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domingo, 27 de março de 2011

A FOTOGRAFIA (Crônica)

A FOTOGRAFIA

Rangel Alves da Costa*


Contam que um dia alguém partiu sem destino, ainda moço, quase menino, e deixou em casa por lembrança apenas uma fotografia.
Colocado numa parede do quarto, o retrato emoldurado tinha por cima um espelho e dos lados um bonito trabalho artesanal, num envernizamento escurecido que lhe dava uma bela aparência.
Sorridente, o fotografado mostrava sua felicidade e disposição na idade em torno dos quinze anos, como se fosse um ator de qualquer novela sorrindo para o seu público familiar.
Desde que o irmão viajou e deixou a fotografia na parede, a verdadeira fã de quase todos os dias era sua irmãzinha mais nova, filha única da família, uma lindeza que só. Assim, todas as vezes que lembrava corria para o quarto para olhar o irmão sorrindo e matar a saudade.
Contudo, a menina foi crescendo e os seus afazeres e preocupações de adolescente a afastavam cada vez mais do retrato. Raramente passou a passar por lá e quase não olhava direito o retrato que agora estava meio escondido.
Com efeito, como naquele quarto era colocado tudo que ia sendo dispensado das outras dependências da casa, acabaram colocando uma cortina bem diante da parede onde estava a fotografia.
Mas um dia que a saudade bateu mais forte, a mocinha correu para o quartinho e ao afastar a cortina para olhar o retrato sentiu algo diferente. Não sabia explicar porque, mas tinha certeza que o sorriso estava estranho e o olhar parecia um pouco mais distante.
Pensou que talvez a poeira estivesse turvando o espelho e modificando o jeito de ser do retrato. Limpou tudo com cuidado, até passou um pano úmido cuidadosamente, e depois o colocou novamente na parede, só que num lado onde pudesse ficar sempre visível.
Ela viajou com os pais e por quase um ano ficou sem ver o retrato. Assim que retornou e abriu a porta do quarto encontrou seu irmão quase sem nenhum sorriso. Não somente isto, pois tinha certeza que o rosto estava com muito mais seriedade e até as feições pareciam sem a jovialidade dos tempos passados.
Ficou imaginando o que poderia ter sido e pensou que talvez o tempo que ficou sem passar por ali tivesse feito com que esquecesse um pouquinho como eram as verdadeiras feições do irmão. Mas decidiu fazer um teste e passou mais de seis meses sem olhar novamente para o retrato.
Depois de uma noite de um sonho incompreensível com o irmão, assim que acordou correu até o quartinho e não encontrou mais sorriso algum. A aparência de menino estava sumindo e em seu lugar surgia um rosto mais sério e agora já sendo definido por marcas do tempo que davam uma nova feição.
Pensou muito sobre isso e não teve dúvidas do que estava ocorrendo. Procurou uma fotografia sua e ficou olhando por muito tempo e em seguida foi diretamente para o espelho da sala. A sua fotografia ainda era de criança, mas o seu rosto havia mudado muito. E então começou a chorar.
Descobriu que a fotografia do irmão estava substituindo a presença dele e que o retrato mudava à medida que o rosto também fosse mudando. Assim, cada vez que o olhasse na moldura e sentisse que estava um pouco mais envelhecido, certamente seria a mesma feição que estaria naquele momento onde ele estivesse.
Seus pais morreram sem ver novamente o filho de volta. Ela jamais havia contado esse segredo a eles e tal fato agora lhe magoava constantemente. Mas era a vida, pensava diante da janela vendo a vida passar numa correria danada.
Ela agora morava sozinha, já moça passada a idade de casar, tendo por companhia somente a fotografia do irmão na parede na sala, bem defronte à sua cadeira de balanço. O retrato agora estava muito mais envelhecido, cheio de rugas e triste. Ela sabia que ele também estava assim.
Um dia o rosto sumiu da fotografia. Então, sem poder fazer outra coisa, foi até a moldura e colocou flores ao lado. Depois acendeu uma vela e continuou a chorar.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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