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terça-feira, 29 de março de 2011

O VENTO E AS FOLHAS (Crônica)

O VENTO E AS FOLHAS

Rangel Alves da Costa*


Nada mais bonito e poético do que o vento que vem soprando e segura na mão da folha e saem voando por aí. Também nada mais triste do que uma folha morta sendo levada pelo ar e sem que ninguém saiba a direção que vai tomar mais adiante.
No outono, quando as folhas perdem o viço, a força e a cor e começam a despencar e a se espalhar pelo chão, num tapete multicor de cores sombrias e tristes, somente alguns olhares conseguem enxergar o significado dessa paisagem.
Sentado no chão da praça, o entristecido poeta sente-se como a própria folha e não vê a hora que o vento passe e o faça tristemente ser levado diante da janela da mulher amada. Se ela enxergar a folha, desse simples gesto haverá renascimento e a vida será para ele como um elo, pois sabe que ainda há esperança.
No meio da praça, o pintor de cavalete estendido não consegue pintar porque seus olhos marejados confundem as cores. Mas não se culpa, e sim o outono que deixa tudo assim tão angustiante e dolorosamente sentimental. Queria uma cor mais alegre, mas na paleta, estendido pelo chão e dentro de si somente o ocre, o marrom, o cinza, a cor já sem cor.
Recostado no banco da praça, o velho senhor conhece todas aquelas folhas caídas, conhece todas as estações da vida e os motivos que as fazem ficarem assim, mortas, jogadas, simplesmente espalhadas ao léu, à sorte de pés apressados e de qualquer vento faminto.
E por conhecer tanto já não fica tão entristecido a cada outono, mas não suporta ver a manhã seguinte, quando as folhas já sumiram e não se sabe pra onde. Eis a vida, bem assim é a vida, pensa ele.
E com razão. Bem assim é na vida. Firmes, verdejantes, fixos em seus suportes, suportam vendavais e tempestades, ventanias e vendavais, balançam mas não são fáceis de cair, sentem o impacto mas não se desmancham em pó tão facilmente. E aí vem o outono da vida e os homens se tornam apenas folhas temendo qualquer ventinho que não tarda chegar.
E de repente até mesma a brisa vai consumindo o rochedo e o pó começa a se espalhar pelo ar como um nada existente, como o absolutamente nada. E vai o ser vaidoso, egoísta, prepotente, arrogante, no passo da fuligem, da folha seca, de algo quase inexistente, tomando seu destino de ser nada. Absolutamente nada.
Porque sei que sou folha, porque não sei quantos outonos terei, quantas tardes no jardim ainda terei, qual força de vento suportarei, é que peço ao meu grande e imenso amor que jamais deixe a janela do seu quarto fechada.
Estranhamente, mas as folhas começam a perder suas forças no meio da tarde e quando chega ao entardecer já estão caindo para enfeitar o leito. E também estranhamente é ao entardecer que o trem da ventania vem soprando para levar consigo aquelas passageiras estendidas no meio do tempo.
Sei que um dia também serei passageiro desse trem ventania e pelo ar serei levado em direção à rua onde mora, à sua casa, à sua janela. Como não terei destino, quem sabe se o vento se perde na curva e sou arremessado e entro pela sua janela, me vejo no seu quarto, me estendo na sua cama.
E quando você chegar e antes de ir ver a lua, contar as estrelas e sonhar com os mistérios da noite, certamente deitará na cama para escrever qualquer coisa no seu querido diário.
Talvez escreva: “Somos iguais a folhas ao vento, cujos destinos são iguais às folhas ao vento, que são apenas folhas ao vento, porque somente folhas, porque não mais vento...”.
E eu estarei bem ao lado esperando que você me encontre, me segure e me pegue, e depois guarde dentro do seu diário, como uma folha sem vento.





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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