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sábado, 19 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 57 (Conto)

DESCONHECIDOS – 57

Rangel Alves da Costa*


No outro dia logo cedinho foram avistados trabalhadores no outro lado do rio. Chegaram em pequenas embarcações e a cada instante canoas surgiam com tijolos, cimento e outros materiais. Como áreas de suporte, foram sendo utilizados os barracos abandonados. João ficava só imaginando o recado do coronel para o doutor Beraldo.
Um pouco mais tarde os pescadores do lado de cá se reuniram na beira do rio para discutir a oferta de emprego anunciada pelo coronel. João relatou todos os pormenores e disse que quem estivesse disposto a deixar por uns dias a pescaria e garantir na obra seu pouco, porém certinho dinheiro, que fosse até o outro lado procurar o responsável.
Ele mesmo não iria não, já estava decido. A mesma decisão foi tomada por todos os outros pescadores, preferindo se arriscar na sorte de cada dia. Foi Tiziu quem deu a melhor fundamentação sobre a deliberação tomada: “Não vou ajudar a erguer uma coisa, ainda que seja igreja, quando sei que mais coisa vem com ela”.
Assim que o grupo se dispersou e cada um foi procurar seu afazer, João foi até seu barraco pegar a tarrafa e ao retornar encontrou Soniele sentada na beirada do seu barco, entre a terra e a água. Foi ao mesmo tempo espanto e agradável surpresa para o pescador, que imediatamente perguntou o que ela estava fazendo, se precisava de alguma coisa.
“Não, João, nada demais. Só queria tirar uma dúvida. Ontem de tardezinha não pude deixar de avistar você conversando aqui com três pessoas estranhas. Não é por nada não, mas de longe aquele senhor que estava usando chapéu me pareceu com um porte conhecido, até na roupa azul grossa que ele gosta de usar. Por acaso você sabe o nome dele e o que fazia aqui?”. Não se sabe o porquê, mal tal interesse deixava a mocinha triste e nervosa.
O pescador se prontificou a responder enquanto jogava uns apetrechos pelo barco: “Custou para o povo daqui acreditar, mas aquele homem de chapéu era o próprio coronel Demundo Apogeu em pessoa. Você já ouviu falar nele?...”. “Não”, respondeu Soniele baixando a cabeça. E o pescador prosseguiu:
“Coronel Demundo é o maior ricaço da região. Possui moradia fixa em Mormaço, mas seus bens invadem esse mundão todo de meu Deus. Todo mundo por aqui conhece ao meno um caso envolvendo ele, pois é coronel da bondade, mas também da estripulia, da perseguição e do terror com os inimigo. Mesmo com tudo isso é um tristonho e amargurado, principalmente com os último acontecimento. O homem rico desse jeito mas só tinha um filho herdeiro, que nem era filho de verdade de sua mulher, mas de uma rapariga que o velho mantinha um caso. Coitado, botou o menino dentro de casa porque sua esposa queria porque queria criar um filho, não importando que fosse filho dos outros nem do seu próprio marido com a rapariga. Acabou que o menino, um tal de Gegeu...”
Soniele não suportou a menção desse nome e correu mais pra dentro da água, de onde João não pudesse ouvir seus soluços. Mas o pescador continuou, sem imaginar o que se passava com a mocinha:
“Dizem que esse Gegeu era bonitão, bondoso, amigueiro, mas estabanado, meio encrequeiro como se diz por aí. O problema é que o danado era assim, porém não tinha um só inimigo. Os que não comprava era porque gostava mesmo dele. Mas teve uma coisa que o filho do coronel não pôde comprar e dizem que isso foi a desgraça dele. Com meio mundo de mulher novinha querendo ele, o rapazinho foi logo se apaixonar por uma mocinha de cabaré, bonita por demais, e que nunca quis corresponder ao sentimento de paixão do rapazinho. E quando ela cismou de deixar o cabaré onde fazia vida e arrumou mala e cuia e foi embora, ele não suportou perder a menina nem ficar distante dela e deu um tiro na própria cabeça...”
De repente João ouviu um baque na água e quando olhou Soniele já estava afundando, desmaiada. Correu, levantou a mocinha pelo meio do corpo e a estendeu na areia. Gritou por Pureza e esta veio avexada para ver o que tinha acontecido. “Tava contando um causo que ela me pediu e quando ouvi um baque a água já estava encobrindo o corpo todo...”, disse o pescador, visivelmente preocupado.
“Se avexe não, João, deve ter sido apenas um mal-estar. O problema é que desmaiou bem dentro da beirada do rio. Já imaginou se fosse mais no fundo e você não tivesse aqui?”. Falou a amiga Pureza, uma espécie de faz-de-tudo na comunidade. E não demorou nem cinco minutos para que a mocinha fosse levada amparada pra o seu barraco, ainda fraca com o acontecido.
“Eu já estou bem. Não se preocupem não. Só quero descansar um pouquinho. Se querem sentem aí, senão podem me deixar aqui que já estou bem e não corro nenhum perigo. Foi só uma indisposição passageira”. E Soniele deitou-se numa esteira.
Pureza, passando os olhos de cima a baixo na casa e pertences dela, se deparou com uma fotografia perto de um despertador e perguntou: “Se mal pergunte, mas quem é esse rapazinho bonito no retrato, é seu namorado? Como é o nome dele?”.
Era a fotografia de Gegeu.


continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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