ÁGUAS E NAVEGANTES
Rangel Alves da Costa*
Nascemos vitoriosos em tudo. A criança que vem ao mundo começa a se preparar para enfrentar os desafios e realmente vai sendo vitorioso por longo tempo na vida.
Essa é a lógica da existência, acaso não seja entrecortada por fatores causados pela própria pessoa ou pelos infortúnios que se impõem no caminho, como as doenças que surgem ainda muito cedo.
Dentro da normalidade da existência, o que faz o ser humano é procurar construir-se espiritual e comportamentalmente para os tantos embates que por certo surgirão, mas até como forma de aprendizagem e melhoria de conduta pessoal e social.
A vida, assim, iguala-se a uma embarcação recém construída e aparelhada do essencial que entra no mar porque tem que navegar. O mar é calmo, as águas são azuis, nenhum vento mais forte ou tempestade pode ameaçar o destino.
Ocorre que igualmente à natureza, a vida conhece apenas o seu instante e nem sempre está apta a suportar qualquer mudança de clima, de situação, de desequilíbrio. Assim, quando as águas começam a se agitar o navegante solitário do barco começa a temer pelo seu futuro.
Ora, mas o barco é novinho, não possui nenhuma avaria e apresentava-se com feições de que nenhuma turbulência no mar pudesse desprender uma tábua, um salva-vidas, um pano enfunado na proa.
O que fazer, então, se o navegante não sabe se a embarcação suportará a tempestade que se avista ao longe, as ondas que se agigantam cada vez mais, o temor de não conseguir ir adiante nem voltar, o medo de naufragar ainda na manhã da vida e do mar?
Mas se em virtude das qualidades do barco e da força e disposição do navegante, seja possível afastar-se do perigo e passar a singrar adiante em águas mansas e tranqüilas, ainda assim nada estará completamente a salvo se desde a partida até o ponto onde está já se foi muito tempo.
É que o tempo começa a cobrar das pessoas aquilo que lhe foi doado e permitido ao longo do seu percurso. E chega o momento que mesmo que um dos portos de chagada esteja próximo, o barco já dá sinais de graves avarias e o navegante sente que não tem forças suficientes para consertar a si mesmo nem a embarcação.
E quanto já está se avistando o porto, com gaivotas dançando pelo céu azul, a vida está à deriva, em busca de qualquer sorte, de qualquer socorro, para que chegue adiante com a certeza que não poderá mais se aventurar pelas águas/caminhos do mundo/vida.
O barco e o seu navegante somos todos nós nas águas desconhecidas da vida. Nascemos para nos tornar aptos a navegar por quaisquer distâncias, até que as próprias águas imponham limites nos nossos destinos. E faz isto porque conhece o nosso cansaço, a nossa indisposição, a nossa fragilidade.
Haverá ainda o navegante, mas não o marujo; haverá ainda o barco, mas não a indestrutível embarcação. E isto porque no meio das águas começamos a perceber que não é o sol que nos queima que nos faz afadigados e exaustos, mas a idade que chega dando os seus sinais.
E o próprio tempo se incumbe de dizer ao nosso corpo, nossa mente e nosso espírito que estamos começando a perder. Mas continuamos lutando apenas para nos acostumar com as rugas que chegam, as doenças que surgem, os sonhos que fogem da noite, as esperanças que se tornam muito mais realidades. E por isso mesmo tantas desesperanças...
Depois que o nosso passo não segue mais pelas estradas que construímos ou avistamos, é porque o destino nos fez novamente meninos. E mais tarde seremos colocados noutro barco com uma bandeira em cruz. E singraremos até que nossas gerações lembrem que um dia existiu um navegante.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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