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quinta-feira, 31 de março de 2011

AS ÁGUAS DO MAR VIVO (Crônica)

AS ÀGUAS DO MAR VIVO

Rangel Alves da Costa*


É constatação científica que as águas do Mar Morto, que na verdade é um lago de água salgada localizado no Oriente Médio (na região interior da Palestina, banhando a Jordânia, Israel e Cisjordânia), faz flutuar todos os corpos que nele adentram e impossibilita o surgimento e procriação de qualquer forma de vida em suas águas. E tudo devido à sua excessiva salinidade.
Segundo os estudiosos, a característica mais marcante do Lago Asfaltite, como também é chamado, é a alta concentração de sal em suas águas, com cerca de 300 gramas de sais para cada litro de água. Esta característica impossibilita o desenvolvimento de peixes ou qualquer outra forma de vida. Os seres que nele procuram se banhar ficam boiando; os peixes, que chegam pelo rio Jordão, morrem instantaneamente ao entrarem no lago. Por isso, ele é chamado de Mar Morto.
Simbolicamente, o Mar Morto relaciona-se a tudo que é difícil de ser alcançado, tudo que é provisório, exaurível e esgotável, e tudo que vai se evaporando e se dilui, tornando de triste aparência aquilo que parecia abundante e florescente. Do mesmo modo, relaciona-se ao que aos olhos é deslumbramento e encanto, mas que na convivência é aflição e temor; e ainda ao poder mágico que possui aquilo que é aparentemente sem vida.
Mas o que é a salinidade do mar morto senão um exemplo de que a vida deve ser preservada mesmo diante das dificuldades impostas. Em muitos pontos daquela imensidão de águas salgadas o líquido evapora-se e em seu lugar surgem pedras cristalizadas de sal. E historicamente o sal significou preservação e perseverança, luta para manter a pureza dos seres.
Contudo, o Mar Morto que ao mesmo tempo impede o surgimento da vida e busca preservar aquela já existente, caminha por outros vales e fundas até desaguar noutros mares por nós todos conhecidos e navegados. Todos os dias nos banhamos nesse mar imenso de águas apenas salobras que surgem das nossas lágrimas e nossos suores. Experimentamos agora o medo de submergir nessas águas do Mar Vivo.
As águas desse Mar Vivo, contrariamente às águas do outro mar, possuem tamanha força atracional às suas profundezas que é muito difícil de nos manter na sua lâmina sem sermos constantemente puxados e empurrados para baixo. O peso do suor e das lágrimas atua sobre nossos corpos e de repente somos quase ninguém diante de qualquer dor ou sofrimento.
Nessas águas do Mar Vivo de pouca valia é a suposição da força física, poder material e o navegar em embarcações de infinitas riquezas. É mais fácil não naufragar o barquinho dos humildes do que o transatlântico que nunca soube enfrentar uma geleira formada de angústias e desilusões. O barquinho segue singrando, ainda que ameaçado por cada vento e norte, porque acostumado com as dores do cotidiano e as angústias que não causam mais nenhuma perplexidade.
Olhando o Mar Vivo que banha a vida inteira ninguém diria que apenas poucas gotas de suas águas têm o poder de naufragar pessoas e seus mundos. Quantas gotas de suor são derramadas na fuga e no medo do monstro terrível que está escondido em cada esquina? Quantas lágrimas são derramadas sem que os motivos tenham que dizer tanto da dor escondida, da solidão opressora, do abandono constante, das noites em claro em busca de qualquer razão para continuar vivendo?
Tem gente que aprendeu a caminhar sobre as águas do Mar Vivo ainda que saiba que vai submergir a qualquer instante. Caminha consciente de que pouco há a fazer diante o peso das ações humanas, estas mesmas ações que são como barras de ferro forçando a descida. Caminha apressadamente na esperança de encontrar o Mar Morto a qualquer instante.
Sabe que no Mar Morto a vida só subsiste por cima das águas, enquanto que no Mar Vivo é a vida que vai se afogando lentamente, pela força do suor, pelo peso da lágrima.





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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