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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 10 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 48 (Conto)

DESCONHECIDOS – 48

Rangel Alves da Costa*


O pássaro cortava os caminhos do firmamento, voava pelas redondezas e voltava, para em seguida fazer o mesmo percurso, num verdadeiro voo de reconhecimento.
João pescador nunca tinha visto pássaro igual no lugar. As espécies existentes na região e acostumadas a traçar caminho por ali em nada se comparavam com aquela ave sobressaindo-se pelo tamanho e cores das penas. A cada novo voo parecia surgir com penas de cores diferentes, ora mais brilhantes, ora mais escurecidas. Mas de repente o estranho passarinho sumiu por trás das serras.
Ainda olhando para o alto, procurando ver se ele reaparecia em algum lugar, nem percebeu o pescador conhecido, morador um pouco mais pra trás, numa vilinha de quatro ou cinco casebres, que chegava remando um barquinho de pescaria. “O amigo João tá de novo matutando por riba dessa pedra?”, perguntou o outro, enquanto encostava a pequena embarcação.
“Já fiz o que tinha de fazer no dia, amigo Climério, e essa é minha hora de me sentar por aqui e ficar maginando tudo que me venha na cabeça. O problema é que essa tarde bonita, nesse lugar mais bonito ainda, ao invés de deixar a gente mais alegre acaba ficando é mais triste, pensando num monte de coisa que traz saudade e faz doer. O amigo num gosta de tirar uma horinha pra ficar maginando não?”. Falou João, jogando lá de cima uma pedra na água.
Climério puxou o barquinho pra areia e sentou na proa pra ficar proseando. E logo procurou responder ao amigo: “Tenho tempo nada rapaz. Mas sei que quando parar pra pensar vai me chegar um monte de coisa que nem quero imaginar. Já fez pescaria hoje mais cedo?”.
“Não. E nem sei quando jogue novamente a tarrafa na água. Num sei mais pra riba ou mais pra baixo, mas por aqui parece que os peixe sumiram tudinho. Pesquei só o de comer e olhe lá. Fico pensando se as coisa continuar assim o que vai ser da gente. Nunca se viu coisa igual por aqui e logo num rio que tinha fama de cesto cheio. O amigo bem lembra de quanto peixe grande tinha por aqui, cada um surubim que fazia festa nos olhos. Bastava pescar dois bicho daquele pra ganhar o dinheiro da semana toda. Mas hoje em dia...”.
E Climério opinou: “Também ainda num pesquei nada. Que o rio tá diferente tá, disso ninguém pode duvidar. Eu num sei se o amigo percebeu, mas tenho pra mim que tem horas que as águas passam numa correria desgraçada, na maior velocidade mesmo e tem outras horas que parece que nem se mexe, que num segue adiante não. Eu já percebi isso e achei a coisa mais estranha, pois quem já se viu as água uma hora tá toda parada e um pouquinho mais tarde desembestar?”
“Pensei que tava malucando, mas também já percebi isso. E vi muito mais coisa, que num ia contar a ninguém não, mas já que você tocou no assunto então vou dizer. Parece coisa do outro mundo, mas já vi a água mudar de cor assim sem mais nem menos, de um segundo pra outro. Tá verde e de repente fica azul, mas isso ainda num é nada, pois já vi ela ficar escurecida quase preta. E o pior é que já avermelhou parecendo sangue...”. E João foi interrompido por Climério, que disse:
“Mas num foi só você não. Meio mundo de gente já viu isso e se assustou. Tem gente que já fechou a porta da casa e foi embora dizendo que num ia esperar por tempo ruim na beira do rio, já que essas coisa acontecendo nada mais é do que sinal que vem coisa muito ruim, que vem um tempo muito ruim. Lá na vila onde moro duas família de pescador já arribaro e tem outra já em tempo de ir embora. Eu só não deixo tudo isso aqui porque não tenho mesmo pra onde ir, senão...”. E os olhos de Climério marejavam.
Já descendo do seu penhasco, João pescador observou: “Até passarinho estranho deu pra aparecer por aqui. Num sei se o amigo viu, mas num faz muito tempo que um danado desconhecido estava voando por aqui de um jeito diferente, pois vinha e voltava, vinha e voltava, como quem estivesse voando ao redor para saber de alguma coisa, pra olhar alguma coisa. Só sei que era todo diferente dos que a gente sempre acostumou a ver. E o danado acabou sumindo lá por trás daquelas serras”.
“Também vi, também vi. E juro por Deus que nunca vi nada igual. Por baixo das águas esse mistério todo, lá pro riba, no céu, agora deu também pra aparecer coisa estranha. Só sei que do jeito que vai e num vai durar muito pra todo beiradeiro arribar daqui. Dez, quinze anos atrás, mais ou menos isso, dava gosto morar por aqui. Pra se ter uma ideia, de cima a baixo margeando o rio tinha casa de pescador, tinha família, tinha gente que vinha nas águas e tinha gente que partia. Agora não tem mais nada disso. Embarcação grande deixou de passar por aqui, comércio quase num existe mais, tá tudo ao deus-dará mesmo. Só faltava aparecer essas coisas estranha de agora, tanto no rio como no céu...”. Disse o entristecido Climério, sabendo que o amigo queria falar.
“Sinto que alguma coisa muito estranha vai acontecer por aqui, disso tenho certeza. Olhe ali adiante, veja lá nas águas se o que vem vindo arrastado não é um passarinho?”, apontava João, com ar preocupado. E o amigo completou:
“Agora que chegou mais perto deu pra ver que é um passarinho morto que vem sendo trazido pelas águas. E é aquele passarinho que estava voando lá por cima...”.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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