NOITE DO DIA
Rangel Alves da Costa*
Não tenho a menor dúvida. Ainda que o sol esteja brilhando como nunca, nenhuma nuvem passeie abaixo do firmamento e do horizonte pareça alcançar o infinito, mesmo assim a noite estará presente no dia.
E quando falo da presença na noite em pleno dia digo também da existência da lua, de estrelas, de outros astros que brilham no céu, de escuridão, de medos e temores, de espantos e assombrações, de gemidos e prazeres, de serenatas, tristezas e saudades.
Mas digo principalmente das coisas que serpenteiam outro tipo de noite, que é o anoitecer na vida, no espírito, no corpo, nos sonhos, no ocaso e impossibilidade de realizações. Quantas noites assim as pessoas vivem nos seus dias, caminhando entre brumas e sombras e tendo a voz de Dante chamando para o seu mundo?
E digo por que vi e vejo as pessoas fingindo que vivem normalmente o seu dia quando na verdade estão nada mais nada menos do que à beira de precipícios, rodeadas de problemas, onde tudo parece ser de padecimento, onde nada mais lhes resta do que os passos incertos na mais pura escuridão.
E digo por que vi e vejo o sol se esconder para muitos, a claridade do dia teimar em ser somente sombra, os horizontes não passarem de um véu negro e escurecido que não vão além do olhar. Porque se foi a esperança, o grande amou desamou, nenhum afeto lhes resta, não lhes resta nenhum motivo para buscar a luz.
E digo por que vi e vejo janelas e portas sempre fechadas; cancelas, portões e cortinas que nunca se abrem. E lá dentro, lá no escuro da casa, no negrume do quarto, no breu do silêncio e da solidão, não há somente o vazio, o nada ou caos, mas uma pessoa que ninguém acredita que exista ali, que esteja vivendo ali, que vive morrendo ali. E quantos sóis brilham sobre essa pessoa? É preciso perguntar.
O que farão essas pessoas após o por do sol, quando o crepúsculo sinaliza a chegada de novas cores, e a escuridão do anoitecer toma conta de céu e terra? O que farão essas pessoas saídas há pouco da noite para entrar em outra noite e ainda fingirem que têm olhos para enxergar uma lua ou uma estrela? O que farão as pessoas que não suportam a noite do dia e ter que carregar sobre as costas e sentimentos duas noites numa vida que já é noite por toda vida?
O cego, que vive na luza da escuridão, certamente não sofre tanto como aquele que enxerga tudo, porém nenhuma luz e nenhuma outra cor pode encontrar porque fechado numa redoma de desilusão e desesperança. Quem experimenta a escuridão de olhos vendados, de repente solta o pano e até se encandeia com tanta luz e sorri porque a alegria que causa ao coração e ao sentimento essa paz instantânea de ter a vida adiante num segundo. E quem a vida cega dando-lhe a luz da escuridão?
Não se deve esquecer das torturantes luas que surgem ao longo do dia, das estrelas que brilhantemente estão em todo lugar, das estrelas cadentes que cortam os céus bem à frente, dos astros que se aproximam dizendo que são poeiras. E por que a pessoa que nada enxerga diante de si senão a escuridão consegue ver isso tudo? Ora, nenhuma desgraça é totalmente nua, pois surgem sempre adereços para confundir ainda mais a já fragilizada mente e aproximar da loucura.
Aliás, nesses dias que são somente noites para muitas pessoas, não é difícil avistá-las uivando em cima de suas montanhas de problemas, de seus montes de angústias e desilusões. E igualmente aos lobos, quando se cansam de uivar e não são atendidos, descem novamente dos seus cumes longínquos e vão procurar seus esconderijos para descansar.
E dormem ao meio-dia na praça e sonham que as noites não existem mais. E acordam já no negrume da noite e novamente caminham desiludidos porque também sonharam com uma luz que não conseguem encontrar.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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