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domingo, 20 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 58 (Conto)

DESCONHECIDOS – 58

Rangel Alves da Costa*


“Esse retrato é do meu irmão Dona Pureza. O nome dele é Antonio”. Soniele fez um esforço terrível pra mentir, mas era o único jeito daquelas pessoas não ficarem conhecendo sua história com o filho do coronel.
Se soubessem e chegasse aos ouvidos do homem, nem poderia imaginar qual seria a reação dele. Ninguém sabe o que se passava naquela cabeça das “antigas”, como se dizia por lá. Como pai e ainda carregando as marcas da tragédia, bem poderia achar um culpado pelo infortúnio. E qual outra pessoa senão aquela que disse não ao seu filho seria vista como culpada?
João continuava na porta da tapera da mocinha esperando Dona Pureza. Precisava voltar para o barco e pegar no pesado. As águas nesse dia estavam como que fervendo, pipocando aqui e ali, e isso era sinal da presença de peixe. Quando a amiga saiu e já iam seguindo caminho, ouviram um grito.
Um grito tão forte que não poderiam deixar de olhar no mesmo instante. Quem havia gritando, ao perceber que as duas pessoas davam atenção, largou tudo que trazia pelo chão e veio correndo. Esbarrou bem em cima de Pureza, chegando mesmo a afastá-la um pouco de lugar.
“Calma menina. O que foi que ouve que está assim, alguém vem lhe perseguindo?”, perguntou João. E a mocinha nem conseguia falar de cansaço, toda suada e vermelha. “Acho melhor dar um pouco de água a ela. Venha aqui, quem quer que seja se achegue mais”. E Pureza levou pelo braço a estranha até a porta de Soniele, que levantou assim que ouviu o barulho.
“Deixem as perguntas pra depois. Não estão vendo que ela está cansada e aflita?”. Era Soniele, já com uma caneca de água na mão. E a estranha tomou a água numa golada só, estendendo depois a caneca pedindo mais. Enfim, pôde dizer alguma coisa:
“Muito obrigada a todos vocês. É que eu vinha andando pela beira do rio desde muito longe daqui, com tudo calmo e sem nada para amedrontar, mas quando eu já estava chegando a essa vila de pescadores vi uma pessoa meio esquisita caminhando lá por cima, pelo mato, que começou a me causar o maior pavor. Ele não fez nenhuma menção de nada, mas tão esquisito que era o homem que juro que tive mais medo do que tudo. E graças a Deus vi vocês e me danei a correr. Larguei até as minhas coisas por lá...”.
“Já sei quem é a pessoa que viu. Apareceu por aqui e ninguém sabe ainda o que ele quer. Num fala com ninguém, não se aproxima das pessoa e fica só andando por aí pelas beiradas ou pelas serra. Se arranchou numa tapera caindo lá por trás de casa. Mas qualquer dia vou falar com ele”. Falou João pescador, para depois perguntar: “E você, tá de passagem?”.
“Primeiro deixe eu me apresentar. Meu nome é Carolina, mas todo mundo me conhece e chama por Carol. Sou de Nova Paulo, bem longe daqui, que é um lugar que não acaba mais de tão grande e desumano. Minha família mora lá, ou seja, meu pai e minha mãe, que a essa hora devem estar contando dinheiro, fazendo compras ou marcando mais uma recepção. Já eu resolvi dar um tempo por essas bandas, sair um pouco daquela rotina e conhecer e viver com gente diferente, mais humana e em meio à natureza...”.
“Chegou quando por essas bandas e pretende voltar quando?”, indagou Soniele. “Já tem dias que estou por aqui. É que quando soube que tinha um rio por esses lados desci do ônibus e fui indo sem direção. Primeiro fiquei muito lá pra baixo, numa pequena vila chamada Surubim, mas como não gostei vim saltando de lugarejo a lugarejo, até chegar aqui. Mas a paisagem daqui é muito mais bonita, o rio parece até ser outro, mais largo, mais bonito, com águas mais azuis. Quando volto ainda não sei, mas agora só quero que vocês me digam onde posso arranjar um ranchinho por aqui pra alugar...”.
E João prontamente respondeu: “Ninguém aluga casa por aqui. Se tiver abandonada é só chegar e entrar que já é dono até que morra ou vá embora. E pelo que eu saiba só tem vazia a casa do finado Climério, mas o homem morreu praticamente ontem e os farrapo dele ainda tão tudo lá...”.
“Não tem problema. Ela fica por aqui até arrumar um lugar pra ficar. Agora pode trazer suas coisas e se arrumar por aqui. Depois a gente vê como fica...”, disse Soniele. “Já que á assim, então eu vou até lá embaixo buscar as coisas dela”. Prontificou-se o pescador.
Quando João saiu do barraco e olhou adiante para ver onde as sacolas da moça estavam, o seu olhar se deparou com o desconhecido que caminhava em direção ao barraco trazendo a bagagem nas mãos e pelas costas. Todo esfarrapado, cabelos compridos e desgrenhados, pele curtida do sol, olhar vago e distante, parecia realmente uma coisa esquisita, um ser do outro mundo.
João foi em sua direção e assim que se viu diante dele o profeta colocou calmamente as coisas no chão e falou pela primeira vez: “Aqui”. Depois deu as costas e saiu rumo ao mato. Mas antes que desaparecesse totalmente, o pescador gritou para que ouvisse: “E você, quem é você e o que faz aqui?”.
João nem esperava essa, mas acabou acontecendo. Aristeu apareceu novamente, deu alguns passos até onde estava o pescador e falou com a cabeça virada pra cima e de braços abertos: “Eu sou a verdade e a vida, ninguém daqui se salvará senão através de mim. Vá dizer aos seus amigos que o Apocalipse está chegando, o tempo do Juízo Final está batendo à porta. Quem se salvará? Eu sei. Somente eu sei por que sou a verdade e a vida. Vá avisar aos seus, vá avisar a todos. E lá do alto – apontando para a Serra dos Desconhecidos – logo soará a trombeta. Vá avisar a todos. Os desconhecidos já estão chegando, mas gente ainda falta chegar. E quando todos estiverem aqui, quando todos estiverem aqui...”.
Deu uma risada bem estrondosa e sumiu no meio do mato.


continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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