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quinta-feira, 3 de março de 2011

CANALHA (Crônica)

CANALHA

Rangel Alves da Costa*


A literatura de Nélson Rodrigues é quase toda permeada de gente desse tipo, indivíduos da pior espécie, colocando em meio aos homens de bem talvez para que fosse cumprida a parábola do joio e do trigo.
Por todos os lugares, nas casas, nas repartições públicas, nas mesas de bares, nas mais altas cúpulas federativas, na classe política, nos fóruns e seus deuses, nas esquinas, em qualquer lugar que a pessoa possa imaginar há um canalha dentro ou nos arredores, farejando para tirar proveito e praticar o que bem sabem fazer: canalhice.
Os dicionários deixam o conceito induvidoso. Canalha é a pessoa safada e aproveitadora, sem-vergonha, vagabunda e mau caráter, sacana, pilantra e mentirosa. É a classe mais vil e desprezível de indivíduos, cujo comportamento e atitudes negam até sua condição moral de ser humano. É o conjunto de pessoas socialmente desqualificadas, indignas ou moralmente desprezíveis.
Mas não fica somente nisso não, pois canalha é ainda aquele que pratica ações vis ou maliciosas, que tem e age com má índole; é o indivíduo desonesto ou que procede com fraude ou ludibriamentos; é o que parece não ter, e muitas vezes realmente não tem, um pingo de vergonha na cara.
Como observado, as adjetivações são muitas, mas não o suficiente para devidamente qualificar indivíduos desse tipo: cachorro, pilantra, patife, covarde, safado, mentiroso, cínico, aproveitador, interesseiro, falso, mentiroso, imoral, desonesto, infame, velhaco, tratante, desprezível, descarado, desavergonhado. E mais, muito mais.
Assim, o canalha possui como modus operandi a canalhice. E esta é a prática contumaz daquele que coloca os seus interesses acima de tudo e em detrimento da conivência harmoniosa e respeitadora entre as pessoas. É a ação intencionalmente levada adiante, conscientemente desonesta e prejudicial, tendendo a satisfazer os instintos nojentos e abomináveis do canalha.
Você conhece alguma ou algumas pessoas assim?
Somente sendo mais canalha do que o canalha para não saber ou sentir que aquele que vive lhe passando rasteira e fingindo que é seu amigo está exercendo o seu livre direito à canalhice. Ele se preocupa com você, se propõe a ajudar, tece os maiores elogios, mas cruzando os dedos para que o pior lhe aconteça.
Se alguém contar um segredo ao canalha estará perdido para sempre, correndo até mesmo o risco de ser chantageado para que o fato não seja revelado. E ele chega e vai dizendo que gosta muito da outra pessoa, que é o maior amigo que tem, mas como está precisando de dinheiro ou de outra coisa, aquele que primeiro quiser lhe ajudar infelizmente ficará sabendo da verdade.
O canalha entra na casa do indivíduo, senta-se à mesa, come, bebe e se deleita, mas quando sai pela porta vai logo dizendo ao primeiro que encontrar que nunca viu pessoa mais sovina, mais mão de vaca, e que parece que aquela família vive passando fome. E começa a mentir que nem um copo d’água foi servido nem lhe foi oferecido um cafezinho.
O canalha toma dinheiro emprestado e não paga, e logo inventa uma doença na família para prolongar o pagamento e tomar mais emprestado; nunca cospe no chão, mas quando entra no escritório do outro é a primeira coisa que faz; diz que, em troca de algum dinheiro, pode contar as estratégias do concorrente. A mesma coisa faz com a concorrência do outro lado.
O canalha fala com o inocente de uma forma que chega até a emocionar. De repente chega e oferece um presente, toma uma atitude realmente digna. Contudo, apenas para dar o golpe maior, para fazer uma traição exemplar, para deixar o outro na lama. Depois finge que não sabe de nada e quer estender a mão.
Conheço muitos canalhas, dezenas, centenas. Todos os dias chegam uns aqui no meu escritório com a cara mais sonsa e safada do mundo. Olho na cara deles e dá vontade de dizer umas duas e depois expulsá-los. Mas como, se estão sempre sorrindo?




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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