A FÉ DOS HUMILDES
Rangel Alves da Costa*
Pode até parecer estranho para muitos, mas na minha concepção a fé das pessoas mais empobrecidas da sociedade, mais carentes e humildes é muito mais verdadeira e consistente do que a existente em pessoas de classes sociais com maior poder aquisitivo.
Conceitualmente a fé pode se estender a todos igualmente, pois a crença será sempre no tamanho daquilo que se crê. Contudo, situações existem onde a fé é tamanha que aquilo que é acreditado reverentemente alcança proporções inimagináveis. No último contexto reside a fé dos humildes.
De um modo geral, tem-se por fé a firme convicção no poder divino e nos seus ensinamentos; é a plena convicção que verdadeiramente existem forças superiores que têm o poder de interceder na vida humana; é o conjunto de dogmas e doutrinas que constituem um culto; é a confiança em Deus; crença que Deus faz e fará o que promete. Em síntese, fé é a aliança entre o homem e a divindade.
Como observado, considerando-se que a fé dos humildes vai além de bases conceituais estabelecidas, tem-se então que esta pode ser vista como o último e mais alto estágio, verdadeiro apego sentimental, psicológico e religioso, de crença na força de Deus e no poder que possuem os santos, anjos e outras entidades.
Para os humildes não há um limite para crer no poder de intervenção divina na solução dos seus problemas. Ora, basta ter a certeza que são guiados por uma força maior, por uma entidade superior e que esta nunca os abandonará ou deixará ao desamparo, que tudo se transforma em convicção de que todos os seus atos são guiados, transformados e reformados pelo seu Deus de absoluta grandeza.
Haveria de se indagar, então, como se manifesta essa fé dos humildes, como ela pode ser observada no cotidiano dessas pessoas, como ela é visível no praticante e como é demonstrada como culto familiar.
Indubitavelmente que é no Nordeste brasileiro que a fé do povo mais se ressalta. A lavagem das escadarias das igrejas; as procissões interioranas com fiéis de velas em punho, fazendo todo o percurso descalças, carregando nas mãos imagens de santos, mostrando no rosto a lágrima de devoção e gratidão, subindo de joelhos as escadarias da igreja; as quermesses, as novenas, o sino que toca chamando para a missa; as irmandades, os rosários, as roupas enlutadas da semana santa, o xale negro na cabeça; a casa dos ex-votos, todos os votos de fervor e agradecimento.
Mas também a fitinha do Padre Cícero ou do Senhor do Bonfim, o lenço molhado de água benta, o ofertório, as lembrancinhas do Juazeiro, a bíblia na bolsa e em todo lugar, a corrente com a imagem divina, o crucifixo, a cruz pendurada no pescoço, o se benzer ao sair ou chegar, a hóstia, a missa das seis, das sete, quantas missas houver.
Contudo, a fé em toda sua extensão somente será mais bem percebida nas residências mais pobres, nos lugarejos mais longínquos, nas choupanas e casebres sertanejos, nos locais onde a riqueza maior é verdadeiramente acreditar em Deus muito mais do que em outros lugares e quaisquer outras pessoas.
Quem chegar num ranchinho caindo aos pedaços até pode não encontrar uma só parede em pé, mas por todos os lugares encontrará imagens de santos, fitinhas do Padre Cícero, pequenos oratórios e velas acesas. Na entrada da casa, na porta inexistente, estará escrito “Esta casa é abençoada por Deus!”.
Este povo que quase não tem o que comer, sobrevive de esmolas e de qualquer coisa que lhe chegue às mãos, é uma gente principalmente esperançosa e crente na força divina acima de tudo. É pobre hoje, mas com fé em Deus amanhã dias melhores virão. Não admite, sob qualquer hipótese, que na sua residência, no meio de sua pobreza, Deus e os santos e anjos sejam profanados. Ali ele apenas reside, mas a casa é de Deus, tudo é de Deus, porque Deus é tudo.
E na semana santa, até pelo costume, jejuam todos os dias, não varrem a casa até que chegue o sábado de aleluia, se vestem de preto de cima a baixo, não penteiam os cabelos, não ouvem rádio nem música, não ficam em meio festivo, não procuram fazer outra coisa senão rezar.
Se perguntarem o que seja fé não sabem responder. Mas se perguntarem se têm fé em Deus erguerão as mãos para o alto em agradecimento por tudo na vida. Até pela pobreza, pois há a inabalável fé que amanhã tudo poderá ser diferente.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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