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segunda-feira, 28 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 66 (Conto)

DESCONHECIDOS – 66

Rangel Alves da Costa*


Dito e feito, porém não tão apressadamente como afirmado, pois a viúva pediu à jornalista que a acompanhasse ao menos nos próximos cinco dias, que era tempo suficiente para saber se as ameaças continuariam. Se os pistoleiros dos políticos da região pretendessem fazer mais alguma coisa ela estaria ali ao menos para documentar.
Mas ao menos nos lugarejos seguintes visitados pela comitiva da viúva nenhum incidente maior ocorreu, a não ser o vexame de sempre em ver as pessoas praticamente querendo saquear as mercadorias prontas para distribuição. Mas era tudo compreensível, segundo a bondosa senhora, pois aquela agonia nada mais era do que o desespero do povo carente de tudo.
Enfim, chegou o instante em que Cristina tomou seu outro caminho, e praticamente voltando pelas estradas já percorridas, pois rumaria para Mormaço e de lá seguiria para a vila dos pescadores. Antes de partir, porém, a viúva chamou-lhe num canto e disse algumas palavras:
“Quando chegar a Mormaço procure o coronel e sua esposa e diga-lhes que não vejo a hora de ir descansar à beira do rio, na casa de veraneio que a essa altura já deve estar quase pronta. A igrejinha também já deve estar totalmente levantada. Quando eu for terei a oportunidade de acompanhar os últimos acabamentos e de participar da primeira missa. Por falar nisso, nem sei se já chegou um novo padre por lá. Mas diga a Dona Sofie que não demoro, basta que ela me telefone e avise que na casa já há lugar para descansar. O resto a gente ajeita como puder. E quanto a você não tenho nenhuma recomendação específica, pois já talhada nesses ofícios, mas peço-lhe encarecidamente que tenha muito cuidado, pois mesmo ali sendo um lugar paradisíaco como tanto comentam, verdade é que muitos mistérios continuam rondando aquelas margens. Vá, pode seguir e boa sorte”.
Dona Doranice mais uma vez estava com razão ao pedir que a jornalista tomasse cuidado com o desconhecido que iria encontrar. Eis que a vila dos pescadores e arredores estava cada vez mais instigante, misteriosa, cheia de acontecimentos que causavam enormes preocupações para os ribeirinhos, os trabalhadores e até para pessoas que estavam lá talvez de passagem, como Soniele e Carol. Até o profeta Aristeu, com sua loucura toda, talvez visse um tempo ruim e pressentisse dias piores ainda.
Para se ter uma ideia, quando os trabalhadores começaram a cavar na montanha para fazer o alicerce encontraram um veio escorrendo que todos disseram que ser sangue jorrando dali. Quanto mais cavavam mais surgiam poças com uma água vermelha e malcheirosa.
Procuraram Dona Pureza no outro lado do rio, que também tinha fama de rezadeira e chegada aos mistérios das noites enluaradas, e quando ela foi até o local para verificar quase desmaia na hora. Uma força estranha lhe tomou que quase derruba pra trás. Saiu de lá correndo, se benzendo toda, sem olhar pra trás de jeito nenhum.
Depois mandou um recado dizendo que os homens tinham que fazer um procedimento espiritual ali para ver se realmente era o que ela estava pensando. Então, com a intervenção do coronel que já estava cismado com aquilo tudo, conseguiram um frasco de água benta e foram pingando aqui e acolá por onde a vermelhidão jorrava.
E aconteceu um fato verdadeiramente espantoso: quando os pingos da água santa batiam nas poças estas começavam a borbulhar, soltando uma fumaça fétida pelo ar, e depois tudo ficava cristalino. Quando o último vermelho perdeu a cor um grito horrendo saiu debaixo da montanha e se espalhou pelo ar, assustando todo mundo nas redondezas.
Já na parte de baixo, onde a casa estava sendo construída, foi preciso montar vigilância noturna, pois quando os trabalhadores terminavam o trabalho do dia e se recolhiam, uma parte daquilo que havia sido construído desabava, mas caía como se houvesse sido derrubada por mãos humanas. Tiveram que colocar lampiões a gás iluminando o local e dois vigias bem acordados. Tinha que ser dois, pois somente um não aceitava fazer o trabalho. Era o medo rondando tudo. Ainda assim no dia seguinte faziam relatos assustadores.
Nas paredes não mexiam mais não, mas todas as noites ficavam assombrados com um pássaro de olhos vermelhos afogueados que sobrevoava pelos arredores onde eles estavam e quando sumia de repente aparecia em algum ponto perto deles com os olhos com uma terrível luminosidade, parecendo pequeninos farois vermelhos.
Contudo, mesmo com tantos imprevistos as duas construções já estavam quase prontas. A igrejinha toda majestosa e imponente bem no meio das duas elevações, com duas cruzes protetoras logo na chegada, sendo uma no alto da parte frontal e outra num pequeno cruzeiro uns três metros adiante. Já a casa, obra do querer do coronel como presente à esposa, estava que era esmero puro, misturando simplicidade e beleza bem pertinho das águas misteriosas que passavam apressadas.
E apressadas para voltar, fazer o mesmo percurso, pois aquelas águas eram talvez as únicas que voltavam para correr pelo mesmo lugar. Daí conhecer cada morador, cada peixe, cada estranho, cada barco e canoa, cada rede e tarrafa, cada mato que crescia às margens, cada visitante como se fosse uma pedra da sua própria nascente. Daí também que conhecia os caminhos para o bem e para o mal mais do que qualquer outro elemento da natureza. Mas era o São Pedrito, aquele rio cuja lâmina de água cortava por baixo.
Tendo saído lá fora à meia noite para se aliviar do calor que fazia dentro da tapera, Carol retornou assustada e fechou a porta rapidamente. Já conhecia aquela história do barquinho dos mortos e na sua visão tinha enxergado ele se dirigindo precisamente para a beirada de rio onde ela e Soniele estavam de moradia.
Ao levantar cedinho para desfazer da impressão, deu um espantoso grito.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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