PASSARINHO DE QUINTAL
Rangel Alves da Costa*
Quem ainda tem o privilégio de morar em casa com quintal sabe o quanto é bom utilizar aquele espaço para ter uma pequena horta medicinal, ter caqueiros de plantas pendurados por todos os lugares, regando logo cedinho e ao entardecer a avenca, a roseira e a samambaia. O cachorrinho também vive solto por ali, convivendo pacificamente com o cágado e o gato.
Quando o quintal é maior, desses quintais interioranos demarcados por cercas ou arames, muito mais extensos e espaçosos, então não será difícil aproveitá-lo para ter um verdadeiro pomar, com mangueira, goiabeira, jabuticabeira, mamoeiro, umbuzeiro, jaqueira e um monte de outras árvores frutíferas que fazem os olhos brilharem nas manhãs e a boca se encher de gulodices docinhas e naturais.
Queria ter no meu quintal um espaço totalmente sertanejo, com lugar assegurado para a palma, o mandacaru, o xiquexique, o facheiro, a cabeça-de-frade, a urtiga, a cansanção, a catingueira, o caibreiro. Para ser mais autêntico, teria que ter galinhas ciscando, papagaio falador, um bom e velho galo para anunciar as manhãs.
Contudo, meu quintal é murado, é de cidade grande, não tem terra para abrir a cova e plantar o que quiser, não tem cercado para olhar adiante e observar como tudo se estende. Não tem pé de pau nem criação alguma, muito menos erva cidreira, manjericão, mastruz e hortelã plantados no chão. Tudo o que existe é um tanto artificial, pois em caqueiro, vasos e xaxins, ainda que os aromas do campo de vez em quando entrem cozinha adentro.
Seja como for, em quintal grande ou pequeno, da cidade ou do campo, o que não pode faltar de jeito nenhum é a visita do passarinho, o pássaro que chega e belisca uma coisa e outra, canta o seu canto bonito, voeja aqui e acolá e depois parte para outras andanças, mas sem esquecer de fazer o mesmo percurso no dia seguinte.
Quando as árvores frutíferas se espalham pelo quintal, o passarinho é muito mais do que mero visitante, pois ali mesmo constrói o seu ninho, vive a maior parte do dia, torna-se praticamente inquilino do dono do quintal. Tornam-se tão amigos que não se espantam mais, um não sai quando o outro se aproxima, até se tornam companheiros de conversa e tudo.
Passarinho conversa cantando, enquanto o homem seria melhor que nem falasse, todo mundo sabe disso. Contudo, como o homem abre a boca para dizer coisas e nem tudo que dela sai deve ser asneira, então de vez em quando fala com o passarinho e pergunta como vai a manhã, se vai chover, como vai a natureza ao redor e adiante. Assim a amizade se fortalece e se alonga.
Como no meu quintal não tem pé de pau, mas apenas pequenas plantas, cimento, muro, telha e varais, o passarinho chega a qualquer hora do dia e vai passando de um lugar a outro, procurando sempre se há algum resto de comida ou algum vaso de água destampado em qualquer lugar. Se encontrar o que deseja se assanha todo, fica alegre, faz festa, até canta. Faz o seu lanche, bebe sua água e voa novamente não se sabe pra onde.
Contudo, tem aparecido por aqui um passarinho que parece não se contentar em visitar e comer e beber somente do que existe no quintal. Como a porta dos fundos sempre fica aberta, já o encontrei logo cedinho na mesa da cozinha, passeando tranquilamente. Outro dia estava saboreando com a maior calma do mundo um pedaço de bolo que havia sido deixado em cima da mesa. De vez em quando é encontrado em cima da pia ou da geladeira, por cima da televisão ou passeando pelo chão.
Depois dessas incursões não tive mais dúvidas que passei a ter mais um morador na casa, apareceu mais um membro na minha família. O problema é que nunca me fez mal algum nem me causou o menor aborrecimento e não teria nem coragem de expulsá-lo ou deixar a porta e a janela fechadas para impedir sua entrada.
Hoje em dia não estranho quando encontro o meu amigo passarinho na sala, nos quartos, voando pela casa inteira. E cantando, e cantando aquele canto alegre que não consigo mais viver sem escutá-lo.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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