SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 18 de março de 2011

PAISAGENS DE OLHOS TRISTES (Crônica)

PAISAGENS DE OLHOS TRISTES

Rangel Alves da Costa*


Tudo está na sua cor, no mesmo lugar, com a sua perfeição. Tudo de repente pode se transformar num instante maravilhoso, de uma revoada que passa, de um barco que singra, de uma onda que vem correndo em busca da areia da praia. Aos olhos da maioria das pessoas são cenários e paisagens encantadoras, menos para alguns cujos olhos insistem em ver somente o que querem.
No apartamento ao lado, a jovem esfuziante e cheia de felicidade no coração, se põe na janela e começa a descrever para o namorado, através do telefone, as belezas daquela tarde. E fala sobre a doçura da chuva caindo, a fascinação dos pingos batendo nas águas do mar, o mistério encantador do horizonte enegrecido e do tempo brumoso e sombrio ao redor. Ainda neste cenário a jovem feliz encontra beleza e contentamento.
No outro apartamento, vizinho da jovem feliz e de cenário bonito lá fora, ainda que chuvoso, mora uma mocinha que nem consegue chegar perto da janela para não entristecer muito mais, para não chorar muito mais, para quase não enlouquecer, pois tudo aquilo é visivelmente triste e dolorido e os pingos caindo são como sua vida esvaindo gota a gota.
É sempre assim. Os cenários e as paisagens das pessoas alegres são totalmente diferentes, ainda que os mesmos, daqueles enxergados pelas pessoas tristes. Estas não enxergam o que está à frente, mas aquilo que está por dentro; não conseguem perceber detalhes que deixem a visão mais atraente, mas apenas pintar de tons quase invisíveis o espantosamente colorido.
Verdade é que aos olhos das pessoas tristes, a primavera mais festiva se transforma em outono envelhecido e desbotado, o arco-íris é um traço negro emoldurando sua desilusão, o jardim parece uma planície gramada de cemitérios, a natureza é algo que deve ser temido porque nela existem monstros e seres misteriosos.
Contudo, a situação se complica totalmente é quando a pessoa triste vê em tudo motivo para alimentar sua tristeza. Daí que nem pode olhar para o banco da praça porque era nele que sentavam para namorar; não pode ver nenhuma fotografia por perto que se lembra dele sorrindo na moldura que foi quebrada e jogada no lixo; não pode ver ninguém passando com um cachorrinho porque ele também tinha um Chihuahua.
Não pode ver um buquê de rosas vermelhas porque se dana a chorar; não pode passear pela areia da praia ao entardecer porque acha que as águas estão pedindo suas lágrimas; não pode ver pingos de chuva molhando a janela porque logo começa a enxergar o rosto dele todo molhado do outro lado; o vermelho-fogo de entardecer na montanha vai lhe queimar a alma sem que ele esteja ao lado para apagar tudo com um beijo.
A noite chega com os olhos aterrorizantes para roubar seus sonhos e sua vida; o sol é uma bola de fogo que cai sobre seu destino; as manhãs e as tardes são os momentos em que os fantasmas se preparam para o pesadelo da escuridão; não vê a flor, só o espinho; qualquer gota é uma lágrima; qualquer lágrima é o fim do mundo que vai jorrando pela sua face. Até passarinhos são vistos como urubus agourentos.
Problema realmente grave é quando a pessoa se olha no espelho e é como não estivesse nem vendo a si mesma. Porque não se vê, não pode enxergar sua face entristecida, seus olhos vazios e sua existência, apenas que está tudo bem porque tudo é assim mesmo e merece mesmo sofrer.
E depois volta para a janela de onde enxerga um lindo caminho bem à sua frente, a um passo do 20º andar onde está. Acha que enfim pôde ver alguma bonita e quer caminhar. E dá o passo na estrada. Lá do 20º andar, pensando que vai encontrar um mundo bonito. E os pés começam a caminhar. Lá do 20º andar...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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