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domingo, 27 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 65 (Conto)

DESCONHECIDOS – 65

Rangel Alves da Costa*


A instigante pergunta da viúva fez com que Cristina pensasse um pouco mais para tentar responder. Imaginava sim, que Soniele guardava importantes segredos, contudo era muito difícil citar algum. Mesmo assim procurou satisfazer a curiosidade da amiga:
“Não pretendo aqui misturar o que ela faz na vida com a seriedade de sua palavra. Soniele pode muito bem ter mentido o tempo todo para sustentar um doloroso ou inacreditável segredo. Conheço histórias de pessoas que colocaram uma coisa na cabeça e espalhou isso como verdade, que hoje parece mentir quem conhecer a verdade. Essa mocinha pode muito bem ter feito isso o tempo todo, de modo que todos acreditassem na história desejada e decorada que ela contava...”.
E Dona Doranice interrompeu para fazer uma observação: “Mas minha filha, se ela vive baseada numa invenção de sua cabeça, logicamente para não contar a realidade, então é porque realmente tem alguma coisa muito importante a esconder. O problema é saber qual segredo importante”.
Cristina prosseguiu: “Desse modo, infelizmente tenho que passar a acreditar com ressalvas tudo o que ouvi de Dona Sofie sobre ela. Outro fato muito estranho diz respeito ao exercício profissional dela, podemos dizer assim. Já imaginou que estranho ela deitar com qualquer homem e evitar o melhor partido da cidade, rapazinho novo e ainda por cima apaixonado. Não sei não, mas tem coisa que não me entra. Sem esquecer que ela fez com que as pessoas pensassem que tinha viajado para muito longe e apenas fez a volta e agora está por ali pertinho. E por que ela faria isso? Se todo mundo sabe que Gegeu morreu por causa dela, e sabendo ela o ódio que pode estar escondido no coronel, a sua permanência na região só demonstra que ela é completamente maluca ou está com bala na agulha para enfrentar qualquer parada...”.
“Nem uma coisa nem outra, minha filha, apenas inocência nessa pobre coitada de vida tão difícil. Convenhamos ou não, se mente ou não, mas não se pode deixar de reconhecer o pão amassado que essa menina tem comido. Ora, se dizem que ainda é mocinha, jovem e bonita, com quantos anos ela não começou a se deitar com homem por dinheiro?...”, disse a viúva.
“Só que muitas delas, muitas mulheres desse tipo, entram na prostituição, mas nunca se tornam prostitutas. Parece que é uma sina, um destino diferente, algo que está adormecido em cada uma para somente despertar quando já sofreram demais. Daí a força da superação, a importância para seguir por outros caminhos. Mas tudo isso é suposição, pois tudo o que se diga sobre essa mocinha continuará sendo uma incógnita”, complementou a jornalista.
Logo em seguida Dona Doranice enveredou por outros assuntos e perguntou sobre a vida da interlucutora. E a jornalista passou mais de vinte minutos resumindo sobre sua solteirice, seus empregos e despedidas, suas desilusões e esperanças, até ter resolvido dar um tempo em tudo e fazer essa viagem.
A viúva ficou verdadeiramente encantada com o que ouviu e disse que deveria ser muito interessante investigar caos e situações, muitas vezes coisas sem pé nem cabeça que atiçavam a curiosidade. Então se lembrou daquela história da igrejinha da beira do rio e dos fatos que culminaram na necessidade de sua construção.
“Desculpe Dona Doranice, mas tudo isso é verdade? Que história mais estranha mesmo. Então essa igrejinha teve de ser construída porque o falecido padre, bem como o também falecido Gegeu deram sinais de que ela não podia deixar de existir ali na beira do rio, protegendo a todos e talvez também suas almas. Mas protegendo contra o que, Dona Doranice? A senhora já pensou nisso?”, instigou a jornalista.
“Também queria saber minha filha, também queria saber. E outra vez nos vem o velho e bom Shakespeare, pois realmente há muito mais coisa entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia. Mas por outro lado, situações até simples justificam a iniciativa da construção, dentre elas a de que um templo cristão é sempre bem vindo em qualquer lugar para fortalecer a fé das comunidades e aumentar ao menos o sentido de proteção divina diante das tantas desgraças do mundo. Mas também uma homenagem àquelas duas almas que até clamaram pela sua construção. E se fizeram assim razões devem ter tido...”.
Então observou a jornalista: “Ou então porque a igreja construída deverá ser testemunha de algo que nem imaginamos...”. “Será, meu Deus?”, indagou com inesperado espanto a viúva. Depois de instantes de silêncio tormentoso continuou:
“Tive uma ideia. Você gostaria de ir conhecer aquela localidade de beira de rio e tomar pé de tudo que for possível? Indo até lá, logicamente sob as minhas custas, o que farei com a maior satisfação, você ao mesmo tempo estará passeando, fazendo turismo e exercendo sua atividade profissional de jornalista. E se encontrar por lá alguma história claro que mais tarde aproveitará, não é mesmo? Então, topa seguir até lá? E é bem pertinho de onde já estivemos em momentos distintos, que foi em Mormaço. Da cidade até a vila dos pescadores não deve ser caminho dos mais difíceis...”.
“Mas que maravilha Dona Doranice, que ideia mais genial. Na próxima cidade tomarei o transporte para Mormaço e de lá saberei encontrar a tal vila. E será a oportunidade de ir novamente ao encalço de Soniele”. “Já que ela está naquela região, quem sabe ela não estará escondida por lá?”, disse a viúva.
“É mesmo, quem sabe!...”. Completou Cristina.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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