pelo mesmo caminho; os grandes sábios da humanidade cortaram desertos, subiram e desceram montanhas, sem arredar um pé debaixo de sua árvore do conhecimento; as pessoas que vivem para fazer o bem e engrandecem a vida com suas atitudes também possuem esse poder.
Depois deles, somente outra qualidade de pessoa pode caminhar sem sair do lugar. Falo de todo aquele que reconhece e valoriza a própria sabedoria, a prudência, a paciência, a tranquilidade, o respeito ao próximo, preza as virtudes humanas e procura caminhar sempre pelas estradas da construção.
Alguém conhece uma pessoa assim? Admito que é difícil encontrá-la em meio ao mundo materialista, desumano, semeador de discórdias, egoísta e que vive instalada no reino das vaidades.
Não sou tão casto, mas também não sou tão impuro. Depuro o melhor para minha pureza. Prego as lições que ouvi um dia: “Só sei que nada sei”, “Sê senhor da tua vontade e escravo da tua consciência”; “A felicidade é para quem se basta a si próprio”; “Nada do que está em potência passa ao ato senão por outra coisa que está já em ato”.
Ah! O sempre bom Aristóteles. Foi o mais ilustre discípulo de Platão e teve como mais ilustre discípulo Alexandre, O Grande.
Basta citar tais fatos para concluir que só é possível caminhar sem seguir pela estrada aquele que sabe ser discípulo e que sabe fazer discípulos. São as lições que caminham, que prosseguem eternamente, sem que o sábio tenha de sair do lugar.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Rangel Alves da Costa*
Será possível caminhar sem sair do lugar, sem se locomover, sem pegar caminho, sem cortar estrada?
Certa vez o velho sábio das cartas do vento profetizou: Para o norte e para o sul, para o leste e oeste, para toda direção que se olhe há sempre alguém caminhando sem sair do lugar. E assim já foi até o norte, o sul, o leste e o oeste. Hoje seus sapatos estão muito estragados no pensamento.
Mas há que se esclarecer que aqui não se trata, por exemplo, de voar no pensamento, de mentalizar lugares onde gostaria de estar, de teletransportar-se, de ser projetado à distância ou de viajar em sonhos. Nada disso. Pelo contrário, caminho sem estrada pressupõe efetivamente caminhar.
Contudo, do caminhar que falo e do caminho que deve ser percorrido está muito distante de se colocar um só pé no chão para dar o primeiro passo e ir até onde quiser. Há caminho, há estrada, há passos, mas não há ninguém que caminhe, pois aquele que deveria fazer sombra na estrada não saiu um só instante de onde está.
E por que não saiu, se para caminhar pressupõe-se andar, se movimentar, até mesmo correr?
Talvez o velho sábio das cartas do vento tenha alguma resposta: Já vi marcas no chão, sulcos na areia, na lama ou no asfalto fresco, sem que o dono daqueles passos tenha passado por ali um só instante. E até pude avistá-lo adiante, seguindo em frente, mas juro que ele não passou por ali.
Na verdade, se o problema parece de difícil solução, observemos o que disse mais tarde o velho, dando pistas sobre o caminhar sem sair do lugar: Eu estou aqui e estou lá. Não fico pensando nem chego lá através do pensamento. Sei que estou aqui e posso sair daqui e caminhar para ir até lá, e isto farei agora, tenham certeza que irei chegar, mas vejam que nem sairei do lugar...
E dando exemplos de pessoas que fizeram o mesmo, acrescentou:
Não vou falar no Senhor Jesus Cristo, pela sua onipresença e que não caberia citar sua força e possibilidade de estar em todos e em todos os lugares ao mesmo tempo.
Mas os filósofos caminharam pelo mesmo caminho; os grandes sábios da humanidade cortaram desertos, subiram e desceram montanhas, sem arredar um pé debaixo de sua árvore do conhecimento; as pessoas que vivem para fazer o bem e engrandecem a vida com suas atitudes também possuem esse poder.
Depois deles, somente outra qualidade de pessoa pode caminhar sem sair do lugar. Falo de todo aquele que reconhece e valoriza a própria sabedoria, a prudência, a paciência, a tranquilidade, o respeito ao próximo, preza as virtudes humanas e procura caminhar sempre pelas estradas da construção.
Alguém conhece uma pessoa assim? Admito que é difícil encontrá-la em meio ao mundo materialista, desumano, semeador de discórdias, egoísta e que vive instalada no reino das vaidades.
Não sou tão casto, mas também não sou tão impuro. Depuro o melhor para minha pureza. Prego as lições que ouvi um dia: “Só sei que nada sei”, “Sê senhor da tua vontade e escravo da tua consciência”; “A felicidade é para quem se basta a si próprio”; “Nada do que está em potência passa ao ato senão por outra coisa que está já em ato”.
Ah! O sempre bom Aristóteles. Foi o mais ilustre discípulo de Platão e teve como mais ilustre discípulo Alexandre, O Grande.
Basta citar tais fatos para concluir que só é possível caminhar sem seguir pela estrada aquele que sabe ser discípulo e que sabe fazer discípulos. São as lições que caminham, que prosseguem eternamente, sem que o sábio tenha de sair do lugar.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Sofrimento e ilusão (Poesia)
Sofrimento e ilusão
As lágrimas eram verdadeiras
porque o amor era verdadeiro
e quanto mais chorava
mais sentia que amava
com um lenço acenando
para as sombras se afastando
já lá na curva da estrada
sem poder fazer mais nada
passaram-se dez anos
e uma tarde saiu à janela
e avistou uma sombra ao longe
era o retorno tão esperado
do amor mais que amado
e o vulto veio caminhando
a face amada mais perto chegando
era tão doce novamente abraçar
quem o tempo só fez esperar
mas o amado não parou na janela
não acenou com um beijo pra ela
foi passando e seguiu caminho
como ilusão num coração tão sozinho.
Rangel Alves da Costa
As lágrimas eram verdadeiras
porque o amor era verdadeiro
e quanto mais chorava
mais sentia que amava
com um lenço acenando
para as sombras se afastando
já lá na curva da estrada
sem poder fazer mais nada
passaram-se dez anos
e uma tarde saiu à janela
e avistou uma sombra ao longe
era o retorno tão esperado
do amor mais que amado
e o vulto veio caminhando
a face amada mais perto chegando
era tão doce novamente abraçar
quem o tempo só fez esperar
mas o amado não parou na janela
não acenou com um beijo pra ela
foi passando e seguiu caminho
como ilusão num coração tão sozinho.
Rangel Alves da Costa
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