MENINOS DE TRISTE DESTINO
Rangel Alves da Costa*
Zequinha tem dez anos. É menino sertanejo de casa de beira de estrada, de família pobre, toda cheia de precisão. Ele já trabalha desde os cinco anos, ajudando o pai numa coisa e noutra. Agora, maiorzinho, parece um adulto tentando ganhar vintém prestando qualquer serviço. Perdeu aquele olhar da infância, nem lembra se já brincou; não estuda e só tem tempo pra pegar no pesado.
Juquinha tem oito anos. É vizinho de Zequinha e a família vive nas mesmas condições da do amigo. Ainda não trabalha como o outro, mas também não pode estudar porque os seus pais têm vergonha de mandar o menino quase nu e descalço pra escola. É um garotinho sapeca que vive dizendo que é feliz, sorridente demais e amigueiro. Seu sonho é ter um caderninho pra aprender a escrever. Um lápis também, qualquer lápis também.
Joãozinho tem nove anos e é primo de Juquinha. As famílias são vizinhas de cerca e de precisão. Ele é o mais tristonho de todos, pois fica horas e horas embaixo de um pé de umbuzeiro ou conversando com passarinhos. Tinha vontade de criar um, mas não tem gaiola e também sentiria muita pena de vê-lo dia e noite trancado. Às vezes ajuda Zequinha a tapar buracos na estrada, se enchendo de alegria quando alguém passa num veículo e joga uma moeda. Não fica com nada; entrega tudinho ao pai.
Zequinha cansado demais, um dia deitou na rede e sonhou. Era um rapaz bonito, um médico, um doutor advogado, com carro bonito, uma casa bem grande e uma namorada que era a coisa mais linda do mundo. Era muito feliz, com dinheiro pra comprar o que queria, conta em banco, cartões de crédito, frequentando os melhores ambientes e comprando um monte de coisas que gostava, como sorvete, uva e maçã, refrigerante e um monte de docinhos e salgadinhos de todos os tipos. Ia sonhar com mais coisas, mas o pai chamou para pegar no batente.
Juquinha sonhou deitado numa velha esteira, bem na varanda de casa. Era de tardezinha e o sonho era muito bonito de ser sonhado. Era um fazendeirão bem rico, com muitas terras e muito gado e outros animais. Tudo ali era dele; no lugar daquele casebre existia uma casa bem grande que parecia não acabar mais de tanta parede. Tinha um cavalo alazão, enorme e de pelo brilhante, no qual saía todas as tardes para passear pelas pastagens, admirando suas riquezas na terra que dava de tudo. Tinha mais de dez carros, mas preferia mesmo sair galopando com o vento batendo no seu rosto. Mas não pôde continuar sonhando porque a mãe disse que estava queimando de febre e precisava tomar um chá.
Joãozinho preferia sonhar acordado e sua imaginação parecia voar. Morava ali mesmo, mas numa casa grande e bonita, toda cercada de árvores frutíferas e um enorme jardim de todas as flores. Possuía uma família linda, com esposa e três filhos, cada um mais sapequinha do que o outro. Estava sentado no jardim lendo um livro e os meninos chamavam para brincar de bola no campinho. Logo cedinho era um problema para as crianças irem estudar, mas quando podia fazia uma festa inventando estórias de bruxas, castelos e cavaleiros, muitas vezes tendo de recontar o caso para colocar um gato miando ou um cachorro latindo. Porque sonhava acordado logo voltava à realidade, e se prometia que um dia seria realmente assim.
Mas nada seria assim. Zequinha continuou trabalhando na roça, na olaria, fazendo carvão, cortando mato da terra dos outros. Um dia se olhou num espelho e perguntou se algum dia já havia sido menino. E como queria voltar no tempo para brincar, correr e estudar. Mas o espelho estava amarelado, velho demais, já querendo quebrar...
Juquinha começou a estudar muito tarde. Assim que aprendeu a ler e escrever colocou uma placa na porta de casa dizendo que ali era escola para jovens e adultos que ainda não tinham tido condições de estudar. E foi chegando gente e mais gente e ele repassava a todos o que sabia com um prazer imenso. E os ditados que mandava escrever era tudo tirado de um livrinho que havia escrito e cujo título era “No que temos somos ricos demais”.
Joãozinho saiu pelo mundo e nunca mais deu notícias. Um dia chegou em casa uma carta dizendo que a família não se preocupasse que estava bem e feliz. E todo dinheiro que tinha juntado mandava agora num cheque. Que os seus pais utilizassem a quantia naquilo que achassem melhor. Era quase nada, mas também era tudo.
Se era esse o destino de cada um ninguém haveria de duvidar. Se Deus escreve certo por linhas tortas, certamente sua escrita ainda não tinha chegado ao final. Talvez na última frase escrevesse assim: “Mas ninguém via o coração daqueles meninos...”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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