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segunda-feira, 21 de março de 2011

DIA DE NAMORAR (Crônica)

DIA DE NAMORAR

Rangel Alves da Costa*


Diferente de hoje, onde praticamente as pessoas não namoram mais – apenas se dão, se entregam, se vendem -, não faz muito tempo que o namoro era ritual tão sagrado que até tinha dia certo para se concretizar. Ao menos por aquele dia.
Ao menos por aquele dia, mas não dessa forma banalizada de apenas curtir, ficar e depois dizer tchau sem ao menos saber o nome da outra pessoa. Namorava-se apenas um dia diante das circunstâncias, porém com a promessa de dar prosseguimento aos beijos e abraços tão apressados.
Muitas vezes não tinha nem beijos nem abraços, apenas o olhar comprometedor, ávido, carente, amante e tão inocente. Às vezes apenas a volta no salão abraçados para a música que jamais esquecerão; outras vezes a conversa no canto do clube ou no banco da praça ao redor.
Não se vai muito tempo e o dia de namorar era celebrado sempre aos domingos, nos dias de baile na cidade, nas festas da padroeira, da emancipação política e de outras datas festivas do calendário.
Aos domingos, ela toda enfeitada com roupa de missa, saía ao entardecer florida, toda perfumada, cabelos cuidados, cheirando a Toque de Amor, lábios com um pouco mais de cor e o coração dividido entre a devoção religiosa e a aflição amorosa. Sem o costume de usar sapato alto, os pés só faltavam gritar de tanto sofrimento. Será que após a missa a missa ele estaria perto do coreto da pracinha?
Ele, de roupa domingueira sem o mesmo zelo que ela, ainda assim sempre arrumadinho para impressionar. Sapato de couro engraxado pela manhã, cabelos domados na brilhantina, um pouco de alfazema jogada pela irmãzinha; camisa volta-ao-mundo e calça lee americana bem engomada. No bolso da camisa um pequenino e oval espelho e um pente também pequeno no bolso de trás da calça.
Mesmo não dando muita importância para coisas da igreja, ainda assim era importante sempre ser visto assistindo à missa das seis aos domingos. Os pais das jovens que as acompanhavam no culto davam muita importância aos rapazes presentes ao templo católico e já era um empecilho a menos para um futuro diálogo.
Mas a igreja consistia ainda no grande centro propagador de paqueras, de namoros e de paixões. Muitas cantadas nasceram enquanto ela passava com a família e dava uma olhada de lado. No meio do povo, ele chegava pertinho e segredava baixinho no ouvido. Ela avermelhava e passava a missa inteirinha olhando pra trás e para o lado. E a cada olhada ele mandava um beijo ou gesticulava dizendo que estaria esperando lá fora.
Após a missa, num local determinado, mas geralmente num banco mais distante na praça, o rapazinho esperava a donzela para fazer sua pregação. Se ela acompanhasse os pais e olhasse pra trás era sinal de que não duraria para voltar. E quando ela aparecesse ao longe, colhia-se a flor ali mesmo do jardim, chamava o pipoqueiro, o vendedor de mação do amor, o senhor do papagaio da sorte. Corria e entregava algum tostão ao maestro da bandinha e ela já chegava ouvindo uma música bem apaixonada.
Nos dias de festas abertas era um deus-dará, mas naqueles de bailes reservados basicamente ao público da cidade, a situação mudava totalmente. Então era como se fosse um aniversário de 15 anos, um baile de formatura, uma festa magistral, pois as mocinhas vestiam os seus longos, caprichavam nos penteados e nas maquiagens e chegavam aos salões feito rainhas que tinham deixado um sapatinho perdido. E ele gentilmente fazia uma reverência e a chamava para bailar.
E de rostos colados, perfume com perfume num só aroma, segredos que nasciam e que já iam consumindo por dentro, esquentando tudo, e a música tocando, sensivelmente tocando, à meia luz, à sombra de tanto amor já despido nas palavras, os corações batiam e não precisavam nem mais perguntar: quer namorar comigo?





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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